Em um TEDx recente, Adriana Alves, vice-presidente de diversidade e inclusão do BNP Paribas no Brasil, um dos maiores bancos da Europa, defende a importância da agenda de D&I para os negócios e chama a atenção para o fato de que grandes empresas estão deixando dinheiro na mesa ao ignorar isso. “É uma provocação carinhosa. Eu sempre digo que continuamos dando tiro no pé e rasgando dinheiro ao resistir à diversidade.”
Nos seus mais de 20 anos de carreira, muitos deles no setor financeiro, com passagens por empresas como Cisco e NTT (antes Arkadin) e pelos escritórios de advocacia Machado Meyer e Simpson Thacher, ela observa que os altos executivos nem sempre estão abertos à mudança – e que sua palavra gera um incômodo nesse ambiente. “E vai incomodar mesmo porque a gente está mudando o status quo, mas eu trago boas novas porque todo mundo ganha com isso.”
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A executiva vinda da Zona Leste, na periferia de São Paulo, esteve em Nova York esta semana para participar de uma mesa redonda sobre gênero no Pacto Global da ONU. Alves circula entre C-Levels e sócios de grandes empresas ao mesmo tempo em que é uma ativista de causas sociais, e une essas duas atuações no seu cargo hoje – mas com estratégia. “Não dá para eu ser a Adriana que está lá fora no ativismo dentro do mundo corporativo. Eu preciso traduzir esses dois universos.”
Também cofundadora do Pacto de Promoção da Equidade Racial, Adriana Alves contou à Forbes como atua em prol da diversidade, dentro e fora do mundo corporativo. E como as empresas e os gestores precisam agir para criar estratégias de D&I que tragam, de fato, inovação e resultados para o negócio. “A gente passou três anos falando de sensibilização, letramento racial, etc. Agora estamos numa outra fase e precisamos sair do discurso e ver uma evolução real.”
Forbes: Muitos estudos há anos comprovam a relação entre diversidade, inovação e resultados nos negócios. Por que isso ainda não foi colocado em prática em muitas empresas?
Adriana Alves: Eu vejo uma lacuna gigante no Brasil em entender que a diversidade é vantajosa. Os desenvolvedores de produtos e serviços das grandes empresas não entendem de fato quem é o seu real consumidor. 56% da população é negra, as mulheres são a grande maioria, o público LGBTQIA+ também é gigantesco. Mas quem está desenvolvendo os produtos e nos entregando esses serviços geralmente são pessoas majoritariamente brancas, que estudaram nas mesmas escolas, que saíram de indicações familiares. Essas pessoas muito provavelmente não sabem entregar um produto com excelência para esses consumidores. Eu até trago essa provocação no meu TED: vocês até vendem, mas não vendem com excelência. Os Estados Unidos perderam trilhões em 2020 porque não acessaram totalmente os consumidores que são mulheres e pessoas negras. E a gente fica pensando o quanto o Brasil também está atrasado nessa pauta dentro dos negócios. Não é que estamos perdendo dinheiro, estamos deixando de ganhar.
F: Por que isso ainda acontece se já sabemos desse potencial? O que falta?
AA: Há uma resistência muito grande em ouvir outras vozes, entender novas ideias porque, de novo, isso incomoda demais. Eu digo que é o custo racismo do Brasil, porque você até sabe que está deixando de ganhar, mas mesmo assim deixa de ganhar por causa dessa resistência ao novo.
F: Quais são as primeiras ações que as empresas devem fazer para investir em diversidade na prática?
AA: Eu acho que primeiro é contratar uma pessoa totalmente dedicada à área de diversidade. Eu vejo muitas empresas tendo grupos de afinidade – que são formados por voluntários – fazendo esse papel, então fica muito superficial. A segunda coisa é que essa pessoa de diversidade precisa ter apoio completo da alta liderança, e que os executivos tenham realmente a intenção de fazer acontecer e estejam com o orçamento e a caneta na mão prontos para isso. E, óbvio, fazer tudo isso ser colocado no papel, com metas e acompanhando a evolução.
F: Na prática, como é seu trabalho como head de diversidade?
AA: O meu dia a dia tem duas frentes. Eu trabalho dentro do BNP como executiva de diversidade, atuando com o RH, os grupos de afinidade, que são voluntários da empresa, trabalho com os gestores, com o board, porque a gente não consegue trabalhar a diversidade sem o apoio da alta liderança. Meu grande papel é fomentar e motivar todos os colaboradores através do grupo de afinidade, mas também falar com a alta liderança para fazer esse top-down acontecer de fato.
Fora do BNP, eu também atuo como voluntária em várias frentes, sempre com esse olhar de diversidade, faço parte do comitê de igualdade racial, sou coordenadora do programa de aceleração de carreiras para mulheres negras e conselheira.
F: Desde que você entrou no BNP, há quase um ano, já é possível observar alguma mudança na empresa em relação à diversidade ou é um trabalho mais a longo prazo?
