A filantropia corporativa teve uma reputação ruim durante anos. Essas ações eram vistas como uma maneira de comprar apoio de comunidades e de distrair os consumidores sobre aspectos negativos da empresa. De jantares beneficentes a doações gigantes, a palavra filantropia se tornou sinônimo de marketing de propósito. Com isso, as companhias se afastaram da filantropia – até mesmo o Comitê de Estímulo à Filantropia Corporativa retirou a expressão de seu nome em 2019, se transformando no Executivos para o Propósito Corporativo.
Apesar disso, a filantropia corporativa está de volta. As boas notícias? Está obtendo um apoio com maior propósito.
Leia também: ESG é uma estratégia de investimento ou o caminho para um mundo sustentável?
Já vimos, muitas vezes, empresas usarem a filantropia como reação aos levantes ao redor do mundo nos últimos anos – desde a pandemia da Covid-19 até o assassinato de George Floyd e a invasão da Ucrânia pela Rússica. Companhias já firmaram diversos compromissos, criaram iniciativas próprias e fecharam novas parcerias em um ritmo frenético. Segundo a iniciativa pública norte-americana Giving USA, empresas dos EUA doaram US$ 21 bilhões em 2021 – o que representa um aumento de 24% em relação a 2020.
Na consultoria de comunicação e advocacia corporativa APCO Worldwide, estávamos curiosos sobre o quão estratégicas e valiosas essas iniciativas – e as companhias por trás delas – realmente são.
Entrevistamos dúzias de fundadores de empresas e de fundações corporativas para tirar conclusões e entender melhor suas estruturas e incentivos. Nosso objetivo foi determinar como otimizar o uso da filantropia corporativa. O que descobrimos foi: essa é uma forma singular de acelerar a jornada de ESG (Environmental, Social and Governance) das empresas, mas é pouco explorada com essa finalidade.
A filantropia corporativa é o capital de maior risco que uma companhia tem. Ela pode ser separada de decisões cotidianas e das pressões do setor empresarial, além de não precisar atender às expectativas dos acionistas. Isso torna a filantropia não só o capital mais flexível que uma companhia pode explorar para atender a desafios sociais e ambientais, mas também a forma mais pura dessa atuação, impactando onde os negócios não conseguem.
Após meses de conversas e pesquisas, identificamos pelo menos quatro oportunidades de como a filantropia corporativa pode ser usada como uma ferramenta-chave no desenvolvimento do ESG. Desde diversidade, equidade e inclusão à governança e branding, as conclusões a seguir são baseadas no que deu certo, na otimização do que não funcionou e no estabelecimento do que ainda pode ser testado.
1. Construir comunidades de sucesso
A letra “S” da sigla ESG ganhou atenção durante a pandemia de Covid-19. Enquanto trabalhadores da linha de frente garantiram o funcionamento da economia e a continuidade dos serviços essenciais, as desigualdades no mercado de trabalho e nos grupos sociais foram destacadas. As companhias foram rápidas a reagir. Muitas delas, inclusive, usaram da filantropia para lidar com essas importantes questões socioeconômicas, entendendo que comunidades de sucesso são fontes de talentos, consumidores e fornecedores de infraestrutura para elas. “Quando nossas comunidades têm sucesso, nossos negócios também têm”, afirmou Lynette Bell, presidente da Truist Foundation.
Em 2020, essa fundação foi inaugurada com foco no desenvolvimento da saúde em comunidades historicamente excluídas. Reconhecendo o papel fundamental que os pequenos negócios têm na economia e no bem-estar de comunidades, a Truist Foundation – junto da Truist Financial Corporation e do Truist Charitable Fund – prometeu investir US$ 120 milhões para apoiar pequenos negócios, especialmente os que pertenciam a mulheres, latinos e pessoas negras.
Um dos empreendimentos beneficiários, o Nashville Business Incubation Center, vai usar US$ 1,25 milhão dessa doação para expandir seus serviços aos pequenos negócios que estão se recuperando da pandemia e dos estragos de um furacão que destruiu mais de 3o negócios na cidade de Nashville em março de 2020. Esse trabalho dá apoio a um dos grupos de consumidores em crescimento da Truist, sendo uma ferramenta fundamental para dar suporte a economias locais ao redor dos Estados Unidos.
