
O Brunello di Montalcino só se tornou conhecido fora da Toscana, na Itália, na década de 1970. Ele passou a ser visto como um dos grandes vinhos de longa guarda da região, numa época em que havia apenas um punhado de produtores, incluindo as vinícolas Biondi-Santi, Fattoria dei Barbi e Col d’Orcia.
Quando a bebida começou a ser reconhecida pela mídia especializada em vinhos, uma multidão de empresários italianos e estrangeiros se instalou na região de Montalcino. Não por acaso, hoje o local conta com mais de 200 produtores.
Com eles, surgiu uma urgência em mudar um vinho que, por um século, exigia um longo envelhecimento para atingir sua plena maturidade. Atualmente, muitos Brunellos são mais leves e prontos para o consumo imediato.
A Col d’Orcia, fundada em 1890, é uma das produtoras do Brunello di Montalcino na região. Em 2010, a vinícola se tornou a maior fazenda orgânica de toda a Toscana.
Os proprietários originais venderam as terras para a família Cinzano, do Piemonte, liderada pelo conde Alberto Marone Cinzano, conhecido por seu negócio de destilados, que mais tarde foi vendido para o Gruppo Campari.
Em 1992, Francesco, filho de Marone Cinzano, assumiu o comando e expandiu os antigos 70 hectares de vinhedo para os atuais 140 hectares. Hoje, suas adegas armazenam 50 mil garrafas de safras antigas. Em entrevista à Forbes, Santiago Cinzano, herdeiro de Francesco, fala sobre a trajetória e os desafios da vinícola.
O sr. é a décima geração de sua família na Col d’Orcia. A sua família viu o número de produtores de Brunello crescer de um pequeno grupo, que incluía Biondi-Santi, Barbi-Colombini e sua vinícola, para mais de 200. Como isso aconteceu e quantos adquiriram vinhedos sem conhecimento das tradições de longevidade do Brunello?
Acreditamos que sejam cerca de 10 gerações, talvez um pouco mais. Mas é difícil ter certeza, porque a árvore genealógica se torna um pouco obscura por volta da década de 1720. Dito isso, estamos operando em Montalcino apenas desde 1973, ou seja, há três gerações.
Minha primeira experiência real vivendo e respirando Montalcino foi em 2018, após meus estudos e trabalhos no exterior. Passei a maior parte da infância no Chile e no Reino Unido, então meu conhecimento sobre as aquisições históricas e os players internacionais em Montalcino eram relativamente limitados.
Sei que nos anos 1970 Montalcino era um dos municípios mais pobres da Itália, e o Brunello era praticamente desconhecido. A rede comercial da Col d’Orcia (na época já pertencente à família Cinzano), junto com a da Banfi, outra vinícola antiga da Toscana, foi fundamental para ajudar o Brunello a alcançar o reconhecimento internacional que tem hoje.
Gosto de pensar que a maioria dos investidores em Montalcino sempre tiveram um bom entendimento do potencial de longevidade do Sangiovese local, independentemente do estilo.
Como o estilo — ou os vários estilos — do Brunello mudaram nos últimos 20 anos?
No final dos anos 1990, houve uma tendência ao uso de barricas menores de carvalho, resultando em vinhos mais concentrados, encorpados e intensos. Os vinhos da minha família sempre foram mais leves e frescos, sem seguir essa tendência dos anos 1990.
Nos últimos 20 anos, essa tendência foi revertida, porque os consumidores passaram a preferir um perfil mais leve e elegante para o Sangiovese, a uva tinta mais emblemática da Itália. Com isso, o uso do carvalho tradicional, grande e neutro, voltou a ganhar força.
Nos beneficiamos dessa mudança porque os consumidores reconhecem que a Col d’Orcia permaneceu fiel ao estilo original do Brunello, que hoje voltou a ser um dos favoritos. É um movimento semelhante ao que ocorreu na França, onde os consumidores passaram a beber mais vinhos da Borgonha do que de Bordeaux, revertendo uma tendência histórica.
Quanto das mudanças no Brunello e na uva Sangiovese se deve às mudanças climáticas?
As tendências estilísticas dos últimos 20 anos em Montalcino — a transição dos Brunellos mais encorpados e concentrados para os mais leves e frescos — foram muito mais impulsionadas pela preferência dos consumidores do que pelas mudanças climáticas.
Hoje, fala-se sobre períodos mais curtos de envelhecimento em carvalho, mas essa ainda é uma tendência muito recente, mais ligada às mudanças climáticas, já que as uvas tendem a amadurecer mais e apresentar maior concentração em safras mais quentes, o que reduz a necessidade de envelhecimento em carvalho.
Todos os vinhos são feitos apenas com uvas de seus próprios vinhedos? Qual o tamanho da propriedade? Quantas garrafas são produzidas?
Sim, os vinhos da Col d’Orcia são totalmente produzidos com uvas cultivadas na propriedade, e apenas os melhores frutos são levados para nossa adega. A propriedade tem 520 hectares, sendo 150 hectares de vinhedos plantados. Desses, 110 hectares são de Sangiovese e 74 hectares são certificados para Brunello. A produção total da Col d’Orcia é de 850 mil garrafas.
