Os amantes da velocidade cheios da grana costumavam seguir um destes dois caminhos: gastar valores de seis dígitos num carro com motor perfeito que podiam exibir numa oficina mecânica ou no trânsito do fim de semana (a opção Lamborghini), ou então desembolsar valores de cinco dígitos numa série infindável de aulas de pilotagem profissional que permitem acelerar o supercarro de outra pessoa (a opção Bondurant).
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Estou em busca de uma terceira via. Na última década, surgiram diversos circuitos amadores que permitem a qualquer motorista com habilitação dar vazão a seu Steve McQueen ou Paul Newman interior em seu próprio carro de corrida nas mais célebres pistas dos Estados Unidos, à maior velocidade que a pessoa ousar. As duas organizações mais famosas e com os nomes mais hilários – ChumpCar (brincadeira com a antiga categoria Champ Car) e 24 Hours of LeMons (referência à lendária corrida de resistência de Le Mans) – impõem limites de gasto. A Chump restringe as despesas com base numa escala de pontos, enquanto a LeMons limita o preço de compra do seu carro a US$ 500.
Circuitos amadores permitem a qualquer motorista com habilitação dar vazão a seu Steve McQueen ou Paul Newman interiorNo entanto, assim como ao comprar uma casa que precisa de reparos, esse é só o investimento inicial. Dois dos meus amigos mais antigos – Bill Rowan, um piloto com treinamento militar, e Rob Mecarini, presidente de uma empresa de sondagem oceânica – acharam um Toyota MR-2 1989 por algumas centenas de dólares, mas esse gasto máximo de US$ 500 não abrange uma série de recursos de segurança.
Precisávamos de um sistema de supressão de fogo para o caso de incêndio, gaiola, capota reforçada, correias de capacete e janelas revestidas com tela para o caso de capotamento, além de um assento do piloto que mais parece uma peça de armadura. Antes de acrescentar esses itens, retiramos todo o resto (a matemática simples do automobilismo é: motor maior + peso menor = carro mais rápido). De repente, tínhamos um carro de corrida de US$ 10.000.
E aí trocamos a marcha. Em nome da segurança (com o bônus previsto da velocidade), instalamos uma barra estabilizadora para tornar a resposta do carro mais ágil. Criamos um sistema de refrigeração do piloto que leva água gelada por um cateter até uma camiseta revestida com tubos. Aprimoramos os freios, investimos em pneus com maior aderência e instalamos um rádio bidirecional. Então vieram os acessórios necessários – trajes de corrida, capacetes e um reboque. De repente, tínhamos um carro de corrida de US$ 20.000.
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E ainda nem tínhamos corrido. Por sorte, contávamos com o mecânico profissional Sean Kelleher como quarto integrante de nossa equipe, que chamávamos de Mid-Engine Crisis (“Crise do Meio-Motor”, jogo de palavras com a expressão “midlife crisis”, ou “crise da meia-idade”). Uma corrida Chump ou LeMons típica leva dois dias, e são oito horas por dia. Apesar de nós outros termos passado por treinamento em pistas ao longo dos anos, qualquer equipe desprovida de mecânico não consegue correr por muito tempo, então Sean trocou seu trabalho por tempo ao volante.
Ele logo fez por merecer. Após desembolsar uma taxa de inscrição de US$ 1.600 pela equipe, a Mid-Engine Crisis estreou no último Memorial Day contra outros 103 carros numa corrida Chump no histórico autódromo Watkins Glen, em Nova York. Meus companheiros de equipe, que tinham investido mais dinheiro e/ou tempo, foram os primeiros a pilotar. Ou, pelo menos, esse era o plano – os freios apertados estavam fazendo-os rodopiar, e o sistema elétrico começou a dar pau. A Chump pode ter um nome engraçado, mas os competidores a levam a sério (as velocidades muitas vezes chegam a 190 km/h). Enquanto eu tentava atingir uma boa velocidade, dezenas de carros me ultrapassaram furiosamente. Aí o MR-2 morreu e me obrigou a parar no acostamento.
