Nos últimos dias, um dos assuntos em alta foi a possibilidade da suspensão do Tik Tok nos EUA, o que acabou acontecendo por algumas horas e o caso não está de todo resolvido. Mas o que aconteceria para um setor de peso que atua na plataforma, como é a gastronomia, se de fato a rede social fosse suspensa? A resposta é: a gastronomia seria obrigada a se preparar para uma mudança sísmica.
O TikTok transformou pratos como o café batido, a pasta de feta assada e os tacos birria em sensações globais da noite para o dia. A plataforma não apenas influenciou o que as pessoas come — ela remodelou a forma como as modas e tendências alimentares surgem, espalhando ingredientes de nicho para o mainstream e para os cardápios de restaurantes, criando um espaço onde qualquer pessoa poderia se tornar influenciadora de tendências.
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A rede social possui uma base global de usuários ativos mensais que ultrapassa 1 bilhão, sendo cerca de 170 milhões nos EUA, seguido por Indonésia (123,8 milhões. O Brasil aparece em terceiro lugar com 98,6 milhões de usuários, mais México (68,9 milhões) e Vietnã (62,6 milhões). Algumas hashtags relacionadas a alimentos dão uma dimensão de seu alcance. Dados recentes mostram a #foodtiktok com 106,6 bilhões de visualizações; a #cooking com 141 bilhões de visualizações, #food possui 486 bilhões de visualizações e #recipe já passou de 65 bilhões de visualizações.
No ano passado, a Statista estimou o valor da marca TikTok/Douyin em US$ 84 bilhões, mas há analistas que apostam valores acima de US$ 100 bilhões, incluindo todos os ativos e operações, especialmente seu algoritmo proprietário.
O Que Está Acontecendo Agora?
O que aconteceu na sexta-feira (17) foi que a Suprema Corte dos EUA manteve uma lei que exigia da ByteDance a venda do TikTok no país, até neste domingo (19). A rede voltou a funcionar, mas ainda há incerteza sobre como se darão as tratativas, especialmente com a posse de Donald Trump nesta segunda (20).
Enquanto os debates sobre privacidade de dados e segurança nacional continuam, criadores e marcas de alimentos já estão explorando alternativas, como o Instagram Reels e o YouTube Shorts. No entanto, replicar a combinação única do TikTok de viralidade rápida e construção de comunidade permanece um desafio.
Como o TikTok Mudou a Receita Para Tendências
As tendências alimentares frequentemente seguem um trajeto que pode ser mapeado usando modelos como o Ciclo de Adoção de Cardápios (MAC) da Datassential. Segundo a Datassential, esse ciclo geralmente consiste em quatro etapas:
Início: Pratos inovadores surgem em cozinhas de alto nível e espaços de jantar experimentais.
Adoção: Essas tendências ganham tração em mercados de nicho e estabelecimentos gastronômicos sofisticados.
Proliferação: Elas se expandem para restaurantes casuais e fast-casual.
Onipresença: Finalmente, chegam às prateleiras de supermercados e às cozinhas domésticas.
Esse processo normalmente levava anos. A entrada do TikTok encurtou drasticamente esse cronograma, transformando tendências como a pasta de feta assada, por exemplo, em fenômenos culturais em semanas.
O algoritmo do TikTok, conhecido por elevar conteúdos com alto engajamento, permitiu que até mesmo criadores de nicho alcançassem grandes audiências quase da noite para o dia. Conteúdos relacionados a alimentos se tornaram uma das categorias mais poderosas do TikTok, atraindo milhões de espectadores diários e ajudando marcas a se conectarem diretamente com os consumidores. O blog de publicidade do TikTok destaca seu sucesso em estimular receitas virais e promover um senso de comunidade que incentiva uma ampla participação, de variações de receitas geradas por usuários a desafios de marcas.
Se o TikTok desaparecer, o mundo da gastronomia pode voltar a ciclos mais lentos, impulsionados por chefs. Embora plataformas como Instagram Reels e YouTube Shorts possam preencher a lacuna, seus algoritmos menos dinâmicos e estética mais polida podem não replicar o ritmo ou a autenticidade bruta do TikTok.
