Todos os anos, Rob McMillan, vice-presidente executivo da divisão de vinhos do Silicon Valley Bank, divulga um dos relatórios mais aguardados sobre o estado da indústria do vinho. Suas análises são baseadas em dados, pragmáticas e amplamente consideradas leitura essencial para o setor. O relatório deste ano deixa uma coisa clara: embora a indústria esteja passando por uma correção na demanda, isso não é uma crise. Pelo contrário, faz parte dos ciclos naturais de negócios.
“Desespero e pessimismo são formas de dizer: ‘não preste atenção aos dados'”, afirma McMillan. Em vez disso, ele incentiva os líderes do setor a reconhecerem os desafios e a tomarem medidas proativas para garantir um futuro sólido.
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Uma Mudança no Mercado, Não um Colapso
A indústria do vinho nos Estados Unidos desfrutou de 25 anos de crescimento sustentado e melhorias na qualidade, o que tornou fácil supor que essa trajetória continuaria indefinidamente. No entanto, nenhum mercado se expande para sempre sem ajustes.
“Estamos passando por uma redefinição da demanda”, explica McMillan, salientando que essa mudança vem ocorrendo há anos.
Ele diz que os primeiros sinais de desaceleração da demanda vieram no final de 2014, e que se tornaram mais evidentes em 2015. A pandemia de Covid-19, juntamente com mudanças no comportamento do consumidor, acelerou ainda mais essas tendências.
A dependência histórica da indústria do vinho na geração dos Baby Boomers como seu principal público consumidor agora representa um grande desafio. À medida que essa geração reduz o consumo, as gerações mais jovens não estão naturalmente preenchendo essa lacuna. McMillan alerta contra a suposição de que os Millennials e a Geração Z vão “amadurecer” para o consumo de vinho da mesma forma que os Boomers fizeram.
“Isso é uma falácia. Não é assim que funciona”, diz ele. A indústria precisa agir de forma deliberada para atrair esses consumidores mais jovens, em vez de esperar que eles adotem os hábitos tradicionais de consumo de vinho.
Conquistando Consumidores Mais Jovens
Um dos maiores desafios para a indústria do vinho é capturar o interesse dos consumidores mais jovens, especialmente aqueles entre 30 e 45 anos. Os dados mostram que esse grupo consome álcool, mas tende a optar com mais frequência por coquetéis prontos para beber (RTDs), destilados e cerveja em vez de vinho.
“O vinho é o que os jovens consumidores querem, eles só não sabem disso ainda”, afirma McMillan.
Para mudar essa realidade, as vinícolas precisam primeiro tornar o vinho mais acessível, eliminando as barreiras que o fazem parecer complicado, intimidador ou caro demais. Rótulos mais simples, mensagens mais claras nas embalagens e estratégias de marketing educacional podem ajudar a mudar essa percepção.
Além disso, os consumidores mais jovens priorizam experiências em vez de produtos, uma mudança cultural que a indústria do vinho pode aproveitar. Embora o vinho esteja tradicionalmente associado a harmonizações gastronômicas e ambientes formais, os jovens preferem bebidas que se encaixem em ocasiões casuais e sociais.
Quando posicionado em contextos não tradicionais — como eventos ao ar livre, shows e encontros informais, onde os RTDs e a cerveja atualmente dominam — o vinho pode começar a atrair mais atenção desse público.
Além da acessibilidade e da relevância social, os consumidores mais jovens também esperam experiências digitais fluídas. Segundo McMillan, as vinícolas devem investir em plataformas robustas de e-commerce, engajamento nas redes sociais e marketing direto ao consumidor para alcançá-los onde eles já estão.
Ele também destaca que isso não significa necessariamente depender de colaborações com influenciadores, que foram eficazes em anos anteriores, mas sim que os produtores assumam o controle de sua própria narrativa, apresentando o vinho como uma experiência, e não apenas como um produto.
Sustentabilidade e transparência também são valores essenciais para os Millennials e a Geração Z. Vinícolas que comunicam claramente suas práticas orgânicas, embalagens sustentáveis e os aspectos naturais da produção de vinho têm mais chances de conquistar esses consumidores mais jovens.