O segundo dia foi pior. O carro empacou logo de cara quando acelerei para entrar na pista, e novamente tive de jogar para o acostamento. (O problema, descobrimos depois, tinha a ver com um fio que custa 50 centavos.) Dois dias, uma volta concluída. Em termos do custo por quilômetro rodado, foi praticamente tão caro quanto resgatar Matt Damon em Marte.
Na segunda corrida da equipe, na Thomson Speedway, região nordeste de Connecticut, reduzimos a marcha para o circuito LeMons. Apesar de ainda serem um tanto velozes, as corridas LeMons são mais cômicas – a maioria dos carros usa trocadilhos nos nomes, de um Peugeot denominado French Toast (“rabanada”) ao temido Saabs of Anarchy (brincadeira com a marca Saab e a série televisiva Sons of Anarchy). Os carros que violam as regras recebem punições que fogem ao convencional, como ter de construir um modelo de motor ou um carro inteiro com papelão, e o vencedor muitas vezes recebe o prêmio de US$ 500 em moedas de cinco centavos.
“Tradicionalmente, as corridas envolvem um herói e um monte de derrotados”, diz Jay Lamm, ex-editor de revista de carros que fundou a LeMons em 2006 e supervisionará 29 corridas nos Estados Unidos, Austrália e Nova Zelândia este ano, reunindo cerca de 7.000 participantes. “No nosso caso, são apenas os derrotados.” Fiel ao astral da LeMons, nosso MR-2 recebeu uma nova pintura com o tema “Car Wars” (brincadeira com a série cinematográfica Star Wars), a qual o transformou no MR2-D2.
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A Força não estava conosco. O carro funcionou bem desta vez, mas, quando cheguei à pista no sábado, a corrida tinha sido suspensa porque um piloto havia batido num muro. Depois fomos penalizados com uma espera de três horas por abastecermos fora da área especificada. E, quando eu finalmente consegui chegar à pista, um toró de proporções bíblicas estragou o resto do dia.
Porém, como um jogo de golfe horrível que termina com um primoroso tee shot de 250 jardas, o domingo trouxe a redenção. Comecei com cautela, sendo ultrapassado por veículos como um caminhão de manutenção de gramados, uma lata-velha com um pescoço de girafa de dois metros de comprimento e até um modesto Ford Pinto. Eu tinha um histórico de centenas de voltas de treino ao longo dos anos, mas a diferença entre achar o ponto de tangência perfeito estando sozinho e entrar numa curva a 160 km/h com carros à sua frente e aos lados é como a diferença entre comprar um anel de noivado na Tiffany e arrematar uma oferta de Black Friday no Walmart. Na Chumps ou na LeMons, não se trata de executar a trajetória ideal, e sim de fazer o necessário para terminar a volta na pista intacto.
Foi o que eu fiz. À medida que a corrida prosseguia, fui reduzindo meus tempos a cada volta, até que ficou difícil os outros me ultrapassarem. E aí comecei a ultrapassar a galera, inclusive aquela droga do Pinto. Em outras palavras, eu estava correndo para valer.
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Fiquei metido. Comecei a demorar mais para frear e a forçar o motor. Numa curva fechada, me vi num rodopio de 360 graus, observando num relance uma onda de carros avançar sobre mim, antes de eu deslizar para a parte interna da curva.
Tinha sido uma lição de humildade – e eu também tinha sido fisgado. A gente passa um tempo absurdo nessas corridas, no asfalto, inalando fumaça. É um pouco perigoso. E é um tremendo ralo de dinheiro. Mas as contrapartidas – a adrenalina, o convívio saudável com os amigos e a pós-graduação em mecânica – deixam a Mid-Engine Crisis ansiosa pela segunda temporada. Estamos instalando uma nova transmissão, um duto que leva ar frio até o motor e ainda mais pneus novos. Ah, nosso carro de corrida de US$ 500 agora vale US$ 25.000.