No final de 2014, todos diziam ao programador Felix Weis que o Bitcoin, moeda virtual, estava morto. “Eu sabia que era verdade porque usava Bitcoin pelo menos uma vez por semana em Berlim”, ele lembra.
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Depois de ouvir sobre o Bitcoin em 2012, Weis fundou um espaço conjunto de trabalho com Bitcoins, mas havia poucas empresas dedicadas à moeda para que o espaço pudesse ser devidamente aproveitado.
Mas um pensamento o manteve ligado à ideia. Desde a primeira vez que ouviu do Bitcoin, ele concluiu que, se essa novidade se tornasse uma “moeda mundial” – uma que pudesse ser usada independentemente do país em que o usuário estivesse – um dia as pessoas conseguiriam fazer viagens ao redor do mundo sem precisar de casas de câmbio.
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“Pensei que isso seria possível em 10 ou 15 anos”, conta Weis, nascido em Luxemburgo. Ele não quis esperar: fez as malas e embarcou em uma viagem depois de apenas dois anos, em 12 de Janeiro de 2015. Desde então, esteve em 27 países e 50 cidades, apenas com Bitcoins.
Durante sua viagem, a moeda virtual passou por um período de amadurecimento. Sem dúvida, as coisas pareciam obscuras quando Weis saiu da Alemanha. Por mais de um ano, o preço caiu após ultrapassar US$ 1.000 no fim de 2013. Na verdade, sua jornada começou dois dias antes da moeda alcançar US$ 200.
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Durante um ano e meio, Weis visitou tanto por países com vasta aceitação de Bitcoins, como os EUA, quanto os com baixíssimo reconhecimento da moeda, como Cuba.
Neste meio tempo, Weis também enfrentou o problema da desvalorização da imagem da moeda, que começou a ser associada também a traficantes e estelionatários. Sua tecnologia, no entanto, foi abraçada pela Goldman Sachs, Nasdaq e Visa.
A política monetária da moeda decreta que só é possível haver 21 milhões de Bitcoins disponíveis. Por isso, a quantidade de Bitcoins, criados de 10 em 10 minutos, é cortada pela metade quatro em quatro anos.
Em entrevista a FORBES, Weiss, aos 28 anos, contou sua visão sobre o Bitcoin e o que ele aprendeu sobre a natureza do dinheiro:
FORBES: Como você pagou pelo essencial?
Felix Weis: Para comer, eu fui em restaurantes listados no Coinmap (um mapa que lista restaurantes que aceitam pagamento em Bitcoin), mesmo que estivessem bem longe de mim. Quando se trata de alojamento, eu fiz de tudo para dormir, de sofás a hotéis cinco estrelas. Paguei todos os voos e hotéis com Bitcoin. Se o hotel não aceitava diretamente, eu contratava pela agência Expedia, e para os voos, pelo site CheapAir.
Foi difícil convencer as pessoas a abrir uma “carteira de Bitcoins”?
A maioria das pessoas se interessou no assunto uma vez que eu expliquei direito como tudo funcionava. É engraçado como várias pessoas não confiam mais em bancos. Sou um exemplo vivo de como fazer coisas na vida real com uma moeda virtual. As pessoas ainda não veem o Bitcoin como uma moeda real.
Em que situações você teve de usar dinheiro em espécie?
Como um depósito para hotéis e necessidades acidentais, muitas vezes porque eu não tinha um cartão de crédito. A frequência de uso de dinheiro variou de 80% para 20%: na América do Norte, foi mais baixa e na Ásia, mais alta.
Você fez algumas conexões interessantes por meio de outros usuários de Bitcoin, os Bitcoiners?
O único jeito possível de chegar em Cuba foi por um homem anunciando que queria comprar Bitcoins em Cuba. No primeiro momento, eu pensei que fosse uma piada, mas, ao entrar em contato com ele, percebi que era verdade. Ele disse que queria Bitcoins, mas as pessoas do país não tinham nenhum. No final, acabei trocando Bitcoins por transporte e alojamento. Dormi na casa dele por uma semana, mas não achei nenhum estabelecimento que aceitasse a moeda lá. Antes de ir embora eu dei alguns Bitcoins de gorjeta para meu “guia” – criei uma carteira virtual do blockchain.info e o presenteei – porém o maior problema do Bitcoin em Cuba é que não é muito comum as casas terem seu próprio WiFi. As poucas pessoas que têm internet a conseguiram por canais meio “estranhos”. Você tem de comprar um cartão de internet por US$ 2/hora, mas, mesmo assim, a primeira coisa que as pessoas fazem é falar com seus familiares, não procurar Bitcoins.
Como você começou a sua viagem?
No começo eu não sabia como conseguiria pagar pelas coisas e se realmente acharia lugares que aceitassem o Bitcoin, por isso tinha quase € 200 em dinheiro vivo nas mãos. Para transporte, comprei um passe para utilizar o trem.
Você usou euros para comprá-lo?
