Propulsor da transformação das práticas de sustentabilidade em ativos tangíveis do ponto de vista financeiro, o mercado de capitais debate agora formas de parametrizar os indicadores e, ao mesmo tempo, torná-los cada vez mais específicos. A B3, Bolsa de Valores brasileira, por exemplo, prepara o lançamento de um índice que reunirá as empresas listadas que integram o ranking das melhores empresas para trabalhar. O projeto está sendo realizado em parceria com a Great Place to Work e acompanhará a performance das empresas que atuam com respeito, imparcialidade e liberdade no ambiente de trabalho e que têm iniciativas para a promoção da diversidade, do bem-estar e do equilíbrio dos funcionários. São compromissos relacionados ao pilar S.
Será o sétimo índice ESG da Bolsa, que já trabalha com o ICO2 (Índice Carbono Eficiente); o ISE (Índice de Sustentabilidade Empresarial); IGC (Índice de Ações com Governança Corporativa Diferenciada); IGCT (Índice de Governança Corporativa Trade); IGC-NM (Índice de Governança Corporativa – Novo Mercado); e o ITAG (Índice de Ações com Tag Along Diferenciado).
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O cenário é efervescente. A cada dia, mais bancos e companhias de gestão de ativos oferecem carteiras ESG – utilizando os índices da B3 ou metodologia própria – e o principal motivo de atração dos investidores, além do bom-mocismo da causa, é que já se consegue provar que empresas com práticas sustentáveis sólidas performam melhor no longo prazo. Pesquisa feita pela BlackRock com 425 investidores de 27 países apontou que as alocações dos entrevistados em ativos sustentáveis devem dobrar nos próximos anos. E analistas acreditam que em dez anos todos os ativos serão avaliados pela régua ESG.
Essa demanda exige que o mercado se organize ainda mais. O mundo ainda está em fase de alinhamento das métricas, medições de práticas e padrões de ESG, que variam muito de um local para outro, inclusive em termos de exigências de padronizações dos reguladores – como a brasileira CVM (Comissão de Valores Mobiliários), a americana SEC e outras –, o que não cabe em um mercado globalizado.
A União Europeia, por exemplo, desenvolveu uma taxonomia (categorização) para definir o que é um investimento sustentável – empresas brasileiras que queiram fazer negócios ou ter acesso ao capital do bloco econômico terão de reportar suas atividades com os critérios técnicos europeus. Com isso, entre outros objetivos, o mercado busca uma forma de bloquear o greenwashing, o chamado banho verde, que é o reporte maquiado de supostas atividades ecoeficientes que não são comprováveis na prática.
“É uma agenda relativamente nova nos países emergentes, incluindo o Brasil, mas observamos que o avanço tem sido rápido, entretanto ainda é preciso focar de forma séria na questão das práticas, o famoso walk the talk”, afirma Marcelo Seraphim, diretor no Brasil da Principles for Responsible Investment (PRI), organização criada com apoio da ONU para elaborar princípios norteadores de investimentos sustentáveis.
O PRI, a CVM, o Banco Interamericano de Desenvolvimento e a Associação Brasileira de Desenvolvimento (ABDE) estão juntos no Laboratório de Inovação em Finanças, um fórum de interação multissetorial que busca criar soluções inovadoras de financiamento para a alavancagem de recursos privados para projetos com adicionalidade social ou ambiental e contribuir para o cumprimento das metas brasileiras associadas aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) das Nações Unidas (a Agenda 2030) e aos compromissos para o enfrentamento dos riscos de mudança climática firmados no Acordo de Paris, em 2015.
Além de ser resiliente, espera-se que as empresas contribuam de fato para um mundo melhor. “Essa pauta fica cada vez mais inegligenciável, e o nível de detalhamento da discussão tende a subir”, avalia Illan Arbetman, analista da Ativa Investimentos. “Estamos no novo mundo, e não existe espaço para as práticas lastimáveis do passado.”
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A ascensão do ESG fez crescer a procura por especialização. Empresas de renome criaram áreas específicas para o tema. É o caso da consultoria EY que, em maio, tornou-se verificadora aprovada pelo Climate Bonds Initiative (CBI) Standards and Certification Scheme e, assim, passa a auxiliar as empresas a obter a certificação emitida pela CBI. “As empresas que tenham a intenção de comunicar ao mercado que os investimentos que fazem possuem o título verde só poderão fazê-lo se tiverem, de fato, um selo que comprove seu compromisso com esse critério”, explica Leonardo Dutra, líder de consultoria na área de Mudanças Climáticas e Sustentabilidade da EY para o Brasil.
Para Gustavo Pimentel, diretor-executivo da Sitawi, certificadora especializada em investimento de impacto, a liderança do setor privado no avanço da temática ESG envolve tanto o setor produtivo como investidores, bancos e provedores de capital. “É uma agenda que tem sua própria dinâmica e que está acontecendo, a despeito da posição do governo federal”, avalia.
Who cares wins
O raciocínio é simples: empresas de qualidade tendem a ter melhores retornos no longo prazo. Assim sendo, o caminho lógico é que o mercado adote critérios ESG para avaliação das empresas em qualquer decisão de investimento. Como consequência, todos os setores terão de se adaptar. “ESG já permeia a decisão de fundos não só de ações como também de crédito. Aqui, no Santander, toda avaliação de crédito tem uma nota ESG”, comenta Raquel Vieira Diniz, do Santander Asset Management. O banco usa metodologia própria de análise e detém o mais antigo fundo sustentável do Brasil, o Ethical, lançado em 2001 pelo então Banco Real.
Naquela época, a discussão sobre sustentabilidade no mercado financeiro estava engatinhando no Brasil. A B3 tinha acabado de lançar, em 2000, o Novo Mercado, segmento que exige das companhias listadas o cumprimento de normas rigorosas de governança corporativa, adicionais às que são requisitadas pela legislação brasileira. “Em pouco tempo, o segmento se tornou referência no mercado. Em 2005, lançamos o Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE B3), o primeiro no Brasil e o quarto da categoria criado no mundo”, relembra Gilson Finkelsztain, CEO da B3, ressaltando que, “como companhia, atuamos de forma consistente em cada um dos pilares ESG e, como bolsa, queremos ser um parceiro importante, que ajude as empresas a percorrerem essa jornada, elevando seus indicadores e trazendo benefícios para consumidores, investidores e para a sociedade como um todo.”
O Brasil acompanhava o debate mundial à época. O relatório “Who Cares Wins”, lançado pelo Pacto Global da ONU no final de 2004, usava pela primeira vez a sigla ESG para se referir aos pilares de desenvolvimento sustentável. Entusiasta da integração dos fatores sociais, ambientais e de governança no mercado de capitais, o então secretário geral da Nações Unidas, Kofi Annan, reuniu lideranças mundiais em torno da ideia e em 2006 surgia o PRI, que hoje reúne mais de 3 mil signatários.
Nos últimos 15 anos, sustentabilidade vem ganhando sofisticação no mercado financeiro. E lideranças como Larry Fink, CEO da BlackRock, têm demonstrado que a causa ambiental, principalmente a economia neutra em carbono, são os principais desafios, mas não os únicos. A pandemia de Covid-19 mostrou diversas vulnerabilidades. Como apontam os protestos contra o racismo e as manifestações pró-democracia, o S deverá ganhar maior evidência em todo o mundo.
Reportagem publicada na edição 87, lançada em maio de 2021.
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