“Me sinto privilegiada por ser lésbica, principalmente na posição que eu tenho hoje”, diz Tatiana Rezende, CFO Global da plataforma de e-commerce Nuvemshop. “Temos uma turma bastante relevante que se identifica como LGBTQIA+ na empresa: cerca de 25% dos nossos funcionários. Então, é super importante ter alguém da comunidade em um papel de liderança”, completa a executiva, que sabe exatamente a importância da sua representatividade.
Embora Tatiana nunca tenha passado por situações de discriminação no ambiente de trabalho, ela reconhece o impacto positivo de se atuar em um ecossistema diverso. “A empresa está alinhada com as questões das minorias, mas é difícil quando você não faz parte de um lugar de fala. Pode não soar autêntico para os funcionários. Então, fazer parte do grupo faz com que as pessoas se sintam acolhidas”, explica ela. “Esse é meu objetivo de vida.”
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Mais do que uma representação LGBTQIA+, Tatiana também reforça um discurso importantíssimo sobre o papel da mulher no mercado de trabalho. Quando começou a trabalhar na Nuvemshop, em abril de 2020, estava grávida de cinco meses. Como deveria ser de praxe em qualquer empresa, ela foi avaliada pela sua capacidade profissional, sem que a gestação influenciasse na sua escolha para o cargo de CFO. “Eu fechei a nossa primeira rodada de investimentos em julho, antes de ter meu filho. Em agosto, ele nasceu e eu parei por alguns meses, até voltar no final do ano já fazendo negociações.”
De certa forma, Tatiana é um poço de inspiração para muita gente – além de reforçar, por sua própria atuação, o quanto a diversidade fortalece equipes. “Desde os primeiros cargos, eu já gostava de contratar estagiários diferentes”, brinca. Agora, como CFO, ela acredita que é exatamente esse sentimento de pertencimento em um time que vai impulsionar o crescimento da empresa nos próximos anos. “Nosso principal desafio hoje é crescer nossa base de clientes enquanto o mercado está aberto e expandir geograficamente. Para isso, contratar mais gente é uma meta essencial. Pode anotar aí: estamos contratando muito”, diz, cheia de bom humor.
No último ano, a Nuvemshop saiu de 180 para 500 funcionários. Tudo para atender ao aumento da demanda provocado pela pandemia do novo coronavírus, que gerou um boom no e-commerce e, consequentemente, nos serviços prestados pela companhia, que passou de 25 mil lojistas na plataforma para mais de 80 mil. “Ajudamos as pessoas a construírem suas lojas virtuais e, durante o isolamento social, grande parte dos lojistas percebeu a importância de melhorar a presença online. Isso deixou o mercado muito aberto para nossos serviços.”
De acordo com o banco de dados da empresa, em 2020 mais de 10 milhões de brasileiros compraram pela primeira vez na internet durante a pandemia e, quem já tinha o costume de fazer compras virtuais, começou a experimentar produtos diferentes. Tatiana chegou à Nuvemshop num momento realmente turbulento, mas, para além da gestão de crise que lhe ocupou os primeiros meses, ela liderou as duas maiores rodadas de investimento da companhia nos últimos dez anos. Em outubro de 2020, a Nuvemshop recebeu um aporte de R$ 170 milhões e, seis meses mais tarde, mais uma rodada de R$ 500 milhões. “Foi um onboarding diferente”, destaca entre risadas.
Em 2021, a empresa estima ultrapassar R$ 7 bilhões em vendas dos lojistas atrelados à sua plataforma na América Latina. Em 2020, este montante foi de R$ 3,5 bilhões, aumento de 280% em relação a 2019. “A barreira da primeira compra já foi quebrada. Agora só precisamos aproveitar o momento para crescer ainda mais.”