Lidando com o Excesso de Oferta e Desafios de Distribuição
Além do envolvimento com o consumidor, o segmento de atacado enfrenta um grande acúmulo de estoque. Grandes distribuidores estão com um volume excessivo de produtos armazenados, criando um gargalo no sistema.
“A única maneira de resolver isso será pelo preço”, alerta McMillan, prevendo um aumento nos descontos e promoções neste ano.
Para as vinícolas, gerenciar estrategicamente os níveis de estoque será essencial para evitar um excesso ainda maior de oferta. Muitos produtores podem precisar expandir seus canais diretos ao consumidor para reduzir a dependência da distribuição tradicional no atacado, uma mudança que também deve ajudar a fortalecer a lealdade à marca e o engajamento do consumidor. Além disso, criar lançamentos de edições limitadas ou ofertas exclusivas para clubes de vinho pode gerar demanda, ajudando as vinícolas a se destacarem em um mercado saturado.
Vinho com Tarifas e Pressões de Mercado
A incerteza em torno das tarifas continua sendo um possível fator de disrupção para a indústria. “Se houver tarifas sobre as importações, isso pode mudar um pouco a equação”, diz McMillan, sugerindo que tais medidas poderiam impulsionar temporariamente os vinhos domésticos.
No entanto, tarifas retaliatórias poderiam impactar negativamente as exportações de vinho dos EUA, tornando essa questão um problema de mão dupla.
Enquanto isso, a concorrência global continua a crescer. Vinhos da Itália, França e Espanha estão ganhando participação no mercado dos EUA, representando um desafio crescente para os produtores locais.
Para permanecerem competitivas, as vinícolas precisam se diferenciar por meio da qualidade, narrativas envolventes e um forte engajamento com o consumidor. Uma identidade de marca clara e uma conexão profunda com seu público serão fundamentais para se destacar.
Combatendo o Neo-Proibicionismo
Uma das preocupações mais urgentes levantadas por McMillan é o crescimento do movimento antiálcool, que é bem financiado e politicamente ativo. “Não podemos simplesmente ignorar isso e esperar que desapareça”, alerta ele.
Para combater essa tendência, McMillan destaca a importância de uma comunicação proativa em toda a indústria. O consumo moderado é um ponto crucial nessa discussão, e pesquisas indicam que o vinho, quando consumido de forma responsável, pode ter benefícios para a saúde.
No entanto, a indústria deve comunicar essas descobertas com cuidado, garantindo que a mensagem seja precisa e esteja em conformidade com as diretrizes regulatórias.
A colaboração também é essencial. Vinícolas, associações comerciais e grupos de defesa do setor devem trabalhar juntos para criar uma voz unificada que combata eficazmente as narrativas enganosas. Estabelecer um repositório centralizado, baseado em ciência, sobre vinho e saúde poderia ser uma ferramenta poderosa nesse esforço, ajudando a fornecer mensagens claras e baseadas em fatos.
A Indústria do Vinho Precisa Ter um Papel Ativo
O relatório de McMillan para 2024 parece menos uma atualização padrão do setor e mais um chamado à ação. Com as vendas de vinho em queda, a categoria de bebidas alcoólicas sob escrutínio e a pressão da inflação afetando os gastos dos consumidores, ele está pedindo às vinícolas que parem de esperar por soluções espontâneas.
Talvez a maior lição seja que a passividade não é uma opção. “A esperança não é uma estratégia”, diz McMillan. “Em vez disso, as vinícolas precisam abraçar a inovação, colaborar e moldar proativamente a narrativa em torno do vinho.”
Apesar dos desafios, o vinho já sobreviveu e prosperou em correções de mercado anteriores, e os fundamentos permanecem sólidos. Ao adotar estratégias mais inteligentes, envolver consumidores mais jovens e controlar sua mensagem, a indústria pode atravessar essas mudanças e sair ainda mais forte.
*Jessica Dupuy é colaboradora da Forbes EUA. Escreve sobre vinhos, destilados, gastronomia e viagens também para Texas Monthly, Imbibe, Guild of Sommeliers, SevenFifty Daily e Wine Enthusiast.