Resumo:
- Vik Muniz, fotógrafo brasileiro, é o mais novo artista a colaborar com a Maison Ruinart, casa de champanhe mais antiga da história;
- O projeto faz parte da série de colaborações artísticas da Ruinart, que seleciona um artista para expor obras em suas adegas durante um ano;
- Em entrevista, Muniz, que trabalhou no filme “Lixo Extraordinário”, fala sobre suas inspirações e sobre como foi possível fazer o projeto virar realidade.
O fotógrafo brasileiro Vik Muniz é o mais novo artista a colaborar com a Maison Ruinart, casa de champanhe mais antiga da história, criada em 1729. Todo ano, a Ruinart seleciona um talento para fazer uma residência, como parte de suas iniciativas artísticas. Neste ano, Muniz criou seis obras fotográficas e uma instalação interativa, que ficarão expostas permanentemente nas adegas da produtora de bebidas em Reims, na França.
Veja, a seguir, os melhores momentos da entrevista concedida pelo artista a Forbes:
Forbes: Fale mais sobre sua conexão com comida e champanhe.
Vik Muniz: Eu estou vivo e me alimento (risos). Às vezes, tenho motivos para comemorar isso. Todo mundo tem uma conexão com a comida, mas algumas pessoas optam por ter mais do que isso.
Estava conversando com um conhecido sobre a união entre artistas e cozinheiros. Este foi um projeto em que chefs fizeram arte e artistas fizeram comida. Eles até disseram que os artistas se saíram muito melhor do que os chefs. Muitas pessoas que trabalham com arte também trabalham com os sentidos. Eu conheço muitos artistas que são cozinheiros realmente bons. Eu gosto de cozinhar. Gosto de combinar materiais e ver os resultados. É um processo muito criativo. Mas, às vezes, ser criativo demais resulta em comida ruim.
F: Você cozinha da mesma maneira que faz sua arte?
VM: Bem, a maneira como faço arte é muito instintiva e também muito empírica. Se eu cozinhasse assim, eu teria que jogar muita comida fora, da mesma maneira que jogo fora minhas obras de arte. Conversando com chefs e cientistas, percebo que são processos muito semelhantes. Você vai experimentando as coisas até que elas estejam prontas para serem apresentadas. Acho que estou mais interessado em criar processos do que em criar o projeto final. Quando penso sobre qual é a verdadeira arte no trabalho que faço, vejo que trabalho em partes. Acho que a obra de arte deve ser seriada, como se fosse quadro a quadro, em uma única imagem. Adoro a ideia de que, no momento em que se interessa por algo, você começa a experimentar, desenvolver uma técnica, um processo e realmente a dominar os procedimentos. Mas, de repente, há uma curva em que o seu interesse desvia do foco, porque você se cansa de fazer aquilo. Para mim, essa bola de fogo é a arte. Se eu fosse um chef, seria parecido com Ferran Adrià, um cozinheiro que está inventando coisas. Mesmo que seus pratos não sejam os mais apetitosos, são muito interessantes. Eles não são como um bom e tradicional prato de massa, mas despertam a curiosidade. É mais intrigante. Mas eu prefiro o tipo de chef que prova a comida que faz, menos conceitual.
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F: Como surgiu a ideia deste projeto com a Ruinart?
VM: Eu estou sempre envolvido em quatro ou cinco projetos diferentes simultaneamente, então não fico entediado com nenhum deles. Eu tenho um projeto em que faço fac-símiles (cópia ou reprodução de composições tipográficas) das pinturas mais famosas do mundo. Eu faço isso há 15 anos. Em meus projetos, colaboro com pessoas, não artistas. Foi o que eu fiz para o filme “Lixo Extraordinário”. Eu convidei pessoas que trabalhavam em lixões e na área de reciclagem para ir ao estúdio e trabalhar em seus próprios projetos. Agora estou trabalhando em um com refugiados em Bangladesh.
