Você é um empresário, uma empresária tentando vencer a crise. Angustia-se com o futuro do negócio, com o futuro dos colaboradores e de suas famílias. Muita gente depende de você. Parece não haver saída. Você sofre com isso 24 horas por dia. Você é um executivo, um chefe, um gestor. Gostaria de ter um cargo mais alto na empresa para dar mais conforto aos filhos. Mas sente que lhe falta algo: assertividade, organização, coragem, foco, formação, liderança… Não consegue sair do lugar e se culpa, sem trégua, por essa fraqueza.
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Você é um profissional experiente. Nunca trabalhou tanto, e mesmo assim a conta no fim do mês não fecha. Está estressado, mas sabe que há uma legião de desempregados qualificados de olho em seu lugar. Sofre em silêncio, sentindo-se impotente.
No ambiente profissional, segundo os especialistas, a maior parte dos nossos problemas é criada por nós mesmosOu você é um jovem talento cheio de ideias, curioso e ativo. Ativo até demais. Não consegue se concentrar nas tarefas, abre mil janelas no computador, espia o celular a cada sinal. O dia não rende. Sua memória é fraca e sua ansiedade é descomunal.
Esses são alguns dos perfis das pessoas que têm procurado socorro no mindfulness, técnica ligada a conceitos de meditação e psicoterapia que se propõe a devolver a capacidade de “atenção plena no aqui e agora” aos praticantes. Uma vez recuperada essa atenção, segundo especialistas ouvidos por FORBES, os problemas deixam de ser um tormento contínuo e paralisante – e a busca por soluções fica mais eficiente.
Melhoram a saúde física e mental, o sono, a atenção, o convívio familiar e a produtividade. Este último item motivou empresas como Google, Intel e Samsung a oferecer sessões de mindfulness a seus funcionários.
O SEGREDO DE DORIA
Em entrevista a FORBES (edição 48), o prefeito de São Paulo, João Doria, contou que um de seus segredos para conseguir trabalhar 18 horas por dia com alta produtividade e sem se cansar é a prática diária de mindfulness – que ele chama de mind power. Seu pai conheceu as técnicas durante o exílio na França (de 1964 a 1974) e as trouxe ao Brasil, onde montou o Instituto Mind Power – que funcionou até o início dos anos 1990. Doria, sempre fascinado por tudo o que o pai fazia, aprendeu o máximo que pôde. E que técnicas são essas? Elas podem variar conforme o problema que você quer atacar. Mas, em geral, começam com a milenar meditação. “Feche os olhos. Sinta seu corpo. Tente ficar em uma posição confortável.
Preste atenção em sua respiração. Observe os pensamentos que vêm à sua mente. Não brigue com eles, apenas observe, como se fossem imagens passando pela janela de um trem. Volte a prestar atenção em sua respiração, o ar entrando nos pulmões… e saindo, naturalmente.”
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Essas foram as primeiras frases que ouvi durante a sessão de mindfulness em grupo da qual participei na Casa Jaya, em São Paulo. O coach (como os instrutores da técnica costumam se autodenominar) era o carioca Alan Pogrebinschi, 44 anos, economista e matemático pela Cornell University (EUA).
Alan trabalhou durante vários anos no mercado financeiro, em Wall Street e São Paulo. “Passei por Morgan Stanley, Lehman Brothers, Barclays e UBS”, conta. Em 2012, depois do estouro da bolha que abalou a economia mundial (e o trouxe do volta ao Brasil) e de um grande susto que mudou sua visão da vida (um tumor benigno na cabeça), ele decidiu retomar algo que fazia com enorme prazer na juventude – dos 16 aos 22 anos, ao retornar de uma viagem à Índia, dedicou-se a praticar e difundir a meditação.
Já “quarentão”, fez cursos de mindfulness na Índia, EUA e Europa. Obteve mestrado em psicologia pela University of Derby (Inglaterra) e especializou-se em ciência contextual do comportamento, uma linha da psicologia que serve de base para o que ele batizou de mindfulness funcional. “Eu me preocupo com a função daquilo que fazemos numa sessão, e não com a forma. Você não precisa ficar sentado em posição de lótus, de olhos fechados, para atingir o objetivo”, diz Alan. No ambiente profissional, diz ele, a maior parte dos problemas é criada por nós mesmos. “Sentimos insegurança diante de alguma incumbência e nos culpamos por sentir isso, achando que todo mundo é melhor e mais forte que nós. No mindfulness funcional nós tiramos essas camadas extras e aprendemos a conviver apenas com o sentimento original – e a agir mesmo assim.”
