O que se espera de um bom livro é que ele leve o leitor a visitar estilos de vida, experimentar emoções, tempos, culturas, histórias e situações que diferem daquelas que lhe são familiares. Por meio da leitura é possível saborear refeições e vinhos nunca antes provados. Um livro que satisfaz e transforma os leitores se torna memorável.
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Quando publicado em 1873, o clássico “Volta ao Mundo em 80 Dias”, de Júlio Verne, levou os leitores a uma volta ao redor do globo. A história tinha como base uma aposta que o protagonista fez sobre a duração da viagem. As aventuras incluíam andar de elefante, salvar uma jovem asiática de um assassinato e viajar de trem pelas planícies norte-americanas enquanto estavam sendo atacadas.
O livro de Mike Veseth pretende levar os leitores por uma rápida e engajadora viagem ao redor do globo ao mesmo tempo em que destaca a diversidade dos vinhos produzidos no planetaCom lançamento programado para o próximo mês, “Around the World in Eighty Wines: Exploring Wine One Country at a Time” (“Volta ao Mundo em 80 Vinhos: Explorando os Vinhos um País por Vez”, em tradução livre), um trabalho de não ficção, pretende levar os leitores por uma rápida e engajadora viagem ao redor do globo ao mesmo tempo em que destaca a diversidade dos vinhos produzidos no planeta. Escrita por Mike Veseth, a obra relata brevemente e de maneira eclética histórias e fatos não encontrados em outros livros sobre vinho.
Veseth é autor de diversos livros sobre a bebida e escreve para o blog “Wine Economist”. O que diferencia seu novo livro dos anteriores é a constante inclusão de anedotas factuais de locais inesperados. Na obra, ele reúne 80 vinhos do mundo todo que “capturam a essência do que é a bebida e por que ela é tão importante”.
Em homenagem ao livro de Verne, a história começa no mesmo lugar de onde o personagem fictício Phileas Fogg partiu: o Reform Club, em Londres. Lá, os leitores aprendem sobre os séculos de reputação da capital inglesa como um centro de comércio de vinho, estabelecido depois de 1152, quando o Rei Henrique II da Inglaterra se casou com Leonor da Aquitânia. Juntos, o casal estimulou os produtores de vinho de Bordeaux a aumentarem seu comércio com a Inglaterra. De Londres, o livro vai para outras partes do continente europeu.
A primeira escolha do autor é um Pol Roger de Champagne, na França. Na sequência, ele seleciona garrafas de Bordeaux, Borgonha e Beaujolais. Na Itália, a preferência é pelo Riunite Lambrusco, uma vez que ele representa o poder histórico das cooperativas e é econômico o suficiente para atrair gerações de novatos para apreciar a bebida. Ele também escolhe um Antinori Chianti Classico, já que sua propriedade de 26 gerações representa tanto a história de uma família poderosa na produção de vinhos como uma ambição visionária em termos de marketing internacional.
Os fatos são diversos e as histórias envolvem o leitor enquanto a narrativa circula pela Europa. Aprende-se sobre as conexões entre Beaujolais e o vinho Yellow Tail, assim como as raízes do Prosecco – feito da uva Glera.
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Visitas à Síria, Líbano e Geórgia fornecem os contextos de tradições anciãs de produção da bebida, assim como intrigas geopolíticas. O vinho sírio (que aparentemente era admirado por Plínio, o Velho) ainda é produzido em uma nação onde a hostilidade predomina. Os proprietários e o consultor francês de uma vinícola – Domaine de Bargylus – algumas vezes são incapazes de visitá-la por causa da guerra. Então, eles coordenam a administração e as operações diárias via celular e internet.
Veseth considera a Geórgia, por ter produzido a bebida por oito milênios, como “provavelmente o país mais centrado em vinhos do planeta”. Ele seleciona uma garrafa – das 5 mil produzidas anualmente da uva indígena Chinuri, na pequena adega do produtor Iago Bitarishivili. A ideia é “honrar o sucesso obstinado da Geórgia” em face da anterior dominância soviética, assim como do desafio econômico de ter preços empurrados pelos mercados internacionais.
Bérberes e fenícios transportaram videiras pela fronteira do sul do Mar Mediterrâneo para países agora conhecidos como Tunísia, Marrocos e Argélia. A participação dessas nações do norte da África no comércio de vinhos era forte. Na virada do século 20, a bebida representava metade das exportações da Argélia e o país era o quarto maior exportador de vinho do mundo. Argélia, Marrocos e Tunísia produziam, na época, dois terços do vinho comercializado no planeta.
A aventura continua na Espanha, onde Veseth fala sobre o relacionamento histórico entre os vinhos de Rioja e os de Bordeaux. Ele cria uma analogia entre a cultura do futebol e a produção de vinho – sugerindo que bebidas bem-sucedidas se adaptaram à influência internacional de maneiras que permanecem distintas na Espanha. O texto também menciona a uva Airén – que é a uva de vinho branco mais plantada do mundo, apesar de poucos consumidores internacionais de vinho sequer conhecerem o nome.
Depois de Portugal, a narrativa vai para o sul, da África até o Quênia, onde o paleoantropólogo Richard Leakey e sua filha produziam vinhos Pinot Noir e Chardonnay. Na África do Sul, o autor ensina que as primeiras uvas prensadas por lá eram da variedade Moscatel, em 1659. Veseth e sua esposa Sue experimentam e elogiam o Kanonkop Pinotage. Ele seleciona uma garrafa de Rupert & Rothschild como emblemático de uma marca de luxo local.