2. Estímulo ao aprendizado e à inovação
Quando as companhias unem a filantropia a outros setores de seus negócios, elas criam uma poderosa combinação de recursos para resolver problemas. “Pensamos em como poderíamos aproveitar o vasto conhecimento de nossos engenheiros e especialistas em construção junto de financiamento para aumentar o acesso de comunidades a infraestrutura”, disse Tam Nguyen, head de impacto na bechtel.org, a organização de impacto social da empresa de construção Bechtel Corporation.
A inovação filantrópica, que vai desde entregas emergenciais de vacinas ao desenvolvimento de infraestrutura em locais remotos, é geralmente pouco explorada em situações complexas. Há muita coisa para aprender neste processo, mas essas lições acabam oferecendo retornos aos negócios, como no estímulo da inovação no âmbito comercial. Nguyen aponta, por exemplo, que a companhia de construção consegue aproveitar os ensinamentos da Bechtel.org para desenvolver seu ESG. Apesar de os fundadores de empresas não serem os melhores para pensar em soluções para além dos seus negócios, eles podem desenvolver trabalhos de pesquisa que outros fundadores e governos podem ampliar.
3. Parcerias filantrópicas podem desenvolver iniciativas de diversidade, equidade e inclusão
Muitas empresas se sentiram obrigadas a reagir ao assassinato de George Floyd e muitas delas fizeram isso se comprometendo a doar a causas de justiça racial. Entretanto, as empresas adotaram promessas imediatistas – seguidas de críticas sobre o real impacto delas – em vez de realizar trabalhos mais desafiadores, como construir um ambiente de trabalho mais inclusivo e diverso. Algumas companhias, no entanto, conseguiram fazer os dois, usando da filantropia para, simultaneamente, investir e aprender com organizações de promoção ao anti-racismo e à equidade.
Leia também: Sua empresa está pronta para um relatório anual integrado?
Greyston, uma organização sem fins lucrativos de Nova York que promove a contratação com transparência, tem uma empresa de talentos que emprega pessoas que encontram barreiras para serem contratadas. Companhias como a The Body Shop têm buscado incorporar as estratégias de contratação e treinamento da Greystone para construir um processo mais inclusivo e equitativo para sua força de trabalho. Se companhias podem adotar práticas por meio dessas parcerias e replicá-las em seus negócios, isso se torna um importante estímulo à diversidade, inclusão e equidade no âmbito interno delas.
4. Aprender sobre mensuração a longo prazo
Enquanto empresas incorporam os princípios de ESG em seus negócios, elas vêm tendo dificuldades em deixar de considerar somente as vantagens imediatas de suas ações para criar propostas de valor a longo prazo para seus acionistas. Isso requer uma abordagem rigorosa de medições de impacto, uma área na qual a maioria das companhias tem pouca experiência. Líderes filantrópicos, por outro lado, têm um longo histórico de planejar teorias de transformação e criar modelos lógicos que orientam atividades programadas de acordo com uma visão a longo prazo do impacto.
Esses profissionais também desenvolvem e continuam a evoluir nas abordagens de monitoramento, avaliação e aprendizado para cobrar dos fundadores corporativos os resultados daqueles objetivos que foram estabelecidos. Resumindo, o mundo dos negócios pode aprender muito do setor filantrópico com o desenvolvimento de ferramentas de medição dos impactos, das frameworks e das iniciativas já postas em prática.
O ESG, apesar de uma recente repercussão negativa, não vai embora tão cedo. Ele se tornou um instrumento fundamental para investidores mensurarem e gerenciarem risco, além de uma vantagem competitiva na guerra por talentos e consumidores. No final, o foco corporativo em ESG alinha ainda mais os negócios com impactos sociais positivos. A filantropia corporativa tem um papel único e importante nessa jornada, servindo como uma oportunidade de mudança, de ações assertivas e de profundo aprendizado.