TELA DE CINEMA
Outro exercício: você tem um problema (uma grande dívida, por exemplo). Tudo o que você faz, tudo o que você vê vira motivo para lembrar-se dela. Quando isso acontecer, imagine-se numa sala de cinema. Na tela está você pensando na tal dívida. Depois de alguns segundos, reduza essa tela de cinema a uma imagem pequena, no canto de seu campo de visão imaginário. Deixe lá. “Você não vai fugir do problema, mas vai colocá-lo na perspectiva correta.”
Hoje Alan atende em grupos (grátis), individualmente (12 sessões de 50 minutos) e em empresas (os valores variam caso a caso). E acrescenta mais um perfil de paciente aos que abrem esta reportagem. “Muitas pessoas bem-sucedidas e realizadas profissionalmente um dia descobrem que se esqueceram de olhar para si mesmas ou para aqueles que estão mais próximos, para a família. Nós ajudamos a trazer esse pêndulo para o ponto de equilíbrio.”
João Pádua, diretor executivo do Banco Plural, tornou-se um adepto da prática. “No mercado financeiro, o mindset é voltado para projetar o futuro analisando o passado. Agora consigo também ter a consciência do momento presente”, diz o executivo.
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Um diagnóstico de burnout (estado de tensão emocional, estresse e esgotamento ligado ao trabalho) levou Sofia Esteves, fundadora do Grupo DMRH e da Cia de Talentos, a procurar ajuda. “Eu amo o que faço, mas extrapolei a capacidade do meu cérebro. Perdi a memória recente – o que eu fazia em um dia se apagava no dia seguinte”, conta ela. Depois de 12 semanas de treinamento individual em mindfulness, em setembro de 2016 ela recuperou o equilíbrio – e a memória. “Aprendi a separar, entre tantas atividades, eventos e reuniões, o que era realmente importante para o trabalho e o que era vaidade.”
Curiosamente, um estudo publicado em setembro de 2015 no jornal científico Psychological Science, dos EUA, concluiu que havia uma piora na memória dos praticantes de mindfulness analisados, e que eles tinham maior tendência a confundir fatos reais e imaginários. Mas Sofia – que é psicóloga especializada em gestão de pessoas – está satisfeita. Tanto que implantou a técnica em suas empresas.
LIDERANÇA
Soraia Schutel, 36 anos, doutora em administração pela UFRGS e especialista em psicologia social pela Universidade Estatal de São Petersburgo, também se encantou com os resultados da técnica. Aprofundou-se no tema no Schumacher College, da Inglaterra, e em 2014 abriu a Sonata Brasil, em Porto Alegre, propondo-se a desenvolver a assertividade, o equilíbrio e a capacidade de liderança, de planejamento e de tomada de decisões nos clientes, especialmente os corporativos.
“Pesquisas indicam que o Brasil é o país com maior índice de pessoas ansiosas no mundo. O excesso de informações pelas mídias sociais e a crise econômica têm parte nisso”, diz ela. O primeiro passo é baixar a bola. E uma das melhores ferramentas para isso, segundo ela, é o mindfulness.
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“Muitos pensamentos que nos tiram do aqui e agora não são reais. O executivo lê algo sobre as dificuldades no seu setor e fica ansioso, alimentando monstros que só estão em sua mente”, afirma Soraia. Ela receita, para começo de treinamento, o exercício “clássico” de respiração, descrito no início desta reportagem. Com o tempo, evolua para o “mindfulness ativo”: ao fazer uma atividade física, por exemplo, sinta cada movimento, o esforço muscular, os pés tocando o chão, o vento no rosto, o coração batendo.
“Profissionais do setor de tecnologia e do agronegócio são nossos principais clientes”, afirma a jornalista Natalia Leite, mestre em ciência da informação e cofundadora da Sonata. Em novembro, elas fecharam uma ilha para um trabalho com executivos durante três dias – ao preço de R$ 7 mil cada um. “O líder do novo milênio é aquele que consegue unir as três formas de inteligência: a intelectual, a emocional e a espiritual – que significa estar conectado a algo maior, saber que nossas ações produzem efeito em outras pessoas”, diz Soraia.
