O setor agropecuário da Argentina começou 2025 do mesmo jeito que terminou em 2024. Longe de ser resolvida, a discussão sobre a eliminação ou não das retenções retorna ao centro das atenções, e agora estão em jogo entre US$ 20 bilhões e US$ 30 bilhões (de R$ 118 bilhões a R$ 177 bilhões, na cotação atual), uma quantia considerável para aumentar as reservas do país, algo que poderia ajudar o governo a cumprir a promessa de acabar com o controle cambial.
Esse é o montante que os produtores acreditam que poderiam alcançar, caso as retenções fossem eliminadas, uma medida que sem dúvida melhoraria as perspectivas do setor e impulsionaria as exportações.
Entretanto, há um outro compromisso que o governo assumiu antes mesmo de assumir o poder. “As retenções são contrárias à produção”, destacou o presidente Javier Milei, deixando claro que seu objetivo era eliminar esse imposto. Mas isso nunca se concretizou, e agora a questão se transformou em uma discussão cíclica.
As previsões para este ano, em relação à receita das exportações, não são ruins, mas também não são extraordinárias. Com base nos preços e volumes atuais, espera-se atingir cerca de US$ 31,5 bilhões. No entanto, a Bolsa de Comércio de Rosário adverte que esse cálculo considera que, ao menos por enquanto, não haverá melhorias nas condições de comercialização para o exterior, ou seja, que as retenções continuarão como estão.
O esquema vigente é o do “dólar blend”, que permite aos produtores de grãos receberem 20% do valor exportado à taxa do dólar CCL (contado com liquidação) e 80% à taxa oficial. O setor agropecuário reivindica que 100% do valor de suas vendas para o mercado externo seja superior ao dólar oficial; sem isso, os produtores continuarão estocando boa parte da produção, à espera de melhores condições.
“Assim não dá para continuar; a urgência é agora”, afirmou Carlos Castagnani, presidente da Confederação Rural Argentina (CRA), ao destacar a necessidade do setor. Em consonância, a Mesa de Enlace aguarda uma reunião com o ministro da Economia, Luis Caputo, para recolocar o tema em pauta. “Para nós, o ideal seria a eliminação das retenções; para isso, a equipe técnica da Mesa de Enlace está preparada para trabalhar no intercâmbio de ideias e buscar soluções viáveis”, apontou Castagnani.
Andrea Sarnari, presidente da Federação Agrária Argentina (FAA), também comentou sobre os impactos do imposto sobre exportações: “É um imposto ruim, e as entidades vêm dizendo isso há muitos anos. Queremos mostrar ao ministro Caputo quais são as nossas urgências e ouvir do governo o que pode ser feito, quais são os limites, e garantir que os produtores possam operar com rentabilidade na próxima safra”, destacou.
Sem Novidades sobre Mudanças
Por outro lado, a intenção do governo não é alterar o quadro atual. Apesar de, em princípio, concordar com a ideia de eliminar o imposto sobre exportações, a realidade fiscal pesa mais. Alcançar o superávit é uma das políticas de Estado mais importantes, e na última sexta-feira (17) o governo celebrou uma boa notícia: em 2024, o Setor Público Nacional (SPN) registrou o primeiro superávit financeiro anual em 14 anos e o maior em 16 anos, de 0,3%, enquanto o primário alcançou 1,8% do PIB.
Para atingir esses números, a contribuição das retenções do setor agropecuário foi fundamental e deverá ser ainda mais em 2025. Estima-se que o setor contribuirá com cerca de US$ 11 bilhões (R$ 65 bilhões) em impostos, o que representa um aumento de 100% em relação a 2024.
Se o governo decidir reduzir ou eliminar as retenções, precisará encontrar outra fonte de recursos. E hoje, o objetivo de déficit zero é prioritário. As previsões de exportação são favoráveis, mas não necessariamente otimistas. No ano passado, a receita com exportações totalizou US$ 30,2 bilhões (R$ 178,1 bilhões), um aumento de 30% em relação a 2023, um ano fortemente impactado pela seca.
Em comparação com uma safra sem essas adversidades, como a de 2022/2023, que contou com preços internacionais recordes, houve uma queda de 27%.
Nesse contexto, a Mesa de Enlace destaca que as condições climáticas nos últimos meses foram desfavoráveis, o que prejudicou algumas culturas. Por exemplo, a produção de milho caiu em quatro milhões de toneladas por causa da falta de chuvas, ao calor extremo e aos ventos fortes que afetaram as plantações.
Para ilustrar, em algumas regiões da província de Buenos Aires, as chuvas de dezembro totalizaram apenas 30 milímetros, muito abaixo da média histórica de 110 milímetros. Um efeito semelhante já é observado na soja, principal cultura em termos de volume exportado, onde surgiram alertas sobre a produtividade esperada.
A Bolsa de Cereais de Buenos Aires advertiu, em um estudo, que as condições climáticas adversas já comprometeram um em cada cinco hectares de soja na região núcleo do Pampa e no oeste de Buenos Aires, que se encontram em condições ruins ou regulares. Para essa cultura, o momento atual é crítico no ciclo produtivo, exigindo chuvas urgentes para garantir o potencial produtivo esperado.
“Em nível nacional, a proporção de áreas com condições hídricas adequadas ou ótimas caiu 13 pontos na última semana, em função das altas temperaturas e da falta de precipitações no centro e leste da área agrícola”, diz o relatório da Bolsa de Cereais.