Desde os primórdios de sua trajetória como empreendedor, Nana Baffour sempre acreditou em tecnologia e diversidade como instrumentos para mudar o mundo. O empresário ganês agora reforça sua tese para expandir a Qintess, empresa de tecnologia com sede em São Paulo da qual é CEO e chief culture officer e que hoje emprega mais de 3.200 pessoas empenhadas em serviços de transformação digital.
Depois de anos de experiência no mercado financeiro, Baffour começou seus próprios negócios no início dos anos 2000, após a bolha da internet, com foco nos segmentos de data center, serviços de TI e infraestrutura com operações na Europa, América Latina e Estados Unidos, à medida em que emergiram grandes players do setor, como a Google. Em 2011, vendeu todos os negócios sob seu controle no mercado norte-americano e buscou um país que pudesse servir como base global para acomodar sua visão de futuro.
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“Desde que comecei no setor, acreditava que tecnologia mudaria o mundo, mas não sabia que chegaríamos nas proporções que vemos agora. Por outro lado, eu sabia o suficiente para pensar que empresas precisariam usar tecnologia para se reinventar: busquei então um país com uma população grande e diversa, que fosse um grande mercado consumidor de tecnologia, com uma mentalidade de negócios parecida com a dos Estados Unidos e Europa – e o Brasil atendia a todos estes critérios”, disse Baffour, em entrevista à Forbes.
O que Baffour não antecipava, no entanto, era a complexidade fiscal e trabalhista do Brasil, além da dificuldade em fazer negócios por aqui sem falar o português, uma barreira que logo foi superada. Além disso, pouco depois que o empreendedor decidiu basear seu negócio no Brasil, o país mergulhou em uma crise socioeconômica, mas nem todos estes entraves foram suficientes para desviá-lo de seu objetivo.
“O principal desafio que eu tinha na época era que, ao mesmo tempo em que a minha tese estava correta, o uso de serviços de tecnologia no Brasil estava um pouco atrás do que se via nos Estados Unidos. Porém, em um período de dois anos, a trajetória mudou e a adoção de serviços começou a se intensificar muito rapidamente, tornando a oportunidade real”, conta.
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Ao longo de quase uma década depois de ter feito essa grande aposta, Baffour adquiriu mais três empresas de tecnologia: o Grupo Cimcorp, a Getronics e a Resource, que deram origem ao que hoje é a Qintess. O objetivo de Baffour é ajudar clientes a criar o que define como “capitalismo sustentável”: “Só existe uma forma de [alcançar esta visão], e é através de tecnologia. Mas a condição para o sucesso destas iniciativas é a transformação cultural”, ressalta.
A empresa está fazendo isso de duas formas: a primeira é um investimento de R$ 10 milhões em startups desenvolvidas por pessoas da periferia, com parceiros como a aceleradora baiana Vale do Dendê. Empresas como a healthtech AfroSaúde e o serviço de delivery Traz Favela, bem como a plataforma de identidade corporativa Datta e a startup de geolocalização indoor Novidá estão entre as selecionadas para a primeira fase. A empresa também está investindo na formação de mais de 2.000 desenvolvedores de software e cientistas de dados no Brasil, em especial mulheres negras.
“Nosso objetivo é atrair pessoas que normalmente não estariam no setor de tecnologia, e apoiar pessoas que nem pensam em si mesmas como fundadores de startups. É assim que entendemos que vamos conseguir ajudar nossos clientes a se transformarem digitalmente, e rápido”, aponta Baffour, que no momento espera recrutar cerca de 400 pessoas para servir as operações da empresa no Brasil, Chile, Colômbia, Estados Unidos e Europa, a maioria delas para posições em desenvolvimento de software.
SALTO EVOLUTIVO
Com a pandemia da Covid-19, Baffour diz que o atual salto evolutivo de empresas e de tomadores de decisão no Brasil é ainda mais evidente do que o movimento que observou quando chegou no país. Ele também acredita que o gap tecnológico das corporações brasileiras é menor do que no passado – cerca de dois a três anos em relação a mercados mais desenvolvidos, puxado pelas demandas do mercado consumidor. A Qintess vai responder a duas tendências derivadas dessa modernização: a aceleração em termos de uso de dados para a tomada de decisões e a transformação de sistemas que empresas têm mantido há décadas em plataformas digitais.
Apesar da evolução, um grande revés do mercado de tecnologia brasileiro observado por Baffour é a escassez de talentos, que tem forçado empresas brasileiras a buscarem profissionais fora do Brasil. Além de recrutar em locais como Salvador e Fortaleza, a Qintess começou a investigar mercados africanos em que o idioma é o português, para encontrar profissionais. “A falta de talentos no Brasil está forçando empresas a achar formas de cumprir seus objetivos estratégicos sem depender da disponibilidade de talento local. Nós estamos olhando para lugares que estão fora do radar da maioria, e treinando”, ressalta.
As rotas não-convencionais de identificação e geração de talentos são parte de uma estratégia cujo objetivo é garantir a inovação que Baffour considera imprescindível para atender seu portfólio de clientes, que inclui empresas como Itaú, BRF, Santander e Caterpillar. Economista de formação e apaixonado por história, o empreendedor fala sobre a trajetória de economias desenvolvidas para ressaltar a importância da diversidade.
