Em 2009, época em que o Orkut era apenas um prenúncio do que seria o mundo com as redes sociais e o e-commerce ainda não havia se popularizado mundialmente, Ana Luiza McLaren e Tie Lima decidiram começar um blog diferente: nele, o casal contava a história de roupas das quais tinham enjoado. A ideia era propor uma reflexão sobre a vida útil das peças, que não precisam necessariamente ser descartadas depois de usadas. Por três anos, eles exploraram seus guarda-roupas e produziram conteúdo, até que o aumento da audiência começou a dar indícios de uma oportunidade de negócio.
Ana e Lima fundaram, então, em 2012, a Enjoei, um marketplace que tinha o objetivo de unir vendedores e compradores de peças usadas. “Nascemos para quebrar a ideia do que é novo. Uma roupa pode ser nova para mim, mas ter uma história com outras pessoas. Tanto faz se ela saiu da fábrica ou do armário de alguém”, explica Andressa de Mello, CXO (chief experience officer) da empresa.
Desde então, a companhia acompanha de camarote o crescimento mundial da moda sustentável e da economia circular, movimento que fez com que o pequeno blog se transformasse em um grande exemplo de sucesso neste mercado. Em 2020, a companhia fez seu IPO e levantou, em oferta primária e secundária de ações, R$ 1,13 bilhão – disso, R$ 618 milhões foram para o caixa da empresa e R$ 515 milhões para o bolso dos acionistas vendedores.
Sem saber, os fundadores da Enjoei tiveram a ideia certa, no momento exato, e hoje aproveitam uma tendência que, ao que tudo indica, é irreversível. Segundo dados do thredUP’s Annual Resale Report, em 2012 os ativos ESG (meio ambiente, social e governança, da sigla em inglês) representavam apenas 11% do mercado financeiro mundial. Para 2025, a meta é alcançar 50%. Com os consumidores comprando ainda mais após a pandemia do novo coronavírus, a aquisição online de produtos de segunda mão deve crescer 69% entre 2019 e o fim deste ano, enquanto o varejo convencional deve encolher 15%.
A empresária Natalia Hohagen, fundadora do Roupartilhar, sentiu na pele a popularização do consumo consciente. Sua empresa, que já arrecadou R$ 215 mil em leilões, foi fundada há apenas um ano. “A pandemia havia começado e eu estava angustiada com a crise. Enquanto falava ao telefone com uma amiga sobre fazer algo de impacto social, tivemos a ideia de criar um grupo no WhatsApp para doar roupas e fazer um leilão”, relembra ela. Com a participação de 50 mulheres que já tinham contato com o mundo da moda, o primeiro evento online durou três dias e arrecadou R$ 30 mil, dinheiro que foi doado para o Hospital São Paulo e para as regiões de Paraisópolis (SP) e Comunidade da Maré (RJ), altamente vulneráveis.
“Esse sucesso foi uma grande surpresa. Vi que deu certo e comecei a fazer leilões quinzenais”, conta Natalia. Mais do que sua própria percepção, grandes marcas também começaram a enxergar o potencial do negócio. “Um investidor-anjo nos abordou e investiu no projeto. Na sequência, a Farm e a NK Store nos procuraram querendo participar dos leilões.” Desde então, a jovem empreendedora já direcionou doações para o Pantanal durante as queimadas e para a crise sanitária de Manaus. “A pandemia nos despertou essa vontade de fazer a diferença, nós precisamos disso.”
IMPACTO AMBIENTAL E SOCIAL
Essa conexão entre impacto ambiental e social é extremamente comum no mundo da economia circular. Luanna Toniolo, fundadora do brechó online TROC, não mede o sucesso da sua empresa pelo faturamento, mas sim pelo impacto de seu trabalho na economia de água. “Uma peça de roupa gasta 2.700 litros de água em sua produção. Quando decidimos comprar uma usada, economizamos esse recurso”, explica, animada pelas últimas conquistas. “Acabamos de bater 500 milhões de litros de água economizados com nosso projeto. O objetivo agora é chegar no primeiro bilhão.”