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Na Ásia, Veseth menciona o New Latitudes Wine – um movimento relacionado a vinícolas localizadas perto do equador. Surpreendentemente, a ilha de Bali tem uma vinícola de duas décadas que produz 1 milhão de garrafas por ano usando as uvas Belgia e Alphonse Lavallée (que resistem a doenças tropicais). O bônus de um clima tropical? São três colheitas por ano.
Na Tailândia, o autor experimenta um vinho branco seco Monsoon Bay que inclui as uvas Colombard e Malaga Blanc. O Rei Luís XIV da França sabiamente presenteou com as últimas uvas o Rei Naria de Siam, no fim do século 17. Uma razão? Suas cascas grossas ajudam a proteger a fruta da fúria das monções.
A Índia cultiva uvas desde a época em que os conquistadores persas levaram as vinhas para lá, há 2.500 anos. Hoje, o país produz vinhos de ótima reputação, como o Sula Dindori Reserve Shiraz, apesar de a cultura do produto sofrer altas taxações e da proibição de publicidade.
Mais ao norte e ao leste, na China, produtores de vinho encaram problemas muito específicos. As selvagens flutuações de temperatura na região vinícola de Ningxia, a 900 metros de altitude, resultam em videiras que têm de ser enterradas no outono e desenterradas na primavera para evitar os prejuízos causados pelo frio. Apesar de os mais de 32 mil hectares de vinícolas que formam Ningxia (cerca do dobro do tamanho de Napa Valley) serem relativamente novos, a produção de vinhos no país não é. O chinês Riesling ganhou prêmios na cerimônia Panama-Pacific International Exhibition de 1915.
No hemisfério sul, Veseth compartilha uma história fascinante de rejeição e redenção a respeito do vinho agora mundialmente renomado Penfolds Grange, da Austrália. Depois de uma viagem para Bordeaux, na década de 1950, o enólogo da vinícola em Grange decidiu fazer um vinho de estilo similar, mas foi impedido por gestores inflexíveis. Ele continuou a tocar o projeto de forma secreta. Quando seus esforços foram, mais tarde, reavaliados, ele foi – felizmente – encorajado a continuar.
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Sobre a Nova Zelândia, o autor conta como o italiano Romeo Bragago foi convidado para ir ao país em 1895 pelo então primeiro-ministro para avaliar as perspectivas da indústria de vinhos. Ele acabou se tornando o viticultor-chefe e publicou um manual oficial sobre o assunto. Porém, quando os ativistas anti-álcool tornaram seu trabalho impossível, Bragago mudou-se para o Canadá. A perda desse poderoso defensor da produção de vinho desacelerou, sem dúvida, o desenvolvimento da viticultura nas ilhas da Nova Zelândia. Em respeito aos esforços de Bragago há mais de um século, Veseth seleciona um Pinot Noir de Quartz Reef em Central Otago. Bragago certa vez visitou a área e, profeticamente, declarou-a ideal para vinhos, especialmente Pinot Noir.
A jornada continua em direção à América do Sul, onde o Chile exporta cinco vezes mais vinhos do que é produzido na Nova Zelândia. Veseth nota que os países da região têm similaridades geográficas: “pequenas faixas de terra dispostas do sul ao norte, abrangendo as latitudes convencionais de vinho”.
Embora a discussão sobre o Chile não se detenha à deliciosamente apimentada uva Carménère, a seção sobre a adjacente Argentina destaca seu típico Malbec. Devido a sua qualidade, Veseth seleciona um vinho Catena Zapata como um dos 80 do livro, mas também elege o Colomé Auténico por não conhecer limites: suas uvas são cultivadas a uma altura de 2.300 metros.
A quarta seção do livro é intitulada “Sour Grapes?”. Nela, que trata da Califórnia, nos Estados Unidos, o autor conta que o trem turístico de Napa Valley começou a operar em 1860. Depois da Disneylândia e do Parque Nacional Yosemite, Napa é a terceira atração que mais recebe visitantes ao estado (são mais de 3 milhões anualmente). Ele sugere, ainda, uma visita à região vinícola de Ramona Valley, no sul da Califórnia, onde comida acessível e excelente está disponível em uma cena de vinhos que está começando a estourar.
Da Califórnia, o livro nos leva ao Pinot Noir Festival de Oregon e, então, à massiva Riesling Rendezvous, realizada a cada três anos em Seattle, Washington.
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O texto segue, então, para muitos locais dos Estados Unidos, listando diversas vinícolas por estado e relatando surpresas históricas. Apesar de muitos aficionados por vinhos saberem que as primeiras uvas do que é agora o país foram plantadas em 1639 perto de Socorro, no Novo México, poucos têm conhecimento de que a primeira área de viticultura foi estabelecida em 1980 no estado de Missouri (seguida de Napa Valley, meses depois).
A jornada de volta ao mundo retorna a Londres, onde o conjunto de garrafas selecionadas chega a apenas 56 unidades, menos do que a estimativa original. Os leitores são, então, convidados a escolher seus favoritos, depois de serem abastecidos com informações de algumas vinícolas premium.
Na história de Verne, a jornada pelo mundo transformou Phileas Fogg em um homem que aprendeu como saborear a vida, um homem mais feliz. Veseth conclui que “a melhor verdade do vinho é a habilidade de nos deixar felizes”. Ele também observa que nós não precisamos viajar pelo planeta para desfrutar de uma diversidade de vinhos excelentes.