Uma manhã ao lado de Ricardo Almeida é o suficiente para ver que precisão é palavra de ordem em sua vida. De segunda a sexta-feira, o estilista acorda antes das 6h e antes das 7h já está em seu escritório no bairro do Bom Retiro, onde sua equipe já o espera. Dadas as instruções do dia, de lá segue para a flagship da marca, no bairro dos Jardins, onde atendes clientes “sob medida”. Não é raro que a jornada vá até as 20h.
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Definitivamente não está em seus planos desacelerar – muito pelo contrário. No ano em que completa 35 anos de criação de sua grife homônima, Ricardo traça planos para o futuro, como abrir uma nova marca ao lado dos filhos. Um apaixonado confesso por seu ofício, ele faz ternos sob medida há 27 anos – diz que “deve ser um dos alfaiates que mais fez ternos no mundo”.
“No começo, eu fazia cerca de 15 atendimentos por dia e também completava o processo, o que inclui fazer o molde. Isso permite ao profissional enxergar de forma mais clara quais foram os erros”, explica.
Aficionado por modelagens, todos os anos de experiência não o fizeram acomodar. Durante a conversa, entendo por que Ricardo Almeida é o máximo dos máximos quando se trata de alfaiataria no Brasil e por que coleciona clientes por onde passa – e isso inclui celebridades, fashionistas, noivos, homens de negócios…
Leia a seguir os principais trechos da entrevista.
FORBES – Como foi o começo de sua carreira?
Ricardo Almeida – Há 35 anos, éramos eu e mais quatro pessoas. Saí de uma sociedade e montei uma oficina na edícula da minha casa, pois eu não tinha ainda um lugar para ir. E nós montamos ali uma coleção. Na sequência, arrumei um ponto na Rua Bandeira Paulista, e montei lá meu showroom e minha fábrica. Naquela época, a gente não fazia sob medida. Produzíamos para a marca própria e também para as principais marcas do Brasil, com a etiqueta do cliente. O sob medida veio depois, em 1991. Nunca imaginei que um dia chegaria onde estou. Temos 800 funcionários, e dá para ser maior.
Qual foi seu turning point?
Eu decidi não vender mais para os lojistas e montar minha loja própria (em 1991) porque acreditava em um produto de melhor qualidade, feito com tecido importado, diferente do que a maioria da indústria demandava. A procura era bem maior por roupas mais baratas. E aí houve um choque com o que eu queria fazer. Passados alguns anos, em 2009, percebi que eu tinha que aumentar meu número de lojas. Simultaneamente as grifes internacionais começaram a chegar, e eu vi que se não crescesse, eu ia começar a virar alfaiate de bairro, ia ser engolido pelos importados. Desde 2010, começamos a expandir a presença das lojas, que saltaram de duas para 23.
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Qual é o foco da grife?
É sempre se aprimorar e ter um produto cada vez melhor. Às vezes, as pessoas esquecem isso. Nosso crescimento é voltado para melhorar a qualidade. Porque quando consigo vender mais e faturar mais, consigo investir em um maquinário melhor e tornar o produto ainda mais top. Uma estrutura melhor de trabalho para o funcionário é muito importante. Aqui na fábrica nova [inaugurada em 2016], pensamos em tudo isso. Temos quadra de tênis, de futebol, área de produção com sonex para não ter barulho, piso gepox para não ter sujeira, salão de beleza, aula de dança, snooker, pebolim… É uma fábrica voltada para o funcionário, e isso acaba refletindo no resultado de sua produção. Se a pessoa trabalha em um lugar agradável, ela vai produzir melhor e com melhor qualidade.
O que mais gosta de fazer no trabalho?
Onde eu deposito mais meu tempo é fazendo moldes. Hoje não é nem criação, é fazendo modelagem mesmo. Tenho uma diretora de criação que está comigo há 23 anos, e ela está mais responsável por criar. Eu estudo muito modelagem. Até quando atendo clientes, acabo aprendendo – principalmente com os mais difíceis. Acabei de finalizar um molde de blazer no qual demorei dois anos para chegar ao resultado final. É mínima coisa melhor do que eu tenho na loja, mas que vai melhorar muito na hora de fazer a venda.