“O país mais dinâmico do mundo é os Estados Unidos, que conseguiu manter a liderança em tecnologia, cultura, comida e vários outros segmentos por conta da diversidade de pessoas, de pensamento. Isso é provavelmente mais real em tecnologia do que em qualquer outro setor: no Vale do Silício, quase metade das empresas são lideradas por imigrantes ou filhos de imigrantes e essa diversidade é a razão pela qual o país lidera o setor globalmente”, diz.
Tendo deixado Gana há duas décadas para se basear nos Estados Unidos – país do qual hoje é cidadão e onde passa mais tempo quando não está no Brasil – Baffour diz que o conceito do “outro”, relacionado à sua própria condição de imigrante permeia a filosofia que aplica aos negócios. “Quando você é um outsider, sempre traz uma perspectiva diferente, principalmente quando o assunto é inovação. Os centros de excelência no mundo em que há essa mistura de ideias e experiências de vida ilustram isso”, ressalta.
A VANTAGEM DA DIVERSIDADE
Além de consequências para o resultado das empresas, Baffour acredita que a incapacidade de aceitar o “outro” – termo que, na psicologia, é utilizado para pensar nas formas em que um grupo marginaliza ou exclui outro – terá efeitos muito mais amplos e danosos: “Não tenho dúvidas de que a inabilidade de avançar nesta agenda será a destruição da nossa sociedade como a conhecemos”, adverte, citando um estudo recente do Citibank, que calcula que o racismo custou US$ 20 trilhões para a economia dos Estados Unidos nas últimas duas décadas. Segundo o empreendedor, o custo que o problema apresenta para economias como o Brasil também é enorme, mas existem formas de caminhar rumo à uma resolução.
“Se conseguirmos achar uma forma de incluir as pessoas, principalmente nas periferias, isso terá um impacto enorme em termos econômicos. A tecnologia está dando uma oportunidade a todos, e se conseguirmos colocar esse poder nas mãos do ‘outro’, faremos muito progresso”, frisa.
“Sou apaixonado por esta causa, e por isso assumimos a missão enquanto negócio de sermos vocais sobre a importância de trazer o ‘outro’ para o setor, através de capacitação e promoção de startups lideradas por estas pessoas”, aponta Baffour, acrescentando que a Qintess também tem falado com seus clientes sobre a importância de trazer grupos sub-representados para seus times.
Como conselho para empresas que ainda precisam progredir nesse tema, principalmente no setor de tecnologia, o empreendedor propõe um questionamento e reflexão sobre a diversidade de suas equipes: “Nem todos os talentos em tecnologia precisam vir de São Paulo ou Florianópolis. O trabalho remoto normalizado pela pandemia facilita a busca por profissionais em outros lugares”, diz.
“Além disso, os millennials que estão sendo contratados para vagas de tecnologia querem trabalhar remotamente, e também querem que seu empregador tenha políticas de meio ambiente, social e governança [ESG, na sigla em inglês] e um posicionamento em termos de diversidade. Vemos isso em nossos processos de recrutamento”, aponta.
Empresas com intenções de melhorar suas políticas de diversidade também precisam buscar saber como seus parceiros estão tratando esta questão, já que fornecedores frequentemente trabalham junto com seus clientes: “Empresas que querem embarcar nessa jornada precisam saber que é um caminho árduo e que podem precisar de um pastor que sabe como estas coisas funcionam, e que diversidade é um catalisador da inovação”, acrescenta Baffour.
Ao comentar sobre o recente anúncio do programa de trainees da varejista Magazine Luiza, em que as vagas foram reservadas exclusivamente para negros, Baffour acredita que o Brasil ainda tem um longo trabalho a fazer em termos do entendimento da sociedade em relação às oportunidades relacionadas a integrar o “outro”. Por outro lado, diz que trazer estes temas para o mainstream é importante: “Em termos puramente econômicos, acredito que iniciativas como esta estão indo na direção certa”.
O trabalho para garantir a diversidade não é de curto prazo nem simples, diz Baffour. A própria Qintess está fazendo um censo de seus colaboradores para obter um retrato mais preciso da representatividade racial de sua população, e se comprometeu a ter metade dos cargos de liderança ocupados por mulheres em dois anos. Mas assumir este compromisso, segundo o empreendedor, é a única forma que organizações vão encontrar para conseguir crescer.
“Nos próximos dois anos, a maioria das empresas vai entender que se não abraçarem tecnologias digitais, se mantiverem os mesmos tipos de equipes que têm hoje e continuarem buscando talentos nos mesmo lugares, não vão conseguir inovar”, aponta.
Segundo o ganês, esse mix de transformação digital com diversidade também precisa ser autêntico. Sobre esse ponto em particular, Baffour está convencido de que tem uma vantagem óbvia em relação à competição: “Temos a sorte de estar nesse espaço já há um bom tempo. Além disso, sou o único CEO negro de uma grande empresa de tecnologia no Brasil. Esta estatística fala por si.”
Angelica Mari é jornalista especializada em inovação há 18 anos, com uma década de experiência em redações no Reino Unido e Estados Unidos. Colabora em inglês e português para publicações incluindo a FORBES (Estados Unidos e Brasil), BBC e outros.
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