Para Luanna, que decidiu investir na moda consciente em 2015, quando desistiu de uma promissora carreira no direito tributário, esse resultado precisa ser comemorado. “Eu queria trabalhar com algo que deixasse um legado. E consegui”, diz, com bom humor. Na sua visão, esse impacto positivo não é algo temporário, já que este mercado tende a crescer ainda mais nos próximos anos. “Até 2029, as roupas de segunda mão devem ultrapassar o potencial das fast fashions. É um movimento que já vem acontecendo nos Estados Unidos desde 2009 e que movimenta US$ 30 bilhões no país. No Brasil, esse mesmo mercado vale US$ 7 bilhões”, revela. “Temos peças produzidas para os próximos 200 anos. Já temos muito”, destaca a empreendedora.
Tadeu Almeida, fundador do Repassa, concorda. “A indústria têxtil é responsável por 20% da poluição da água, 5,2% dos resíduos em aterros sanitários e 10% da emissão global de CO2. Tudo isso para que a gente use, em média, sete vezes cada peça que compramos”, ressalta. “Temos que multiplicar o nosso uso médio das roupas.”
Atualmente, a economia circular tem três potenciais: oportunidades de mercado, impacto social e impacto ambiental. Pelo que dizem os dados, é o futuro da moda. “A melhor roupa é aquela que já existe”, sentencia Luanna.
Veja, na galeria abaixo, como cinco empresas de moda circular e consumo consciente funcionam:
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Divulgação Roupartilhar
Para Natalia Hohagen, fundadora do Roupartilhar, o leilão é uma forma de gamificar a experiência de compra, influenciando as pessoas positivamente. “Esse estilo de compra dá um friozinho na barriga”, diz com humor. Mas, para que tudo funcione, a empresa tem uma organização quase militar. “Prezamos por uma curadoria especial para termos peças de procedência, autenticidade e em bom estado. Fazemos todas as fotos, contato com clientes, entregas e criamos um ambiente de desejo ao redor de uma moda de segunda mão”, explica.
Até o momento, a plataforma só aceita doações de peças de pessoas conhecidas. No entanto, o plano é abrir a plataforma para o público geral até o final de agosto. “Já ajudamos mais de 21 instituições. Queremos utilizar a moda como um instrumento de transformação social a partir de uma roupa que já foi pré-amada”, destaca. “Eu aprendi que a moda vai além do belo.”
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Divulgação TROC
“Em 2015, eu fui morar fora com meu marido. Ia fazer um mestrado em direito tributário mas, quando fui aprovada, percebi que não era isso que eu queria”, lembra Luanna, fundadora da TROC. “Deixei o direito e fui estudar marketing em Harvard para aprender sobre skills de mercado. Foi lá, nos EUA, que eu enxerguei o mercado de segunda mão com muita força.” Como sempre gostou de moda, Luanna decidiu voltar ao Brasil para empreender e investir na tendência.
“A indústria da moda é a segunda mais poluente. A conta simplesmente não fecha”, destaca. Ao retornar ao Brasil, Luanna começou a fazer entrevistas na rua perguntando o que as pessoas achavam do assunto. “Nessa época, eu estava grávida de seis meses e tive uma experiência maravilhosa. Até cheguei a tomar café com as pessoas que entrevistava”, lembra. “A partir daquela pesquisa, vimos que as pessoas estavam dispostas a vender peças usadas, então investimos no modelo ‘sell for you’. Nós recebemos as peças, tiramos fotos e vendemos na nossa plataforma. Criamos um modelo prático para vendedores e compradores. Também temos o selo TROC, que quebra o estigma de que roupa de brechó é ruim”, explica.
