
As feiras agropecuárias de todo início de ano funcionam como um termômetro da disposição dos produtores em investimentos na compra de máquinas e equipamentos. É o momento de mostrar tecnologias e de amarrar negociações que continuam após essas feiras. Entre elas estão, por exemplo, eventos do porte da Show Rural Coopavel, realizada em fevereiro em Cascavel (PR), com movimento financeiro de R$ 7,05 bilhões, ou a TecnoShow Comigo, em Rio Verde (GO), no início de abril, com negócios da ordem de R$ 10 bilhões.
Mas o evento mais aguardado para sentir esse termômetro de quentura dos negócios é a Agrishow, em Ribeirão Preto (SP), que terminou na sexta-feira (2), com estimativa de negociações da ordem de R$ 14,6 bilhões. Em comum entre elas, embora haja negócios fechados, é que a realização de boa parte das tratativas iniciadas nessas feiras são concretizadas a partir do lançamento do Plano Safra, que todos anos é anunciado entre o final de maio e início de junho, com as concessões de crédito para custeio e investimentos a partir de 1 de julho.
Porém, neste ano, um movimento tem ganhado corpo nas negociações porque há muita dúvida entre os produtores sobre as reais taxas de juros que vêm por aí. Na Agrishow o que mais se discutiu nas mesas de negociações das empresas de máquinas e implementos agrícolas foram as possibilidades além do Plano Safra. “A expectativa, antigamente, era muito baseada no Plano Safra. Este ano a gente sabe que ele está para vir, mas não sabemos como será, especialmente considerando a Selic no patamar atual”, afirmou Denny Perez, diretor comercial da Case IH, marca da CNH Industrial.
Para ele, a expectativa é por um programa com recursos disponíveis e taxas menos agressivas. “Hoje o mercado está líquido com taxas de 15%. O CDC chega a 18% ou 19%. Isso dificulta.” Segundo Perez, os negócios realizados na Agrishow refletiram um cenário de maior cautela, diante das incertezas em relação ao próximo Plano Safra e ao custo elevado do financiamento.
Não por acaso, houve muita curiosidade sobre ferramentas de crédito no mercado. “Vimos para o consórcio um crescimento em relação ao ano passado”, diz o executivo. Outro mecanismo que ganhou tração é o financiamento com base em dólar via TFBD (Taxa Fixa BNDES em Dólar, atrelada à moeda americana). “Hoje conseguimos captar com uma taxa mais competitiva do que a do CDC”, diz ele.
Segundo Perez, a familiaridade crescente dos produtores com operações dolarizadas também contribui para essa mudança. “Hoje o produtor já faz hedge e projeta sua receita futura com base no dólar. O produtor está mais habituado a negociar em dólar e isso permite prever o investimento de forma mais precisa, algo que há poucos anos era incomum.”
A diversificação nas fontes de crédito também alterou a dinâmica nas revendas. “O cliente está menos dependente de uma única linha de financiamento e mais focado em previsibilidade de custos. Isso exige das concessionárias uma oferta integrada de produto e serviço”, afirmou. É uma mudança de mentalidade, motivada menos por um movimento estrutural – como é o uso do dólar pelo agro da Argentina – e mais pela necessidade de se proteger da alta dos juros em moeda local. “É uma questão de segurança para os agentes financeiros.”
Fernando Capra, CEO da Baldan Implementos Agrícolas, uma empresa centenária no mercado, diz que vê um cenário de crédito apertado, mas com produtores mais pragmáticos e abertos a alternativas e a diversificação de instrumentos financeiros é a principal resposta do setor à limitação imposta pelos juros elevados. “A taxa de juros está em um nível proibitivo. A Selic a 13,75% ou 15% ao ano compromete a atratividade de qualquer linha de crédito tradicional. Isso impede que parte dos produtores consiga fazer os investimentos necessários”, afirma Capra.
Segundo ele, o impacto é direto na dinâmica de uma feira do porte da Agrishow. “O Plano Safra perdeu o protagonismo. O produtor já não espera mais por ele para fechar negócio. A percepção é clara: este não será o ano de esperar subsídios.” Para lidar com esse cenário, a Baldan estruturou um conjunto de opções de crédito e financiamento. Além do consórcio e do dólar, a empresa vem apostando no leasing de longo prazo e nas operações de barter, um modelo mais comum em insumos que agora está adaptado aos implementos agrícolas. “O consórcio cresceu entre 20% e 25% na demanda. O financiamento em dólar vem ganhando espaço entre produtores mais ligados ao mercado internacional, que já operam com receita cotada em moeda estrangeira e conseguem prever melhor seus investimentos”, diz Capra.
A empresa também passou a oferecer a linha de crédito Agromáquinas, recém-lançada pela Desenvolve SP, agência de fomento do estado de São Paulo. “Fomos a primeira empresa homologada nessa linha. É uma alternativa com custos mais palatáveis, voltada ao produtor paulista, e reflete um movimento mais amplo: estados assumindo o papel de financiar a produção agrícola em seus territórios”, explica Capra. Essa descentralização do crédito, segundo ele, tem ganhado força à medida que o Plano Safra encontra dificuldade em equalizar taxas diante dos juros altos. “Há uma limitação estrutural para o governo federal ampliar as linhas com custo acessível. Isso forçou o produtor a ser mais objetivo e decidir com base nas condições reais de mercado.”
Leandro Bueno, engenheiro agrônomo e gerente geral de planejamento de produto, estratégia e marketing da Sumitomo do Brasil, multinacional japonesa de máquinas, a percepção é clara sobre o que o produtor está procurando. “Ouvimos muitos produtores dizendo que não iriam aguardar as condições do Plano Safra. Mesmo com a expectativa de liberação de recursos, o que pesa é a taxa de juros. Boa parte já veio para a feira com decisão tomada e focada em negócios concretos”, afirma Bueno. Por isso a aposta da companhia em seu banco próprio para financiar as vendas com taxas promocionais, incluindo condições a juro zero em determinadas linhas. “Oferecemos taxas mais competitivas diretamente ao cliente por meio do nosso banco. Em alguns casos, conseguimos trabalhar com taxa zero, especialmente em equipamentos voltados ao agro, como cavadeiras e tratores compactos”, diz Bueno.
Segundo o executivo, o crédito continua sendo um fator de decisão, mas o perfil do cliente mudou. “Nesse cenário, ele está mais qualificado e decidido na busca por uma melhor condição. Na Agrishow, não estava um comprador especulativo esperando liberação de recursos”, diz ele. “Há incertezas sobre as taxas do novo Plano Safra, e muitos já perceberam que os custos podem continuar elevados. Isso levou a uma postura mais objetiva na feira.”
Bueno reconhece que o mercado ainda está em fase de recuperação e que o setor não deve retornar aos patamares de pico de 2021 antes de 2026. Ainda assim, ele vê tendência de retomada progressiva. “A indústria teve um ciclo recorde. Depois da desaceleração, agora há uma melhora consistente. A retomada é lenta, mas real.”
Capra, da Baldan, também diz que o agronegócio brasileiro tende a entrar em trajetória de recuperação nos próximos anos. “2025 ainda será de ajuste, mas 2026 e 2027 devem consolidar a retomada. O mundo está reorganizando fluxos de comércio, e o Brasil tem aproveitado bem esse movimento. O desafio de curto prazo é o custo do capital, mas o setor tem fundamentos sólidos para crescer.”