
Meu supervisor havia me avisado, mas eu não ouvi. “Não confronte o John, ele vai arrancar sua cabeça.” Eu era um jovem comprador de mantimentos, recém-chegado à equipe nacional de merchandising. Estava na empresa há seis anos, subindo de cargo e mudando de loja.
Tínhamos acabado de sair de uma reunião geral da equipe, depois de um trimestre difícil durante a grande recessão de 2009. Nosso CEO, John Mackey, havia se dirigido diretamente a algumas centenas de nós sobre a situação da empresa, que na época era descentralizada em 12 regiões operacionais nos EUA.
John Mackey, ou como alguns de nós o chamávamos, “The MacDaddy”, gostava de contar histórias durante as reuniões, evangelizando sua visão, mas ocasionalmente divagando sobre o que lhe vinha à cabeça. Decidi levantar a mão e fazer uma pergunta, algo sobre por que a comunicação entre nossas lojas, escritórios regionais e equipes nacionais era tão ruim. Sua resposta foi algo como: “como ousa sugerir isso, o que há de errado com você, você está absolutamente errado”, diante de centenas de colegas. Muito constrangedor.
Mas CEOs precisam ser bons contadores de histórias. Como pregadores do Cinturão da Bíblia — uma região dos Estados Unidos onde a influência do cristianismo protestante — falando sobre fogo e enxofre, eles sabem que nada une melhor o rebanho do que uma boa narrativa. A visão de John Mackey, impulsionada por seu talento para contar histórias, permitiu que a Whole Foods mudasse a forma como os americanos comem, compram e pensam sobre alimentos. Mas nem todas as boas histórias têm finais felizes.
De acordo com “The Whole Story: Adventures in Life, Love and Capitalism”, livro autobiográfico escrito por John Mackey, cofundador e CEO da Whole Foods Market por 44 anos, a empresa foi fundada em 1980 como Saferway. O nome era uma provocação ao mercado tradicional que hoje pertence à Albertsons, uma das maiores redes de supermercados dos EUA. Com uma injeção de dinheiro do pai, apoio de amigos da indústria de petróleo e gás, e uma fusão com outra loja local, começava o legado da Whole Foods.
A empresa atraiu uma força de trabalho eclética e vibrante, composta por artistas, veteranos, músicos, cientistas, estudantes de pós-graduação e universitários desistentes, que juntos fizeram da companhia uma das histórias de sucesso mais marcantes do varejo no final do século 20 e início do 21.
Mackey se coloca no centro da narrativa como líder, observador e participante ativo no crescimento rápido, na evolução e na eventual aquisição pela Amazon.
“The Whole Story” é uma história vista de cima. Fala sobre reis e rainhas (em sua maioria reis), suas conquistas no varejo, alianças, disputas e feudos, sem dragões cuspindo fogo. Inclui várias gerações de seus protegidos e colaboradores, seus sucessos e triunfos, como a abertura da loja de Columbus Circle, uma rotatória icônica localizada em Manhattan, Nova York.
“The Whole Story” é também a história de Strider, o nome de trilha de Mackey, o rei secreto que percorreu triunfalmente a Trilha dos Apalaches, cordilheira no leste dos EUA, enquanto confiava em milhares de funcionários para cuidar das lojas. É também a história de “Rahodeb”, um CEO que não conseguia parar de irritar fóruns de negociação de ações durante a madrugada.
Há a previsível retórica anti-sindical, desconectada de quase 80% dos americanos, mas que alimenta os vieses cognitivos do público-alvo do livro: aspirantes a CEOs, seus protegidos e cúmplices. Um dos episódios relata uma loja em Madison, Wisconsin, onde um professor universitário desafiou seus alunos a sindicalizar a Whole Foods. A campanha sindical foi imatura, desajeitada e, no fim, condenada ao fracasso. Mackey aprendeu rápido, percorrendo a empresa e percebendo que seus funcionários precisavam de melhores salários e benefícios. E ele entregou. Mas ele teria chegado a essa conclusão sem a pressão sindical?
Havia um idealismo com luvas de veludo, todo “podemos trabalhar juntos como parceiros, com abertura, confiança, comunidade, propósito compartilhado, alegria e amor”, que escondia um foco implacável na gestão de custos. Sem sindicatos, na aquisição da Fresh Fields, nos anos 1990, uma rede de supermercados especializada em produtos naturais e orgânicos nos EUA, a “primeira ordem do dia foi cortar sua inchada equipe de suporte”.
O livro também revela o segredo do sucesso da Whole Foods. “Fomos mais ambiciosos e pensamos estrategicamente no longo prazo”. Ao mesmo tempo carinhosa, paternalista e espiritual. Competitiva, expansionista e obsessiva por aquisições. Com tetos salariais para executivos e um amplo sistema de participação nos ganhos nos times das lojas, uma das distribuições mais equitativas de opções de ações para não-executivos. Mantendo a moral alta e a retenção de funcionários forte, ou então demitindo-os “ao estilo Whole Foods”: transferindo-os para funções menos importantes.
Foi a história de um varejista brilhante que “queria que as pessoas inovassem, assumissem riscos, criassem grandes lojas, as gerenciassem localmente e nos surpreendessem com seu sucesso”. Um contador de histórias que inspirou milhares de trabalhadores de supermercado a alimentar o mundo com bons alimentos. Até as demissões e reestruturações.
No fim, o varejo é matemática, e ignorá-la é perigoso. Margens brutas ponderadas, custos trabalhistas, precificação versus concorrência. “Whole Paycheck” vendia comida excelente a preços absurdos, até que a concorrência e a compressão de margem levaram à reestruturação e centralização. A Amazon garantiu preços mais baixos, mas também burocracia maior e menos inovação. Pelo menos, sem sindicatos. Uma história para as eras.
* Errol Schweizer é colaborador da Forbes EUA, onde escreve sobre alimentos e bebidas. Ele é especialista em merchandising e operações no setor de alimentos, com mais de 25 anos de experiência.