Não. Eu comprei o tíquete no All4BTC.com, onde você pode colocar um link da Amazon ou qualquer outro link, eles compram para você e você paga com Bitcoins.
Para onde você foi?
A primeira parada foi em Praga, onde fica a SatoshiLabs, que produz a TrezorWallet, um hardware montado exatamente para gusrdar Bitcoins. Eu queria conseguir uma Trezor para guardar meus Bitcoins recém comprados e queria fazê-lo pessoalmente para me assegurar de que ninguém ia mexer nele no correio. Eu transformei todas as minhas economias em Bitcoins, o que eu não recomendaria a ninguém.
E com quanto dinheiro você ficou depois disso?
O suficiete para viajar por um ano sem ter de trabalhar. Eu queria, no fim da viagem, escrever um livro chamado “Volta ao Mundo em 80 Bitcoins” – uma brincadeira com o livro do Júlio Verne, “Volta ao Mundo em 80 Dias”. Durante a viagem, o preço do Bitcoin subiu de US$ 200 a US$ 640, então é difícil saber exatamente o quanto eu gastei.
O Trezor foi o seu jeito principal de guardar seus Bitcoins?
Eu guardei a maioria do meu dinheiro no Trezor e usei a minha carteira virtual para gastos diários. Eu transferia dinheiro do meu Trezor para minha carteia quando precisava comprar alguma coisa. Usei várias, mas as minhas preferidas foram a Android Bitcoin Wallet, a Mycelium e a Copay.
O que você faria se tivesse perdido seu Trezor?
É possível recuperar a senha privada sem o Trezor físico. É complicado, mas era o meu plano B.
Você conheceu startups de Bitcoin em sua viagem?
Eu entrevistei startups de Bitcoins ao redor do mundo para entender suas perspectivas – fazendo perguntas como “qual você acha que é o futuro do Bitcoin?” e anotei tudo. As pessoas me diziam para criar um blog, mas, depois de criado, ele morreu depois de um mês. É muito trabalho. Essa viagem com certeza não foi luxuosa. Tive de fazer muita pesquisa – achar lugares que aceitam o Bitcoin, encontrar esses Bitcoiners, descobrir onde conseguir dinheiro… Fui a 50 cidades. Enquanto eu sei que é possível viajar ao redor do mundo com essa moeda virtual, posso afirmar que não é nada conveniente. Quando eu chegava em casa depois de um dia longo de pesquisa, eu não tinha energia o suficiente para escrever um post.
Quanto tempo por dia ou por semana você gastou fazendo a pesquisa necessária para viajar usando Bitcoins?
Antes de ir para um país, a pesquisa pode demorar um dia ou uma tarde. O plano original era visitar 21 países em 365 dias, mas acabei visitando apenas 17. Passado o período de adaptação, sempre ficava com medo de ir para o próximo país, pois já sabia onde encontrar Bitcoins, onde moravam Bitcoiners e onde conseguir dinheiro. Só lembrava como era bom conhecer outros países quando saía onde estava.
Quando você chega em um aeroporto ou em uma estação de trem, como encontra alguém que quer trocar dinheiro?
Alguns aeroportos têm caixas automáticos de Bitcoins, mas eu acho que há um projeto para que mais seja feito sobre isso. Porque, depois de passar pelos seguranças do aeroporto, as pessoas acabam gastando dinheiro com coisas supérfluas, como perfume. Mas e se elas pudessem colocar o dinheiro em um caixa e trocá-lo pela moeda local? Isso seria ótimo, as pessoas basicamente manteriam seu dinheiro na nuvem.
Como você decidia para onde ir?
Eu não fui para nenhuma cidade que não tinha nenhum negócio no Coinmap ou no LocalBitcoins. Eu precisava estar conectado com a comunidade Bitcoin. Quando fiquei sabendo do Grexit – embora eu já tivesse visitado a Grécia e depois ido para a Turquia e a Urânia – eu decidi voltar. Lá, os bancos estavam fechados a 3 semanas e as pessoas só podiam retirar US$ 66 por vez. Transferências internacionais estavam bloqueadas e as pessoas não sabiam se iam voltar a usar Dracmas ou se ainda iam usar Euros. Os caixas eletrônicos de Bitcoin não seguem as regras dos caixas normais, então mostramos às pessoas como usar os Bitcoins. Havia um uma casa grega de câmbio de Bitcoins na qual era possível conectar sua conta normal e comprar Bitcoins.
Conheci uma mulher que estava cansada da situação grega e que decidiu se mudar para a República Tcheca. Ela viajou para lá e transferiu todo seu dinheiro via Bitcoin. Enquanto estava na Grécia, imprimi alguns panfletos para avisar os locais sobre um encontro de Bitcoiners. Também criem um código QR (que permite que você envie bitcoins para outra pessoa), coloquei em uma placa e, com isso, consegui muita atenção da mídia. Recebemos presentes de um Bitcoin pelo código e doamos tudo para o recém-fundado grupo de encontro de Bitcoins de Atenas.
