Em julho de 2015, Cassie De Pecol voou até o Palau, um pequeno país insular da Microindonésia, no Oceano Pacífico. Mas essa não foi uma viagem de férias qualquer. A jovem de 27 anos de Connecticut estava prestes a embarcar na jornada da sua vida: ser a pessoa mais rápida e a primeira mulher a viajar para todos os 196 países do mundo e quebrar o recorde do Guinness Book. Em fevereiro de 2017, a aventureira cumpriu sua meta: completou a volta ao mundo em 18 meses e 26 dias.
Mas a iniciativa tinha também um objetivo nobre: promover a paz por meio do turismo sustentável. Cassie documentou toda a viagem em seu site, batizado de Expedition 196. A jovem atuou, ainda, como embaixadora do International Institute of Peace Through Tourism (Instituto Internacional do Turismo pela Paz) e coletou amostras de água para cientistas do Adventurers and Scientists for Conservation durante sua jornada. O material reunido vai dar origem a um documentário. “Pessoalmente, eu amo encontrar novos e inspiradores lugares e cultura. Muitos locais, de vários países, precisam do turismo”, diz.
E como ela fez isso? A expedição custou US$ 200.000 (incluindo passagem aérea) e foi parcialmente financiada com doações de patrocinadores como as empresas de viagem Clif Bar e Eagle Creek, assim como de hotéis ecológicos como o Six Senses Zighy Bay em Omã. Ela passou de dois a cinco dias em cada país, onde visitou escolas e participou de encontros com líderes da área de turismo. Leia, a seguir, a entrevista concedida a FORBES:
FORBES: O que te despertou para essa viagem?
Cassie De Pecol: Quando estava no ensino médio, eu tinha essa sensação de que queria fazer algo grandioso na vida, mudar o mundo, algo assim. Eu sempre quis conquistar algo que fosse maior do que eu e que tivesse um impacto positivo. Quando fiz 25 anos, a realidade me atingiu de uma forma que eu pensei que nunca faria nada a não ser que desse o primeiro passo. Eu não estava feliz com o rumo que minha vida estava tomando, e junto com a ansiedade de não saber quanto tempo me restava, decidi dar um grande passo. Eu sabia que ninguém ia me desviar dessa visão que eu tinha de mundo e do meu objetivo.
FORBES: Você já era uma grande viajante?
Cassie : Não muito. Minha mãe é canadense, então sempre viajávamos para lá para visitar a família. Acho que o único país que eu visitei antes dos 18 anos foi St. John durante uma ida ao Caribe, um lugar que pertence ao território norte-americano. Por alguma razão, a ideia de deixar meu país de origem sempre foi empolgante para mim.
FORBES: O que você fazia antes da viagem?
Cassie: Eu trabalhava com vendas, desenvolvimento de websites, marketing e cuidava de crianças. Ao mesmo tempo que desenvolvi bons relacionamentos com as famílias com quem trabalhei – e eu realmente gostava de cuidar de crianças – eu percebia que não tinha muito futuro. Mas eu consegui pagar todas as minhas contas e viabilizar a minha aventura.
FORBES: As pessoas ficaram surpresas quando você disse que faria a volta ao mundo?
Cassie: No começo, eu só contei para os meus pais e alguns amigos. Apenas seis meses antes é que passei a contar para outras pessoas. Eu não queria a opinião de ninguém que fosse me atrapalhar de alguma forma, então mantive praticamente em segredo até que estivesse 100% comprometida. Meus pais me apoiaram muito e meus amigos também, mas é claro que tive incertezas, principalmente em relação aos custos. Eu sou muito grata pelo suporte dos meus pais, que sempre me disseram para seguir meus sonhos, mesmo que fosse algo assustador.
FORBES: Qual foi o país mais incrível que você visitou?
Cassie: A região mais intrigante foi o Oriente Médio. Por alguma razão, eu sempre tive esse desejo de ir para lá. Eu sabia que ia amar, mesmo quando algumas pessoas me diziam que era “o pior lugar do mundo” e que eu estava sendo louca. No fim, foi a minha região preferida. Todo esse discurso cheio de negatividade que os políticos fazem sobre os muçulmanos não poderia estar mais errado. Eles são pessoas bondosas, prestativas e felizes. A cultura é única, as paisagens são belíssimas e a música é uma das minhas preferidas em todo o mundo. Do Afeganistão a Omã, passando pela Jordânia e pelo Irã, eu fui muito bem recebida e aproveitei muito, realmente vivenciei o estilo de vida deles.
FORBES: Alguma dificuldade pelo caminho?
Cassie: O cansaço mental foi o meu maior desafio. Eu estava fazendo isso sozinha, e tive que enfrentar bons e maus momentos. Algumas vezes eu errei, fiquei sem dormir, boa parte do tempo tive que lidar com a responsabilidade de gerenciar aquela expedição ao mesmo tempo em que tentava absorver o máximo de humanidade possível em cada lugar por um curto período de tempo.
FORBES: Aconteceu alguma coisa, boa ou ruim , com você por ser mulher?