Quais são seus best-sellers?
A linha masculina vende muito, é o que mais traz dinheiro. De ternos sob medida, são em média 400 por mês, e de pronta-entrega, cerca de 2.500 peças por mês. Se eu computar desde 1991, quando eu atendia 15 pessoas por dia…
Quais são seus projetos atuais?
Estou trabalhando no lançamento de uma marca com os meus filhos, a RA2, uma roupa diferente, muito moderna, malha em cima de malha. Eles têm 14 e 15 anos, e penso em lançar essa marca em 2019. Será uma roupa para homens de 13 a 26 anos. Não quer dizer que eu não possa usar, eu mesmo usaria alguns modelos. Ainda não sei qual será a estratégia, mas a ideia é montar uma loja conceito e fazer muita venda pela internet, que é a leitura dessa molecada. Nós atuamos muito pouco com a Ricardo Almeida no online, porque nosso produto necessita de muita prova. Com essa nova marca, isso é totalmente possível, é outro foco. É uma faixa de preço mais acessível.
Como enfrentou os períodos de crise no Brasil?
Nós crescemos mesmo no ano passado e no retrasado (16% e 17%). O ano em que nosso faturamento cresceu menos foi este, entre 10% e 12%. Antes, era em média mais de 30% de crescimento. É um pouco decepcionante, quero sempre crescer entre 35% e 38%. Mas acho que isso vai melhorar. Para as classes mais altas, o problema não é falta de dinheiro, é esse desânimo geral que influencia as compras. Porque quem tem bom poder aquisitivo compra por prazer. Muitos clientes não precisam de mais um terno, pois já têm uns 100. Mas, se estiverem motivados, podem comprar mais 100.
Quanto custa um terno Ricardo Almeida?
Um terno sob medida, feito pela loja, começa em R$ 5.200. Se for feito para uma medida muito diferenciada e complicada, e que exige mais trabalho, vai para R$ 7.500. Se eu atender pessoalmente, cobro R$ 17 mil na maioria das vezes.
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Quais são suas parcerias?
Começamos em novembro de 2018 uma parceria com a Mercedes-Benz. A gente não gosta de fazer parcerias-relâmpago, não trabalhamos apenas pelo dinheiro. Tem que ser quem eu curta. Durante esse período, outras montadoras me procuraram e eu não aceitei.
Como é sua rotina?
Eu me levanto às 6h. A fábrica começa a trabalhar às 7h. Normalmente chego às 6h45 e muitas vezes fico trabalhando até as 20h na loja da Bela Cintra, atendendo clientes. Eu me divido entre aqui [fábrica] e os atendimentos na flagship da Rua Bela Cintra. Faço academia às terças e quintas. Durmo em média cinco horas por noite, mas também acontece de serem só duas horas – ou até menos…
Você pensa em parar um dia?
É difícil parar. Acho irreal a pessoa falar “vou parar de trabalhar”. O que eu vou fazer no tempo livre? A vantagem é que eu trabalho com o que gosto.
Pretende passar seu legado para os filhos?
Vamos ver como se desenvolve a marca com meus filhos mais novos. Já tenho um filho que trabalha comigo no Iguatemi [são quatro filhos no total]. Acho que eles têm que escolher o que querem fazer, mas vou dar um incentivo para os mais novos. A empresa é 100% minha e da minha filha. Teoricamente, os outros vão entrar na participação.
Já pensou em vender a grife?
Minha ideia é vender 20% da empresa para alguém que me ajude na parte de gestão financeira para que eu possa, assim, focar só no que eu mais gosto. Vou começar a olhar para isso em 2019. Penso em vender para um fundo que tenha gestão forte. E que também garanta todo esse cuidado que eu tenho com a marca. Por isso, vai ter um namoro antes. Se não rolar, tudo bem também.
Reportagem publicada na edição 64, lançada em janeiro de 2019