
A startup gaúcha InstaBov, sediada em Santa Maria (RS), prepara uma nova rodada de captação de investimentos, prevista para o meio de 2025. O objetivo é claro: ampliar a produção e a comercialização de seus dispositivos de monitoramento de gado, um colar inteligente e, agora, um brinco eletrônico de baixo custo, e acelerar sua presença em confinamentos e propriedades de pastejo intensivo de bovinos no Brasil e no Uruguai. A rodada deve ultrapassar os R$ 3 milhões aportados em 2021 pela centenária Belgo, uma tradicional fornecedora de arames e soluções para cercas, quando a companhia decidiu apostar nessa inovação aberta.
A ideia inicial de criar um colar para monitorar o gado partiu de Fernando Moraes, que juntou mais três amigos de infância, todos com formação em engenharia e vínculos com o campo, para solucionar um problema real da fazenda de sua família: o furto de gado. Em 2014, após perder animais da propriedade da família em Santiago (RS), Moraes decidiu que poderia colocar seus conhecimentos de engenheiro para criar algo que impedisse aqueles roubos. Surgiu daí uma primeira versão rudimentar da solução.
“Fiz um vídeo amador mostrando a ideia de uma cerca virtual que alertaria o produtor, caso o animal saísse da área delimitada”, conta Moraes. O vídeo circulou organicamente entre produtores rurais, professores e técnicos até chegar a um gerente da Belgo, que enxergou um potencial na ideia e entrou em contato com o fundador em 2020. Até aí, Moraes conta que foram investidos R$ 600 mil do próprio bolso e de amigos nos primeiros anos, e foi com o aporte da Belgo que veio a estruturação do time e o desenvolvimento dos primeiros produtos. Agora, com a nova rodada, a startup mira a expansão em escala. “Desenvolver tecnologia no Brasil é muito caro. Queremos acelerar e ampliar nossa atuação com essa captação.”
O conceito do início de seu negócio evoluiu para um sistema de rastreamento por colares com GPS e sensores de movimento, conectado a um aplicativo com inteligência artificial (IA) embarcada. Comercializado desde o início de 2023, o colar já foi adotado em propriedades de oito estados, além do Uruguai. “Já colocamos mais de 4 mil colares em operação”, afirma Moraes.
No entanto, ele reconhece que o preço do dispositivo, de R$ 499 por unidade, limita a adoção em larga escala, especialmente por pequenos e médios pecuaristas. O custo somente se justifica em casos de animais de alto valor genético ou histórico de roubo recorrente. “Todo cliente que instalou o colar por causa de furto nunca mais foi roubado”, afirma Moraes. Por isso era preciso ir além.
Com a experiência acumulada, a InstaBov decidiu ampliar o portfólio, agora com um brinco inteligente de custo unitário na casa de R$ 45 e mensalidade de R$ 0,99, desenhado para permitir o monitoramento mais acessível e massivo dos rebanhos. “Estamos subsidiando parte do custo no lançamento. A ideia é escalar rápido”, diz ele. A reposição dos brincos em caso de queda ou defeito está incluída no contrato, sem custo adicional para o produtor. “Nosso desafio não é mais provar que funciona. É fazer isso chegar a milhares de produtores de forma rápida e sustentável.”
Bruno Nolasco, gerente de negócios Agro da Belgo, diz que o investimento da companhia desde o início foi ancorado no desenvolvimento de novas soluções com foco em escala. “A cerca já representa segurança, e o que enxergamos na startup foi a possibilidade de ampliar essa proteção com inteligência digital”, diz ele. “A diferença é que agora temos um produto com muito mais potencial de escalabilidade, porque ele é voltado ao rebanho comercial, o que abre um mercado massivo.”
O brinco coleta dados de movimentação dos animais e os transmite para antenas instaladas em pontos estratégicos da fazenda, como currais, bebedouros e cochos. Essas antenas têm alcance de até oito hectares e funcionam com ou sem conexão em tempo real, porque os dados podem ser carregados posteriormente em áreas com sinal, inclusive com uso de amplificadores 3G.
Com base nas informações captadas, o sistema da InstaBov entrega três camadas de inteligência. A primeira está embutida em um algoritmo comportamental. Ele analisa a atividade dos animais e detecta anomalias como doenças, partos ou mortes. Um exemplo: se um boi que normalmente dá 7 mil passos por dia passa a dar 500 passos, o sistema gera um alerta automático.
A segunda camada é a da IA generativa, que permite ações automáticas baseadas em comandos, como gerar listas de animais por peso, idade ou movimentação. E terceira se refere à IA conversacional, na qual o produtor pode interagir por voz com o sistema, pedindo, por exemplo, uma contagem de animais ou um relatório enviado por e-mail. “Trouxemos a inteligência artificial do mundo urbano para o campo”, diz Moraes. “Hoje é possível contar 200 animais em 40 segundos com alta precisão.”
Para Nolasco, quando a Belgo decidiu pela parceria com Moraes e sua turma, o foco principal era transformar uma estrutura física estática — a cerca — em um ecossistema de dados que gera eficiência operacional ao produtor no manejo do gado. “Porque o produtor ainda anota muita coisa no papel. O uso da IA na pecuária para o monitoramento do gado vai permitir uma gestão mais digital, com ações baseadas em dados em tempo real”, diz o executivo. Ele destaca, por exemplo, a camada conversacional integrada ao aplicativo da InstaBov, que permite ao produtor interagir por voz com a ferramenta. “O Brasil é o país que mais envia áudios no WhatsApp, e o produtor está inserido nessa cultura.”
A Belgo vê valor agregado também no impacto prático da tecnologia no manejo diário do gado. “Hoje, contar animais em grandes propriedades é um trabalho penoso, sujeito a erros e dependente de várias pessoas. Com o brinco, o produtor sabe exatamente quantos animais tem, se algum sumiu, qual foi e quando desapareceu do radar do sistema”, afirma Nolasco. “Muita gente ainda acha que cerca é coisa rudimentar, mas há muita engenharia por trás dos nossos produtos.”
Para Moraes, essa é a principal dor mapeada hoje pela InstaBov, e não mais o roubo de gado – embora seja algo grave no campo – justamente pela falta de controle de estoque animal na pecuária de escala. Segundo Moraes, muitos acreditam ter mil cabeças, mas só descobrem que estão com 980 no momento da venda. O brinco resolve isso em tempo real, com uma estrutura mais barata e escalável que o colar, tornando-se atrativo para confinamentos e pastagens intensivas. “Temos 5 mil produtores interessados na solução. Nossa meta é ultrapassar 20 mil brincos no mercado em 2025”, afirma Moraes.
Outro uso em expansão é o dos animais como garantia real para crédito rural. A InstaBov está fechando um contrato com um fundo de investimentos de Minas Gerais – que Moraes por ora não pode dizer quem é, por conta das negociações – para viabilizar linhas de capital de giro com base na comprovação de que os animais estão vivos, saudáveis e localizados. “Um banco, por exemplo, passa a ter segurança em tempo real sobre o rebanho, o que abre espaço para crédito mais barato e maior limite”, diz.
Moraes não revela ainda o valuation estimado para a nova rodada, mas acredita que será superior ao da entrada da Belgo. Os recursos devem ser usados para acelerar o time comercial, expandir a produção dos brincos e investir em marketing voltado ao agronegócio digital.