Sempre deixo espaço na minha agenda para trabalhar com pessoas que têm especialidades completamente diferentes das minhas. Há alguns anos, trabalhei com o engenheiro biogenético Tal Danino em uma residência com o Instituto de Tecnologia de Massachusetts, onde fizemos desenhos com células bacterianas. Também já trabalhei com pessoas da nanotecnologia. Elas têm uma maneira completamente diferente de ver as coisas. O olfato mais apurado do mundo talvez seja de quem trabalha na perfumaria Guerlain, em Paris. Então, fiz um projeto com eles sobre o sentido do olfato – o que é engraçado agora que tenho alergias.
Foi lá que conheci Frédéric Dufour, CEO da Ruinart. Claro, eu já gostava do champanhe deles, bebida comum em feiras de arte. Ele apresentou e me convidou para este projeto que realiza anualmente com artistas. Por curiosidade, aceitei a proposta. Então, eu conheci Frédéric Panaïotis (mestre da adega da Ruinart) e me envolvi totalmente com a iniciativa. Ele é aquele tipo de pessoa totalmente apaixonada pelo que faz. Olha para a natureza de uma maneira completamente diferente da minha. Eu olho para as coisas por sentimento, por expressão. Para mim, as árvores são como gestos. Para ele, são como sistemas. Assim, encontramos um meio termo. Nós nos demos bem e nos tornamos amigos. Eu queria fazer uma obra do tipo há um bom tempo. Há dez anos venho tentando explorar e experimentar com árvores. Esta foi a chance de fazer isso.
F: Estas colaborações da Ruinart estão em andamento há muito tempo, antes mesmo de você se envolver com o projeto.
VM: Sim, mas tive a chance de melhorar o projeto, pois o que eu estava tentando fazer era muito difícil, dada a escala da obra. Quando vi as árvores – videiras – pela primeira vez, achei que eram pequenos bonsais. Se você olhar para elas como objetos, verá que são muito fascinantes. São abstrações e contam pequenas histórias.
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F: O filme “Lixo Extraordinário” afetou a maneira como você olha para projetos futuros e para o mundo?
VM: Sim, com certeza. Após passar certo tempo trabalhando com pessoas, você não consegue mais trabalhar sozinho. E isso afeta o seu trabalho. Se você trabalha com assistentes, está compartilhando coisas da sua rotina. E não é uma coisa ruim, mas você tem que incorporar isso na dinâmica do cotidiano. Você está sempre compartilhando os resultados do seu trabalho, mas nunca o processo. Meu trabalho se trata de processo, e compartilhá-lo tornou-se uma prioridade. Eu me sinto muito bem fazendo pessoas que não são artistas trabalharem comigo e dando a elas uma chance de ver o processo. Isso muda totalmente suas vidas.
Isso aconteceu com “Lixo Extraordinário”. Na época, eu estava vivendo um momento muito importante, era o meio da minha carreira. Quando uma pessoa está começando na profissão de artista, ela está fazendo arte porque quer se tornar artista. Mas, quando está trabalhando com isso há 20 anos, não há mais desculpa. A pessoa já é artista. Sendo assim, o que a move? O que é arte? Muitas pessoas caem neste tipo de limbo porque sentem que atingiram um determinado objetivo em suas carreiras e não podem ir mais longe. Acho que fiz esse filme no momento mais apropriado, porque me dei conta da importância. Quando as pessoas tomam esse tipo de decisão, elas são movidas de forma sincera. Isso realmente muda a maneira como veem as coisas. Mudar a forma como as pessoas veem as coisas é o principal objetivo dos artistas.
Para mim, trabalhar com outras pessoas tornou-se parte fundamental do meu trabalho. Eu não tenho o resultado que quero, mas acabo conseguindo algo muito maior.
F: É incrível como a vida nos leva em direções diferentes.
VM: É engraçado. Em uma semana, eu estava em Bangladesh e, na semana seguinte, jantei em um restaurante com duas estrelas Michelin na França. Eu amo aproveitar ao máximo a experiência. Na África, por exemplo, dormi em esteiras e comi com as mãos. E, de repente, você se vê dividindo uma mesa com algum oligarca em Moscou, contando o que estava fazendo na África. É muito importante fazer arte que seja relevante para o tempo que está vivendo. Você tem que viver. Você tem que explorar de verdade. Se você não vive, não pode fazer arte. Sou muito curioso.
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