“TUDO SEMPRE MELHORA”
Tatiana sempre se enxergou como engenheira, e isso não era segredo para ninguém. Mas comandar um time tão grande em uma empresa internacional, nem ela mesma imaginava. No início de sua trajetória, já formada em engenharia mecânica, a então jovem voou até a Itália para fazer um mestrado em mercado financeiro e estratégias de negócio. Quando voltou ao Brasil, começou sua carreira no Credit Suisse, trabalhando em um fundo focado na compra de centros comerciais. “Foi lá que eu tive meus primeiros contatos com investidores e com questões burocráticas e, embora tenha sido uma experiência positiva, eu sabia que shoppings não eram o futuro do mercado.”
Consciente dos avanços tecnológicos que se aceleravam no exterior em meados de 2015, decidiu que investiria em seu sexto sentido e largaria o cargo no banco suíço para fazer MBA nos Estados Unidos. Durante os cinco anos no país norte-americano, trabalhou na startup de alimentos Safe + Fair, onde atuou, pela primeira vez, como CFO e aprendeu a controlar uma empresa.
Àquela altura, Tatiana já conseguia se encontrar profissionalmente e ver futuro na startup, mas sentia que era hora de voltar ao Brasil: foi quando a Nuvemshop entrou em cena. A empresa, que nasceu na Argentina com foco no mercado brasileiro, estava procurando uma CFO. Foi o match perfeito. “A proposta foi em março e eu pedi para pensar. Naquela semana a pandemia chegou ao Brasil. Não sabia se a proposta estava de pé ainda, foi engraçado”, lembra.
Do início de carreira até o momento atual, Tatiana carrega mais de dez anos de desafios e conquistas, inclusive na vida pessoal. Embora não tenha vivenciado discriminações no trabalho por ser lésbica, seu momento de descoberta não foi um mar de rosas. “Para mim, foi um processo tardio, no final da adolescência. Eu me descobri de forma muito natural, mas minha família não gostou. Foi um processo muito dolorido no início”, conta.
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Na sua opinião, o melhor remédio foi realmente o tempo – embora pareça clichê. “Sempre melhora. Falo muito isso para os mais jovens.” O encontro com a esposa, por exemplo, foi um passo importante para que tudo começasse a melhorar. “Nos conhecemos na internet e descobrimos que trabalhávamos perto, na Avenida Faria Lima, em São Paulo. Nosso primeiro encontro foi em um restaurante de esquina da região, em plena segunda-feira.”
Bem longe de ser enquadrado na categoria de um webnamoro passageiro, o relacionamento cresceu com força e companheirismo. “Em 2012 nós fomos morar juntas, quando nos casamos emocionalmente, já que na época ainda não era permitido casar no papel. Em 2014, finalmente registramos a união em cartório e, em 2015, fomos para os Estados Unidos juntas”, conta. No exterior, tomaram uma decisão marcante para o relacionamento: a de serem mães.
“Eu nunca cogitei não ter filhos”, revela a CFO. “O ponto que mais me incomodava na minha orientação era não poder gerar um filho biológico com a pessoa que eu amava. Mas esse foi um sentimento que passou rápido”, diz. Por meio de inseminação artificial in vitro, Tatiana e sua esposa geraram os bebês. Dois, para que as duas vivessem a experiência gestacional. “Ela engravidou do nosso primeiro filho e eu engravidei do segundo. Não há diferença alguma no amor que sentimos por eles.”
CFO, lésbica e mãe, Tatiana carrega consigo, em todas as situações, o lema que tudo sempre pode – e vai – melhorar, algo que faz questão de passar para os funcionários que ainda sofrem com a descoberta da orientação sexual. “No meu caso, quando a família começou a crescer, foi como uma cura”, destaca. Hoje, ela enxerga o quanto a empatia e a autenticidade foram importantes em seu processo. Embora tenha enfrentado dificuldades em casa, foi no amor e no acolhimento que encontrou o caminho do sucesso. “Essas são as palavras mais importantes da minha vida. Elas me guiaram até aqui e me dão a possibilidade de continuar crescendo.”
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