Cassie: Falando de forma geral, eu vivenciei realmente muita hospitalidade ao redor do mundo, mas não acho que isso está ligado ao fato de eu ser mulher. Mas eu tive muitas experiências ruins e discriminatórias. Quando algo de ruim acontece comigo, eu não ligo isso automaticamente ao fato de ser mulher. É só quando eu compartilho essas histórias que me dizem que aconteceu por causa do gênero. De qualquer maneira, as experiências positivas se sobressaem sobre as negativas nesta expedição, e eu tive experiências maravilhosas.
FORBES: O que você fez enquanto estava nestes lugares?
Cassie: Vários elementos fizeram parte da Expedição 196. Espalhar a paz por meio do turismo e da economia era um deles, mas tinha também a promoção da sustentabilidade e a defesa dos direitos das mulheres. Tenho vlogs no YouTube que mostram um pouco da beleza das nações que visitei e há o documentário educativo que estou fazendo para ser usado com o livro escrito em conjunto com os estudantes que fiz ao redor do mundo. Também promovi meus patrocinadores.
FORBES: Como você retribuiu?
Cassie: As pessoas me diziam que eu não poderia pregar a sustentabilidade ao projeto uma vez que eu voava com muita frequência, e elas estavam certas. Não estou dizendo que sou uma viajante sustentável, mas trabalhei muito para ser uma. Plantei árvores com os alunos com os quais trabalhei durante a viagem, coletei amostras de água para testar a presença de microplásticos e as mandei para o grupo de pesquisas Adventurers and Scientists for Conservation, fiquei hospedada e promovi hotéis sustentáveis, transmiti aos estudantes universitários do curso de turismo a importância da viagem responsável e os elementos do turismo sustentável… Muitos alunos com quem conversei não sabiam nem o que era sustentabilidade, então era meu trabalho educá-los e encorajá-los a praticar o turismo responsável.
FORBES: Como você espalhou a paz?
Cassie: A paz por meio do turismo pode ser compreendida melhor quando educamos os alunos em quantificá-la pelos critérios do Institute for Economics and Peace (Instituto de Economia e Paz). Uma vez que entendemos esses critérios, podemos trabalhar para criar um mundo mais unido e pacífico. Em relação ao aspecto turístico, eu envolvi autoridades e prefeitos ao apresentar o “IIPT Credo of the Peaceful Traveler” (Manual do Viajante Pacífico), do International Institute of Peace Through Tourism, do qual faço parte. Juntos, discutimos como o turismo pode atuar como uma espécie de mediador nos conflitos, maneiras de usar a amizade entre os países e como prover ajuda humanitária. Um hotel sustentável pode, por exemplo, em parceria com a organização Pack for a Purpose permitir que seus hóspedes levem materiais educativos para distribuir em escolas locais.
FORBES: Você acha que teve impacto sobre outras mulheres?
Cassie: Como mulher, eu gosto de pensar que posso ser um exemplo para outras mulheres ao redor do mundo. Incentivá-las a seguirem seus sonhos quando as pessoas dizem para não fazê-lo. É meu trabalho deixar um legado que influencie positivamente futuras gerações de inovadores, empresários e trendsetters, especialmente as formadas por mulheres.
FORBES: E agora? Quais são seus planos?
Cassie: Uma grande parte de mim quer se voltar para causas humanitárias e para os objetivos 13 (medidas urgentes para combater a mudança climática e seus impactos) e 16 (promover sociedades pacíficas e inclusivas e o acesso à justiça) das Metas do Desenvolvimento Sustentável estabelecidas pela ONU. É por isso que estou desenvolvendo um programa universal de estágios estudantis para direcionar esses problemas. É claro que dinheiro é um fator, e o plano inicial é continuar trabalhando com marcas em suas campanhas publicitárias. Eu queria, ainda, ter um programa de TV. Eu posso sonhar, não? Anthony Bourdain (chef, escritor e apresentador) é meu ídolo desde o ensino médio, e sempre foi um sonho seguir seus passos na televisão, só que em vez de focar em gastronomia e viagem eu falaria apenas de viagem e algum outro tema.
FORBES: Algum conselho para alguém que queira fazer o mesmo?
Cassie: O melhor conselho que eu posso dar é: se você tem um sonho, missão ou objetivo, não deixe ninguém te impedir de fazer isso. Tenha muita motivação e dedique-se a isso 100%. Saiba que se você quer algo, você deve fazer tudo o que estiver ao seu alcance para que isso aconteça. Use o Google. Ele foi a melhor ferramenta que eu encontrei para aprender a fazer um plano de negócios, conseguir patrocinadores, planejar uma rota. Use as redes sociais, escute podcasts e faça network com o máximo de pessoas influentes possível. Aja agora. Tenha senso de urgência. Diga a você mesmo todos os dias onde você se vê daqui um ano. Quanto mais você diz a si mesmo que quer algo, maiores as chances de realizar um sonho. Fracasse. Aprenda com seus erros, aprenda com as críticas construtivas. Não seja teimoso, mas confiante nas suas crenças e na sua visão. Inspire outros a te inspirar pelo caminho. Aprenda a depender só de você mesmo para conseguir fazer tudo, assim os seus fracassos e sucessos também serão resultado das suas iniciativas. E, acima de tudo, acredite que sempre haverá uma luz no fim do túnel, não importa o quão difíceis as coisas fiquem.