
O Instituto Arapyaú, a Violet, a ONG Tabôa Fortalecimento Comunitário e a MOV Investimentos se uniram para criar fundo de investimentos com um componente inovador de tecnologia para agricultores de cacau de pequenas propriedades no país, batizado de Kawá. O objetivo da proposta, que foi anunciada nesta quinta-feira (20), durante o encontro da Fundação Mundial do Cacau, em São Paulo, é fomentar um ecossistema de agricultura familiar e regenerativa no Brasil.
Com a meta de chegar a R$1 bilhão até 2030, o Kawá pretende beneficiar, na primeira fase, 1.200 agricultores na Bahia e no Pará com cerca de R$ 30 milhões. Esse valor é quase três vezes superior ao financiamento público oferecido pelo Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familia (Pronaf) destinado à cultura do cacau no ano de 2023.
“Com o Kawá, queremos ampliar a escala de impactos econômicos, sociais e ambientais positivos, atraindo investidores de maior porte para destravar modelos produtivos que façam uso sustentável do solo e gerem renda para quem mais precisa e quem conserva a floresta”, afirma Vinicius Ahmar, gerente de bioeconomia do Instituto Arapyaú.
O projeto conta com a parceria da VERT, que será a administradora do fundo, e da Associação Nacional das Indústrias Processadoras de Cacau (AIPC), com a sinalização da compra do cacau dos produtores beneficiados.
A iniciativa inclui também um Enabling Conditions Facility (ECF) para financiamento da assistência técnica coordenado pela Violet, que também contribui com sua plataforma tecnológica proprietária para monitoramento e transparência na gestão do fundo, garantindo uma escalabilidade segura e eficiência operacional.
A técnica ficará a cargo da Fundação Solidaridad, do Consórcio Intermunicipal do Mosaico das Apas do Baixo Sul da Bahia (Ciapra) e da Polímatas Soluções Agrícolas e Ambientais, este último com o custeio realizado pela Suzano, empresas de papel e celulose. A originação de crédito será realizada pela Tabôa, que também fará assistência técnica na Bahia. O Kawá conta ainda com a ReSeed, que será responsável pelos créditos de carbono gerados nas propriedades dos beneficiários.
O Kawá
O fundo —cujo nome resgata a origem do cacau nas civilizações pré-colombianas, quando era chamado de kakawa— é desenhado em um modelo conhecido como blended finance, que mescla recursos concessionais e filantrópicos com capital público e privado. O investimento utilizará uma metodologia de concessão de crédito mais simplificada e acessível, aliada à assistência técnica, desenvolvida e implementada pela Tabôa.
A instituição já concedeu mais de mil créditos, totalizando R$ 16 milhões, com impacto em 2.800 pessoas. Entre 2020 e 2023, o CRA Sustentável impactou diretamente 271 agricultores — sendo um terço deles mulheres —, promovendo aumento de renda (60%) e de produtividade (52%).
A taxa de inadimplência ficou próxima de zero. Ao financiar apenas produtores de cacau de sistemas agroflorestais, em que o fruto é cultivado em consórcio com a floresta, o produto ainda ajudou a conservar mais de 1.100 hectares e a estocar mais carbono.
A cadeia do cacau
De cada 100 produtores de cacau no Brasil, 85 estão à margem do sistema financeiro, com difícil acesso a políticas públicas, e 75 nunca receberam assistência técnica, de acordo com o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa). Ao mesmo tempo, cerca de 80% da produção de cacau no Brasil depende dos agricultores de pequenas propriedades. O resultado dessa combinação é baixa renda e baixa produtividade.
“Nossas experiências de concessão de crédito aliado à assistência técnica rural se mostraram bem sucedidas. Tais condições contribuíram para o aumento da produtividade, além da baixa inadimplência”, destaca Roberto Vilela, diretor-executivo da Tabôa.
A iniciativa também tem como pilar o estímulo à conservação e regeneração das florestas. Isso porque o crédito é destinado exclusivamente aos produtores de pequenas propriedades de cacau em sistemas agroflorestais (SAFs). No Sul da Bahia, a forma de cultivo é conhecida como cabruca, na qual os cacaueiros são plantados no meio da vegetação nativa, à sombra das árvores da Mata Atlântica e cercados por diferentes espécies.
No sistema agroflorestal da cabruca, a capacidade de estoque de carbono é de 66 toneladas por hectare, o que pesquisadores estimam que seja quase o dobro da quantidade encontrada no cacau plantado a pleno sol.
Outra inovação do Kawá é a possibilidade de comércio de créditos de carbono de conservação por parte dos produtores. A venda é operacionalizada pela plataforma ReSeed, que já possui negociação com um investidor para a compra dos primeiros créditos gerados por cerca de 100 agricultores, e entra como parceira responsável por facilitar a comercialização dos próximos créditos.
Como funciona a tomada de crédito e o retorno dos investimentos
O Kawá se insere no mercado como um Fundo de Investimento nas Cadeias Produtivas Agroindustriais (Fiagro). Ao receber o crédito, o produtor tem até 45 dias para realizar o investimento. Após esse período, são 36 meses de prazo para pagá-lo, com na média seis meses de carência.
As taxas de juros são de 12% ao ano. A aplicação dos recursos ocorre, principalmente, no custeio da adubação, irrigação, mão de obra, compra de equipamento e adensamento com mudas.
Na metodologia usada para conceder os créditos, utiliza-se o mecanismo de garantias solidárias no qual são formados grupos de três a 10 pessoas que, em caso de inadimplência de um dos membros, os demais cobrem em conjunto a parte faltante. Essa forma de garantia, aliada à assistência técnica, ajuda a explicar o índice irrisório de inadimplência nas duas operações do CRA Sustentável.