Gosta de ouvir música enquanto passeia por uma reportagem? Então, antes de mergulharmos juntos nas profundezas do subterrâneo moscovita, sintonize no Spotify duas bandas: Zemfira e Khino, uma boa trilha sonora russa para ficarmos no mesmo ritmo – você, enquanto lê; eu, enquanto escrevo (se prefere ler em silêncio, sem problemas, vai se divertir também – de fato, raramente escrevo com fones no ouvido).
O próximo passo é estabelecermos uma relação de confiança mínima para você acreditar em frases do tipo: o metrô de Moscou é o mais lindo do mundo. Isso não quer dizer que eu tenha percorrido todos os metrôs da Terra, nem esteja puxando a sardinha para a cidade que já visitei cinco vezes entre 1997 e 2010. Estou baseando a comparação com a observação de capitais da Europa ocidental, algumas metrópoles asiáticas e cidades mais conhecidas na América do Norte e do Sul.
Pronto. Tudo certo, agora, para você saber que, caso um dia esteja em Moscou, com um frio de rachar, não precisa ter pressa para voltar à superfície – siga no metrô por mais tempo, pois não faltarão coisas lindas para admirar em dezenas (lembre-se que não sou de exagerar) de estações. São paredes ornamentadas de mosaicos coloridos, tetos ornamentados com lustres suntuosos, séries de estátuas enormes, colunas de formatos surpreendentes e pisos de pedras nobres que dão vontade de andar de pantufas – só de mármore no chão são 340 mil metros quadrados.
O metrô mais lindo do planeta foi inaugurado em 15 de maio de 1935, com dez estações em uma linha. Atualmente, são 232 estações em 12 linhas, 346 quilômetros de trilhos, 8,5 milhões de passageiros diários (maior volume de passageiros do planeta), viajando a uma velocidade média (incluindo as paradas) de 41,6 km/h – com intervalo de minuto e meio entre um trem e outro na plataforma. Para dar conta do recado, o metrô moscovita emprega 57 mil pessoas. Mas, camarada, por que diabos esse metrô ficou bonito desse jeito?
Porque Josef Stalin quis assim. “A aristocracia construiu seus palácios. Nós vamos construir os nossos. Eles serão subterrâneos e servirão à classe operária.” Aí, reuniu os grandes arquitetos da ocasião com matéria-prima garimpada em cantos remotos dos rincões da antiga União Soviética. Nem mesmo durante os anos da Segunda Guerra Mundial, a obra do metrô foi paralisada – de 1941 a 1945, seis estações foram inauguradas. No momento em que a Alemanha ameaçava invadir o território soviético, as estações moscovitas viraram hospital e abrigo antiaéreo.
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Hoje, as estações funcionam como a melhor maneira de o visitante deslizar entre as diversas atrações da cidade. E, como não tem passeio em Moscou antes de visitar a Praça Vermelha (Catedral de São Basílio, de 1561, Mausoléu do Lenin e muro do Kremlin), é justo que a primeira estação citada seja sua porta de entrada: essa maravilha chamada Ploschad Revolyutsii – 76 estátuas de bronze, em tamanho natural, esculpidas por M. Manizer, e lustres pendentes que parecem iluminar um grande salão de festas.
Outro brinco, na mesma linha azul (ou Arbatsko-Pokrovskaya), é a estação Arbatskaya, que dá acesso ao Museu Pushkin e à Catedral do Cristo Salvador – templo ortodoxo demolido por Stalin em 1931, transformado em piscina pública e reconstruído na década de 1990 (duas visitas que podem ocupar um dia inteiro de deleite). Já que o assunto é a linha azul, por favor, tome nota de mais duas estações e não deixe de conhecê-las por nada neste mundo: Elektrozavodskaya (com um teto fantástico e esculturas de mármore do artista G. Motovilov) e Kievskaya (com grandes mosaicos coloridos sobre os bancos na plataforma). Ainda no centrão de Moscou, para chegar às bilheterias do Kremlin ou do Teatro Bolshoi, use a estação Okhotny Ryad.
O divertido de flanar por centenas de estações identificadas com nomes escritos no alfabeto cirílico é ter tempo, principalmente, para se perder. O que não chega a ser perda de tempo em um sistema de transporte público onde as belezas estão esparramadas por todos os cantos – não há como escapar. Agora, se não tiver todo esse tempo ou paciência para ficar fazendo as transferências (o que pode ser difícil, uma vez que a mesma estação recebe nomes diferentes quando é trespassada por outras linhas), escolha a Koltsevaya (a linha circular).
As paradas da linha circular cruzam todas as 12 linhas do sistema em um percurso de 19,4 quilômetros, conectando também o metrô a sete das nove estações de trem da cidade, como a belíssima Belorusskaya, de onde partem os comboios rumo ao oeste da Rússia, para capitais como Minsk, Praga, Varsóvia, Berlim e Paris. Mas o mais importante: é nessa linha que estão as paradas mais incríveis – a começar pelas entradas, ricamente ornamentadas. A Komsomolskaya, por exemplo, recebeu o Grand Prix na Exibição Mundial de Bruxelas, em 1958. Os mosaicos internos são de autoria do artista P. Korin. As decorações internas de Kurskaya, Taganskaya e Dobryninskaya também vão te segurar sob a terra, e vai demorar para você sair e bater perna na rua.
Não são apenas as linhas das décadas de 1930, 40 e 50 que impressionam. Em 1978, ficou pronta a linha Kaluzhsko-Rizhskaya, que liga o centro à zona norte de Moscou e leva a paragens que, muitas vezes, o turista não visita. Como é o caso da estação VDNKh (All Russia Exhibition Center), que dá acesso ao parque de mesmo nome, construído entre 1935 e 1939 com o intuito de enaltecer as glórias do império soviético. Excelente lugar para testemunhar os moscovitas passeando com a família, paquerando e praticando esportes entre os pavilhões batizados com os nomes das antigas repúblicas. Estátuas douradas retratam cenas clássicas da época, como o motorista de trator e a camponesa carregando o trigo, logo no topo do portão principal – estátua assinada por Vera Mukhina, que foi destaque na Exibição de Paris, em 1937. Prepare-se para segurar o queixo ao chegar aos pés do Obelisco Espacial, de 107 metros de titânio, erguido em 1964, três anos após Yuri Gagarin se tornar o primeiro ser humano no espaço.
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Quando estiver mais habituado a se virar com as letras cirílicas, proponho encontrar no mapa as estações mais próximas a um conjunto arquitetônico que também passa longe dos roteiros mais turísticos em Moscou: as Sete Irmãs, prédios espalhados pela capital (para diferentes finalidades – residencial, órgãos do governo, hotel…) que se destacam não pela altura – como os arranha-céus nova- -iorquinos – mas pela imponência. Está com dúvida por qual começar? Deixo cá o meu favorito: a Universidade de Moscou, a mais alta das Sete Irmãs (36 andares em 240 metros, com um pináculo de 57 metros, onde está espetada uma estrela de cinco pontas com 12 toneladas), projetada por Lev Rudnev e inaugurada em setembro de 1953. A estação mais próxima é a Universitet.
Desculpe interromper a conversa, assim, de repente. Preciso encontrar o quanto antes o ponto-final para este texto. A ideia nem era escrever tanto; queríamos um bom espaço para as fotos. Mas Moscou sempre faz isso comigo: uma vez que desço as escadas quase sem fim e me vejo em uma estação de metrô (literalmente ou viajando a distância, como agora), fico absorvido. Desorientado.
Espero que tenha gostado da música.
Reportagem publicada na edição 70, lançada em agosto de 2019
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