Ondas Econômicas e Sociais
O TikTok não foi apenas o ponto de partida para as tendências alimentares; a plataforma e a velocidade de adoção as transformaram em potências econômicas. Receitas virais causaram picos reais de vendas — como a escassez de queijo feta em 2021 e um aumento de 166% nas vendas de queijo cottage. Restaurantes, em particular, se beneficiaram imensamente.
De acordo com uma pesquisa conduzida pela agência de marketing MGH, 36% dos usuários do TikTok disseram ter visitado ou pedido comida de um restaurante após assistir a um vídeo sobre ele no TikTok. Esses dados destacam a capacidade incomparável do TikTok de conectar a descoberta de alimentos com ações dos consumidores, misturando tendências alimentares com comércio de uma forma que nenhuma outra plataforma conseguiu igualar.
Para pequenas empresas, o TikTok foi um divisor de águas, permitindo que restaurantes locais e marcas alimentares emergentes alcançassem uma audiência global. Foi uma plataforma onde a autenticidade prosperou, ajudando criadores e restaurantes a se conectarem com públicos ávidos por experiências culinárias genuínas.
A Receita Para a Fama Viral
Os vídeos curtos e o poderoso algoritmo do TikTok remodelaram a maneira como as tendências alimentares se espalham. Diferentemente de outras plataformas, o TikTok democratizou a influência, permitindo que cozinheiros comuns se tornassem formadores de opinião e criassem sensações culinárias virais.
De acordo com um relatório do MyFitnessPal, 57% dos usuários do TikTok da Geração Z e millennials adotam tendências nutricionais descobertas na plataforma, mas 40% dessas tendências são imprecisas ou enganosas. Esse papel duplo — como motor criativo e fonte de desinformação — destaca a influência única do TikTok.
Conexões Culturais Cruzadas e Legado Cultural
O TikTok promoveu a inclusão, apresentando audiências globais a pratos como sobremesas filipinas de ube ou injera etíope. Um estudo de 2023 no International Journal of Scientific and Engineering Applications descobriu que o TikTok desempenhou um papel fundamental em remodelar mesas de jantar e abrir novos mercados para ingredientes outrora de nicho. Seu papel como ponte cultural tornou-o indispensável para a inovação alimentar.
Para adolescentes, o TikTok não era apenas entretenimento — era uma ferramenta para explorar a identidade. Um estudo de 2024 publicado no Proceedings of the ACM on Human-Computer Interaction mostrou que vídeos de alimentos no TikTok inspiraram jovens a experimentar cozinhar, adotar hábitos alimentares mais saudáveis e se aproximar da família por meio do planejamento de refeições. A plataforma normalizou imperfeições, tornando o conteúdo sobre alimentos mais acessível para o público jovem.
O Que Vem a Seguir Para Tendências e Cultura Alimentar?
A ausência do TikTok deixaria um vazio na cultura alimentar rápida e orientada por algoritmos que ele criou. Seu papel em impulsionar tendências virais e fomentar conexões autênticas o distinguiu de qualquer outra plataforma. Caso houvesse alguma ruptura, criadores e entusiastas enfrentariam um futuro incerto. Sem a capacidade incomparável do TikTok de democratizar a influência e promover conexões globais, o ritmo da inovação culinária pode desacelerar, deixando canais tradicionais, como a mídia dirigida por chefs e o marketing corporativo, para preencher a lacuna.
O fato é que o legado do TikTok — um desejo por autenticidade, inclusão e experiências culturais compartilhadas — sem dúvida moldará como a cultura alimentar evolui, seja por meio de novas plataformas ou de um retorno a ciclos mais lentos e tradicionais. Essas mudanças levantam questões importantes: novas plataformas surgiriam para ocupar o lugar do TikTok, ou a cultura alimentar se fragmentaria em comunidades menores e menos unificadas?
Enquanto o futuro do TikTok permanece em certa medida incerto, seu impacto é inegável. Ele mudou não apenas o que as pessoas comem, mas como elas se conectam com os alimentos, tornando-se um marco cultural para milhões de pessoas. Conforme a poeira vai baixando, as implicações de longo prazo para a inovação alimentar e a troca culinária global ainda estão por vir — abrindo caminho para um próximo capítulo.
*Stephanie Gravalese é colaboradora da Forbes EUA. Escreve sobre tendências emergentes e práticas sustentáveis sobre alimentos e bebidas. Também apresenta o podcast Food Stories Told.