O sr. acredita que um Brunello deve ser consumido assim que é lançado?
Acredito que os produtores de Brunello di Montalcino, como todos os produtores, têm a responsabilidade de lançar um vinho apenas quando ele está acessível e agradável para o consumo. Dito isso, também acredito que um Brunello di Montalcino deve ter capacidade de envelhecer por mais de uma década para ser considerado um verdadeiro Brunello.
Em resumo, nós, produtores de Brunello, devemos encontrar o equilíbrio certo: criar um vinho que já esteja em um bom estágio de maturação ao ser lançado, mas que também possa ser guardado para uma ocasião especial.
O sr. mencionou que busca a máxima qualidade em um momento de mudanças climáticas e que não depende de um único cru ou vinhedo, porque a confiabilidade está diminuindo. Como evitar isso sem comprometer o compromisso da Col d’Orcia com um sabor tradicional?
O projeto Lot.1 não faz parte da Col d’Orcia. O Lot.1 é produzido pela Conti Marone Cinzano, uma nova marca e propriedade criada para desenvolver vinhos mais contemporâneos, com o conceito inovador de “seleção itinerante de cru”, ou seja, buscar a cada safra a melhor uva do ano em todos os vinhedos da família (sejam da Col d’Orcia ou da CMC). O clima cada vez mais variável e extremo amplia as diferenças de qualidade entre os diferentes lotes a cada ano.
Os preços do Brunello são elevados, mas o sr. afirma que sua “irmã menor”, a Rosso di Montalcino, que é mais acessível, pode estar entre os melhores vinhos da Toscana. Quais são as diferenças?
A principal diferença entre Brunello di Montalcino e Rosso di Montalcino está no processo de envelhecimento. O Brunello deve passar pelo menos 24 meses em carvalho e só pode ser lançado no quinto ano após a colheita.
O Rosso di Montalcino não tem exigência mínima de envelhecimento em carvalho e pode ser lançado apenas 10 meses após a colheita. Além disso, o Brunello é uma Denominazione di Origine Controllata e Garantita (DOCG), a mais alta classificação para vinhos na Itália, enquanto o Rosso di Montalcino é uma DOC, com regras menos rígidas.
Conte-me mais sobre o Lote 1.
O Lote 1 é um Brunello di Montalcino de lote único que produzimos a cada safra com uma pequena seleção das melhores frutas do ano. A ideia foi solidificada quando entrei para o negócio em 2018, e iniciamos um processo de “microparcelamento” de todos os nossos vinhedos. Com o professor Donato Lanati, percebemos logo que a confiabilidade (ou replicabilidade) de nossos vinhedos únicos não era o das décadas de 1980 e 1990 (anos em que a maioria dos “vinhedos únicos” que produzem alguns dos Brunellos mais famosos foram identificados).
O fato é que um clima imprevisível com condições extremas faz com que a característica da fruta de um lote específico varie muito mais do que costumava variar. Para o Lote 1, eu tinha em mente um perfil de vinho muito específico que queria produzir: um Brunello vertical, brilhante, suculento e fresco, com uma alta concentração de compostos aromáticos que tornariam as notas de frutas vermelhas protagonistas, e uma alta polimerização de taninos (macio e redondo no paladar).
Para maximizar as chances de obter o melhor resultado, vi que era necessário não depender de uma única parcela, mas de buscar ativamente esses parâmetros por meio da amostragem de uvas de todas as nossas parcelas de melhor desempenho e chegar à época da colheita com uma parcela identificada.
A parcela pode ser a mesma em duas safras com condições climáticas semelhantes. Digo que o conceito só foi “solidificado” em 2018, porque meu desejo de produzir um vinho “com a melhor parcela do ano” estava presente em minha mente desde que eu era jovem e descobri o que era um vinhedo único e quais vantagens e desvantagens isso tem.
Não acredito que esse método/abordagem seja necessariamente melhor do que usar o mesmo vinhedo único, isso realmente depende do que um produtor de vinho deseja alcançar: para meu objetivo de produzir um Brunello que tenha parâmetros muito específicos e seja reconhecível em cada safra, essa é certamente a abordagem vencedora.
A criação de uma marca e propriedade diferente (que hoje ainda tem vinhedos muito jovens e está vendendo suas próprias uvas para Col d’Orcia) nasceu do meu desejo de usar o nome da família e homenagear meu pai, que lamentavelmente perdeu o controle do nome da família Cinzano na década de 1990.
O sr. passa até 150 dias viajando. Quanto tempo consegue dedicar à vinícola e à produção dos vinhos?
Passo mais da metade do ano em Montalcino, atualmente morando em Sant’Angelo Scalo, a poucos passos dos nossos vinhedos. Especialmente fico nos três meses consecutivos mais importantes: os dois meses que antecedem a colheita, que são essenciais para a seleção do Lot.1, e o mês da colheita. Diria que passo 40% do tempo viajando e 60% na vinícola.
Mais alguém da sua família está envolvido no negócio atualmente?
Meu pai também está envolvido na Conti Marone Cinzano e, naturalmente, na Col d’Orcia.
* John Mariani é colaborador da Forbes EUA, onde escreve sobre hotéis, comidas e vinhos.