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Divulgação Enjoei
Pioneira no setor, a Enjoei funciona como um marketplace: pessoas podem se cadastrar na plataforma e começar a vender suas peças. “No começo, recebíamos as imagens por e-mail e fazíamos as descrições. Depois, abrimos o marketplace para que os vendedores mesmos fizessem isso”, conta Andressa de Mello, CXO (Chief Experience Officer) da empresa. Após mais de dez anos, o negócio continua em processo de crescimento. Na pandemia, por exemplo, o número de vendedores e compradores cresceu. De 2019 a 2020, os compradores ativos foram de 394 para 790. “Nessa crise, percebemos que não precisamos de tanto. Tudo que produzimos requer recursos. Fazer essa energia rodar é incrível.”
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Divulgação Repassa
“Começamos com todo tipo de produto usado, não só de moda”, conta Tadeu Almeida sobre o início da plataforma Repassa. “Nós éramos uma simples interface entre compradores e vendedores.” Foi apenas em 2016, um ano depois do lançamento, que a empresa começou a focar exclusivamente na moda. “Foi um teste, e graças a ele percebemos que nossa maior demanda era no setor têxtil, então decidimos focar nossos esforços nessa categoria.”
Foi nessa época que Almeida decidiu padronizar o sistema. A “sacola do bem”, como é chamada e onde é possível colocar até 40 peças de roupa, é enviada para a casa dos vendedores. A partir disso, o Repassa faz a curadoria dos itens doados, higieniza, tira fotos padronizadas e as cadastra no site. “Cerca de 60% do valor da venda vai para o dono da peça e, como apoiamos mais de 25 ONGs, sempre perguntamos se eles têm interesse em direcionar uma parte dessa porcentagem para as instituições”, conta o empreendedor.
“O brasileiro tem essa cultura de doar as coisas”, destaca ele, revelando que essa percepção foi a grande responsável pelo nascimento do Repassa. “Se a pessoa quer doar, por que não fazer isso com o dinheiro que recebe vendendo roupas usadas? Assim é possível alcançar o impacto social desejado e, de bônus, gerar impacto ambiental por ajudar na moda circular”, explica. Pelos resultados da empresa, é possível ser otimista e enxergar uma maior aceitação do público quanto ao assunto. “Tivemos mais tempo para refletir durante a pandemia. Precisamos mesmo consumir tanto?”, questiona. “Crescemos 130% de 2019 para 2020. Acho que isso quer dizer alguma coisa”, conclui.
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Divulgação Cansei, Vendi
O Cansei, Vendi é mais um exemplo de brechó de luxo que aposta na economia circular como modelo de negócio. Leilane Sabatini, que fundou a empresa em 2013, percebeu que esse era um setor com muitas oportunidades quando olhou para o seu closet e percebeu diversas peças que não faziam mais sentido no seu dia a dia. De Louis Vuitton a Missoni, as marcas de luxo não tinham aderência nas opções de e-commerce da época. Foi assim que ela decidiu criar um Instagram para encontrar novos donos para itens que não usava mais. Ao longo do tempo, a página foi ficando cada vez mais conhecida até se transformar em um negócio próprio, de revenda de roupas de outras pessoas também.
Roupartilhar
Para Natalia Hohagen, fundadora do Roupartilhar, o leilão é uma forma de gamificar a experiência de compra, influenciando as pessoas positivamente. “Esse estilo de compra dá um friozinho na barriga”, diz com humor. Mas, para que tudo funcione, a empresa tem uma organização quase militar. “Prezamos por uma curadoria especial para termos peças de procedência, autenticidade e em bom estado. Fazemos todas as fotos, contato com clientes, entregas e criamos um ambiente de desejo ao redor de uma moda de segunda mão”, explica.
Até o momento, a plataforma só aceita doações de peças de pessoas conhecidas. No entanto, o plano é abrir a plataforma para o público geral até o final de agosto. “Já ajudamos mais de 21 instituições. Queremos utilizar a moda como um instrumento de transformação social a partir de uma roupa que já foi pré-amada”, destaca. “Eu aprendi que a moda vai além do belo.”
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