Você foi para outros lugares marcantes durante a sua viagem?
Celebrei meu aniversário de um ano de viagem na ilha de Yap, conhecida por ter, por muitos séculos, o maior dinheiro do mundo. E, embora esse dinheiro seja completamente analógico, tem suas similaridades em relação ao Bitcoin e ao Blockchain (a tecnologia por trás do Bitcoin). As pedras não são produzidas na ilha. Eles são feitos de uma pedra especial que existe apenas em Palau, a mais de 330 km de distância. Os chefes de Palau queriam pedras cada vez maiores, mas se elas fossem muito grandes, seus barcos afundariam. Era difícil e perigoso demais transportar essas pedras para fora da ilha.
Obviamente, elas eram escarsas e raras, por isso tinham todas as propriedades que o dinheiro tem. Então, quando as pedras mudavam de dono, elas não eram movidas. O mesmo acontece com o Bitcoin, onde a transação é transmitida para outra rede e as moedas, que não estão realmente no seu bolso as sim em um banco de moedas na internet, vão para a pessoa para quem você transferiu dinheiro.
Falando em inflação, você tambem foi à Venezuela, país que o IMF prevê que tenha 500% de inflação.
Eu sempre li sobre inflação na história e em livros de economia, mas nunca vi nada parecido com ela com meus próprios olhos. Decidi ir para a Venezuela, apesar de ser um pouco perigoso. Alguns Bitcoiners de lá – Giovanni e seu filho Anderson – ficaram sabendo do tempo que passei em Cuba e entraram em contato comigo. Para conseguir dinheiro, mandei alguns Bitcoins para eles e eles me enviaram sacos de dinheiro que valiam apenas US$ 100. A nota Venezuelana de 100 bolívares é a maior que há no país. Em 2012, 100 bolívares custavam US$ 30. Agora custam US$ 0,30. Todos querem ganhar dinheiro físico, mas sem turistas e companhias estrangeiras no país, não há dólares por lá. As pessoas trocam Bitcoins etre si porque Bitcoins não são desvalorizados e são mais estáveis que o dinheiro do próprio país. Tudo que eu não pude pagar diretamente com Bitcoins, Anderson e seu pai pagaram para mim. No final da viagem, enviei o valor que devia a eles, mas em Bitcoins.
Em qual lugar foi mais fácil viver com o Bitcoin?
Nos EUA, com certeza. E San Francisco, para ser mais exato. Havia tantos hostels e restaurantes que aceitavam Bitcoins que fiquei surpreso. Foi quase fácil demais. Para mim, a questão foi: realmente precisamos de bancos? As pessoas sempre dizem que o Bitcoin é o banco dos sem bancos, mas eu acho que seria interessante que todos nós saíssemos dos bancos.
Em que momento você se sentiu tentado a trapacear?
Na Romênia, bem no começo da viagem. Eu reservei o hotel pelo Expedia e marquei de encontrar um local para trocar meus Bitcoins por dinheiro, mas ele não apareceu. Não consegui achar outra pessoa com quem trocar meus Bitcoins, por isso não consegui comer em lugar nenhum. Roubei algumas maçãs do café da manhã do almoço, mas tirando isso não tinha o que comer. Aqueles dois dias foram os piores. Então eis que o homem com quem tinha conversado apareceu e se desculpou. Me disse que um incidente havia acontecido na sua família e que não pôde me encontrar. Ele me pagou um jantar. Depois disso, descobri que a România tem um site muito parecido com o Groupon cujo dono gosta muito de usar Bitcoins. Conversei com ele, comprei alguns vouchers e os usei para comer por lá.
O que a sua viagem ensinou sobre como o Bitcoin pode se desenvolver durante os próximos anos?
Há vários usos para essa moeda. Quando estive nas Filipinas e em Hong Kong, as pessoas a usavam para enviar dinheiro às suas famílias por meio do Coins.ph e do Rebit.ph. Na Venezuela, eles costumam usá-la para fugir da inflação e lucrar sobre a eletricidade barata. Em San Francisco, conheci pessoas interessadas na tecnologia por trás do Bitcoin. Na cidade de Nova York, em fevereiro, as pessoas estavam mais interessadas no aspecto especulativo do Bitcoin. Em Austin, no Texas, liberais se sentiram roubados pelo governo e resolveram se proteger com Bitcoins. Os usos variavam muito, mas isso não me surpreendeu. Bitcoin é dinheiro.
O que você aprendeu sobre a natureza do dinheiro?
Tudo pode ser dinheiro. As pessoas de Yap dizem que pedras podem ser dinheiro. A liquidez do dinheiro emitido pelo governo que usamos todo dia é muito maior que do Bitcoin. Tudo pode ser dinheiro à medida que as especificações básicas são cumpridas. Se você analisar essa moeda, verá que ela já possui essas propriedades. O fato de que eu pude usá-la nesses 27 países me provou que já é uma moeda mundial.