O declínio das vendas globais de vinhos nos últimos três anos não dá sinais de parar, e a atual instabilidade econômica promete um cenário ainda mais sombrio. Um dos mais experientes consultores da indústria, Peter McAtamney, tem uma visão firme do que pode acontecer. E história no setor.
Em 2003, McAtamney fundou a Wine Business Solutions, uma empresa que ajuda negócios do setor de vinhos a se tornarem financeiramente mais sustentáveis por meio de pesquisas sobre o mercado On-Premise e DtC, além de atuar diretamente com mais de 350 clientes ao redor do mundo. Em seu relatório deste mês de março, ele afirma que as condições sinalizam “A tempestade que ocorre uma vez a cada 40 anos”. Confira o que ele diz na entrevista a seguir:
De acordo com a OIV, o preço médio de uma garrafa de vinho agora custa 24% a mais do que em 2020, o que parece muito positivo. No entanto, o sr. afirma que a erosão das margens está atenuando esse dado. Por quê?
Se olharmos os dados do Silicon Valley Bank e de outras fontes sobre a lucratividade das vinícolas, veremos que elas enfrentaram essa enorme turbulência durante e após a Covid-19 passaram a ir relativamente bem. No entanto, em média, as vinícolas estão operando com prejuízo, pois tiveram que absorver aumentos de custos maiores do que conseguiram recuperar em receita.
Os chamados “Zelennials” não parecem estar adotando o hábito de beber vinho como a Geração X fez. Por quê?
Há muitos motivos, como o movimento “better for me” (melhor para mim), que incentiva hábitos mais saudáveis, e a tendência geral de afastamento do consumo de álcool. No entanto, talvez o fator menos discutido seja o fato de que eles simplesmente não podem pagar por isso.
Se a situação econômica melhorar, será interessante ver como esse comportamento muda. Muitas pessoas afirmam que estão deixando de beber, em números que deveriam assustar a indústria, mas isso nem sempre se reflete nos dados. Sim, as vendas caíram, mas não na medida que as pesquisas de consumidores indicariam.
Novos estudos científicos afirmam que qualquer quantidade de álcool pode ser prejudicial à saúde. Isso deu mais força ao lobby antiálcool?
Esse é um assunto muito amplo e há muitos comentaristas excelentes, como Felicity Carter e a doutora Liz Thach MW, que abordaram o tema de forma abrangente. Como mencionei em meu boletim informativo, parece-me que o lobby antiálcool escolheu atacar a indústria no momento em que ela está menos capaz de se defender.
Portanto, o setor precisa trabalhar mais do que nunca para promover o vinho como um meio de unificação, moderação e conexão social, reunindo pessoas em torno da mesa.
O sr. vê a indústria ficando desesperada? Em relação a quê, especificamente?
Isso foi apenas um alerta geral para clientes e leitores do meu boletim informativo. Estou vendo os piores comportamentos que testemunhei em 40 anos por parte de fornecedores e funcionários de vinícolas.
Algumas pessoas que já seriam problemáticas em qualquer situação agora estão ainda menos capazes de pagar suas dívidas, e as vinícolas estão mais desesperadas do que nunca para vender vinho. Então, é preciso ter cuidado com quem se faz negócios.
O sr. afirma que a chave é a inovação. Pode dar alguns exemplos bem-sucedidos?
A chave, sempre, é a inovação de valor. Esse conceito começou com Michael Porter e foi posteriormente promovido por Kim & Mauborgne em seu livro Blue Ocean Strategy. Eu costumava ser diretor global de marketing da Yellow Tail, e há um capítulo inteiro no livro sobre essa marca. Os princípios são simples:
O que pode ser removido ou minimizado porque está atrapalhando?
O que pode ser adicionado ou intensificado para criar mais valor para os clientes?
O sr. afirma que a indústria deve “mobilizar aqueles com influência”, incluindo especialistas em vinho, YouTubers, sommeliers renomados e outros influenciadores de confiança dos consumidores. Como isso pode ser feito? Contratando-os para comerciais?
Isso envolve recorrer a agências especializadas. E se aplica a todas as redes sociais, mas, se olharmos apenas para o YouTube, tenho clientes com canais dedicados ao mundo do vinho que obtêm entre 2.000 e 4.000 visualizações por vídeo. Isso já é suficiente para impulsionar as vendas de seus negócios, que não são pequenos (cerca de 40.000 caixas de vinho por ano).