Nem todo mundo consegue ser como João Doria, que trabalha 16, 18 horas por dia sem se cansar. Então, a sugestão é: a cada duas horas de trabalho, pare por cinco minutos e faça um exercício de mindfulness – ouça uma música, leia uma página de um bom livro, saboreie um pedaço de chocolate. Faça isso sem pensar em outra coisa. “Isso renova o corpo e aumenta sua atenção”, afirma a especialista.
BRIGA E CIGARRO
“Um dia, começou a rolar um estresse entre minha irmã e uma atendente. Quando a tensão aumentou, eu tomei o controle e resolvi tudo com total tranquilidade. Minha irmã não me reconheceu: ‘Nossa, o que aconteceu com você?’”, conta Luis Antonio Ribeiro, 56 anos, advogado e dono de uma empresa de marketing em São Paulo. “Mindfulness, respondi.” No ano passado, ele fez o programa de oito semanas em um grupo com 12 pessoas. “Você fica mais sereno e as coisas ficam mais claras. Quando chega ao trabalho, parece que a solução dos problemas já estava lá.”
Ribeiro conta que a esposa, gerente de comunicação do grupo educacional Kroton, também fez o programa. “Ela é multitarefas, mas estava se perdendo no meio de tantas coisas. Precisava de mais foco. Deu certo.”
“Tive o primeiro contato com a técnica em 2008. Fiquei curioso e fui ver como funcionava em mim”, conta o médico Marcelo Demarzo, 43, pesquisador e professor na USP, Ufscar, Unifesp e hospital Albert Einstein. “Minha vida mudou em vários sentidos. Até parei de fumar sem nem estar pensando nisso”, conta.
Demarzo ficou impressionado com os resultados e foi se aprofundar – viajou três vezes para a Índia, fez o curso com o “guru” Jon Kabat-Zinn (fundador da Clínica de Redução do Stress e do Centro de Atenção Plena em Medicina, na Escola Médica da Universidade de Massachusetts) e um pós-doutorado ligado ao tema na Espanha.
Em 2010, montou o Mente Aberta – Centro Brasileiro de Mindfulness e Promoção da Saúde, ligado à Universidade Federal de São Paulo. Seus 25 profissionais atenderam 300 pessoas em 2016. Sobre o perfil de quem procura ajuda, Demarzo diz: “São empresários e profissionais liberais de classe média alta, pessoas que querem aumentar sua capacidade de liderança e controlar o estresse, a ansiedade, a depressão e até dores crônicas.”
“Eu precisava simplificar minha agenda e fazer melhores escolhas”, diz Caroline Carpenedo, gerente de desenvolvimento organizacional da Gerdau. “Soube que o Google usava o mindfulness com seus executivos e fui conhecer a técnica.” Ela está no meio do processo, mas diz já perceber com mais clareza o que pensa e sente antes de reagir às situações tensas do dia a dia.
PACIENTES FAMOSOS
Grandes empresas, times e celebridades aderiram à técnica (veja alguns praticantes no quadro abaixo). Na sede do Google, na Califórnia, os funcionários a praticam desde 2007, por iniciativa do engenheiro Chade-Meng Tan. Ele estruturou um programa de mindfulness chamado Search Inside Yourself. “Hoje isso faz parte da mentalidade do Google. No Brasil, o programa se chama gPause e propõe pausas para meditação durante o trabalho”, conta Ricardo Oliveira, engenheiro de operações corporativas da empresa. Os ganhos, segundo ele, são redução de estresse, melhor relacionamento no trabalho e desenvolvimento de habilidades importantes, como liderança. A fila de espera para fazer o treinamento chega a meses. Não à toa, Chade-Meng saiu do Google e abriu o Search Inside Yourself Leadership Institute.
“Nós aplicamos o mindfulness na seleção brasileira masculina de handebol”, conta Demarzo. “Ela foi campeã pan-americana e chegou à segunda fase da Olimpíada no Rio, um feito inédito.” Questão de foco.
* Matéria publicada na edição 50 de FORBES Brasil, de abril de 2017