AA: Eu diria que a gente abriu um canal que não existia. As pessoas chegam em mim para conversar, se abrir em relação a tudo que tange diversidade, desde um certo incômodo comportamental de outro colaborador, uma dica até novas ideias. Uma das novidades que a gente vai colocar agora em 2023 é o Hackathon Diversidade, que partiu da área de diversidade junto da área de inovação. No ano passado, abrimos inscrições dentro do próprio banco e formamos quatro grupos de voluntários de todas as áreas do BNP, com o desafio de alavancar a carreira de pessoas que pertencem aos grupos minorizados no banco. E a melhor ideia que venceu com uma banca de jurados independentes agora vai ser implementada. O grupo trouxe a ideia de desenvolver uma plataforma que mensure a diversidade no banco, não só a demografia geral, mas também acompanhar a evolução por área, onde estão os gaps, onde a gente precisa melhorar e atuar como gestores.
F: O que uma pessoa precisa ter em termos de experiência e formação para assumir um cargo como o seu e trabalhar com diversidade?
AA: Quem atua com diversidade precisa ter um olhar estratégico. Eu, por exemplo, trabalho e atuo muito no voluntariado, sou uma ativista da causa da diversidade. Mas quando a gente entra no corporativo a gente precisa tirar essa roupagem e entender o código desse ambiente. E acho que esse é o grande truque da minha posição. Eu venho de uma área muito generalista, sempre atuei como gestora financeiro-administrativo muito próxima de C-Levels, sócios e proprietários das grandes empresas por onde eu passei. Quando eu entro para atuar com diversidade diretamente, eu entendo que não dá para eu ser a Adriana que está lá fora no ativismo. Então eu preciso traduzir esses dois universos. Como eu consigo convencer essas pessoas de que diversidade não é assistencialismo? Como eu consigo trabalhar com eles para que todo mundo ganhe? E é por isso que cada vez mais eu tenho falado sobre inovação nos negócios, sobre como a diversidade agrega valor à empresa e traz resultados. Então esse é meu grande papel: traduzir esses universos, falar com as pessoas que estão na estratégia de negócios e trazê-las para um outro âmbito que até então elas não conheciam, furar essa bolha e fazer com que todo mundo enxergue a necessidade disso pros negócios.
F: Como foi começar no mundo corporativo há 20 anos? O que mudou de lá pra cá?
AA: É engraçado porque no meu início de carreira eu tinha uma outra visão do que era diversidade e do meu papel. Eu vim de uma família miscigenada, então é mais difícil entender o seu lugar. Há alguns anos, eu tive noção da importância de ser quem eu sou. Mas antes disso, nos anos 90, quando eu comecei a trabalhar, a gente não falava disso, a gente tinha que se infiltrar, quase de uma forma camuflada. Esse foi um lado triste, porém necessário da minha carreira. Eu entrei nesses espaços não sendo 100% completa, esteticamente também. Eu era outra pessoa, cabelo super alisado, outro comportamento. Eu fui entrando em espaços em que eu não me via, e quando você é a minoria, você acaba se adequando, pelo bem ou pelo mal. Mas conforme a gente vai galgando outros espaços e acendendo, a gente vai tendo outra postura. Só que tem um outro ônus: a gente incomoda mais. A Adriana de antes, que estava quase camuflada nesses ambientes, incomodava muito menos. Hoje, com a minha postura e com a minha fala, eu incomodo muito mais.
F: Como foi sair da periferia de São Paulo e entrar nesse espaço em que você era única?
AA: É muito difícil, mas a gente não esquece de onde a gente veio. A Adriana de 25 anos atrás saía da Zona Leste, atravessava a cidade, tinha que chegar prontinha para um ambiente que todo mundo praticamente só atravessava a rua para chegar. E eu ouvia conversas, pessoas falando das férias, indo para restaurantes que eu não podia ir porque tinha outras prioridades. Eu sempre digo que tem muitas Adrianas nas periferias, mas elas precisam de oportunidades. E não basta só dar oportunidade, elas precisam ter um ambiente saudável que eu não tive durante a minha trajetória.
F: Como criar um ambiente que de fato inclua essas pessoas?
AA: Precisamos ter um olhar mais empático em relação às necessidades das pessoas. Do que elas precisam? De onde elas vieram? Quantas horas elas levam? Com quem elas moram? Como está o inglês delas? A gente ainda vê estagiários entrando em grandes empresas e não suportando os ambientes. Eu acredito que o grande gargalo do mundo corporativo são os gestores. Eles colocam a culpa no estagiário que não conseguiu performar, mas é o gestor que precisa desenvolver essas pessoas. A diversidade é intencional, é uma reparação. Você não vai tirar alguém da periferia e querer ela pronta como uma pessoa que veio de uma família de heranças. Os herdeiros já ouvem desde criança o que é estudar, performar, fazer intercâmbio. As pessoas da periferia não sabem o que é isso. Então é papel do gestor fazer com que isso aconteça, não é responsabilidade das pessoas que estão entrando agora nesse lugar.