Um chef neozelandês radicado em Sydney, cujo canal se chama Andy Cooks, consegue 250 milhões de visualizações em um vídeo sobre “como cozinhar frango biryani”. Se a indústria do vinho começasse a falar com as pessoas sobre o que realmente as interessa – ou seja, como se divertir mais com vinho e comida à mesa – as possibilidades seriam infinitas.
O sr. menciona que os vinhos XXL (de 16% de teor alcoólico e saborizados, originários da Moldávia) e Mucho Mas (da Espanha, com 16 gramas de açúcar por litro) tiveram um sucesso impressionante. Por quê?
O XXL foi originalmente produzido na Moldávia, mas não é mais. Ele é o oposto do que todos dizem sobre os novos consumidores emergentes, e ainda assim é a marca de vinho que mais cresce nos EUA no momento. O Mucho Mas também vai contra a suposta tendência do mundo do vinho, mas é uma das marcas de vinho que mais crescem na Europa.
Quero enfatizar que não se trata de vinho sem álcool. A ideia não é apenas saborizá-lo, enlatá-lo e vendê-lo como um complemento para o crescente mercado de lanches “mais saudáveis”, como sugerem grandes institutos de pesquisa e órgãos nacionais.
Trata-se de olhar para todos os aspectos do vinho e aplicar os princípios da inovação de valor. Para deixar claro: isso pode ser feito também no segmento ultrapremium. O Domaine Faiveley, na França, tem um vinho da denominação Mercurey chamado La Framboisière (O Bosque das Framboesas), vendido por mais de US$ 60. Esse vinho tem os sabores e aromas de framboesa mais requintados que se pode desejar e agrada tanto aos novos consumidores quanto aos críticos mais exigentes.
Em um de seus textos, o sr. escreveu que “Vencer nos EUA significa normalizar o consumo moderado de vinho durante refeições com amigos e familiares”. O que impediu isso de acontecer? Afinal, o país é formado por imigrantes de países que tradicionalmente consomem vinho.
Como mencionei em meu artigo, o consumo de vinho nos EUA é metade do que se consome na Austrália, Alemanha e Espanha, países com culturas muito diferentes. Esse é o maior potencial de crescimento para a indústria do vinho no mundo. Há muitas razões para os EUA não terem seguido outros países produtores de vinho em termos de cultura de consumo.
Um fator importante é a forma como Hollywood retrata o ato de beber: quase sempre como autodestruição solitária, algo que se faz após ser demitido, terminar um relacionamento ou perder um amigo. Minha pergunta é: se a indústria do tabaco consegue inserir seus produtos em praticamente todos os filmes, por que nós, como setor, não conseguimos mostrar o consumo moderado de vinho com comida e bons amigos como uma maneira normal, saudável e prazerosa de beber álcool?
O sr. aconselha as vinícolas a “desconfiar de quem está apaixonado por ‘grande volume'”. Por quê?
Muitas vezes se diz que o pior hábito da indústria do vinho é ter enólogos se gabando da produção em grande escala. Menos e melhor é sempre uma estratégia vencedora – e nunca foi tão crucial quanto agora. Sim, há negócios crescendo rapidamente, como mencionei antes, mesmo neste cenário difícil. Mas é preciso ter escala e ser capaz de crescer rapidamente para que isso funcione.
O que prevê para os próximos cinco anos?
A indústria do vinho tem uma escolha: ou segue o caminho do tabaco, ou se aproxima muito mais do setor de hospitalidade, integrando-se à gastronomia, com 8.000 anos de história.
Se as tarifas de Trump forem implementadas, qual será o impacto na indústria do vinho?
A matemática econômica é simples: tarifas bilaterais prejudicam todos os envolvidos. A menos que algo ocorra e os principais economistas do mundo não estejam prevendo, todos sairão perdendo.
* John Mariani é colaborador da Forbes EUA, autor e jornalista com 40 anos de carreira e autor de 15 livros. O Philadelphia Inquirer o chamou de “o crítico de comida e vinho mais influente da imprensa popular”, e ele foi indicado três vezes ao James Beard Journalism Award. Durante 35 anos, foi correspondente de comida e viagens da Esquire Magazine e colunista de vinhos da Bloomberg News por dez anos.