Sob o sol escaldante do sul do Piauí e sobre uma terra seca, misturada à areia e coberta por vegetação pálida, campos inóspitos se desenham no horizonte, com árvores pontuais e exuberantes. Parece um milagre, como o que mantém vivo o frutífero juazeiro. Trabalhadores locais e animais caminham como em uma procissão, vencendo o calor arrebatador a cada passo. Por aqui, viver é sinônimo de resistir.
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O cenário improvável de fileiras de majestosas palmeiras, que beiram os 10 metros de altura com frondes perfeitamente verdes, transformou a (dura) vida dos 900 habitantes da comunidade de Várzea Queimada. A Palmeira de Carnaúba, espécie endêmica do semiárido do Nordeste brasileiro, é mais conhecida por sua cera, extraída das folhas e amplamente utilizada em processos industriais diversos. A novidade é que o trabalho de 33 mulheres artesãs, que confeccionam peças de design feitas a partir da palha de carnaúba, foi reconhecido internacionalmente.
Quem apresenta o “caminho da palha” para alcançar tal feito é o arquiteto Marcelo Rosenbaum, que pisou pela primeira vez na microrregião em 2012. “Em 2009 peguei um mapa do Brasil e olhei onde estavam as regiões com o IDH [Índice de Desenvolvimento Humano] mais baixo. Naquele momento, o meu primeiro objetivo era resgatar técnicas ancestrais de artesanato e mantê-las vivas.” Entre a pesquisa e a prática, foram três anos de amadurecimento do projeto.
Abraçado pela comunidade, Marcelo estimulou o trabalho de transformar o artesanato em produtos (cestos, luminárias, lustres), criar valor para as peças e elevá-las como arte, modificando a autoestima da comunidade e suas expectativas sobre o futuro. A fórmula vem dando certo.
MAIS DE € 200 MIL EM PREMIAÇÃO
“Primeiro, você pega essa palha do canto direito, mas não pode soltar o outro lado; aí, você passa uma por cima e outra por baixo. Entendeu?”, demonstra Maria, na tentativa de explicar como se tece uma trança de palha, fundamental na construção das peças. Quem acompanha com os olhos atentos é o diretor geral da Montblanc do Brasil, o francês Michel Cheval, que parece dominar a técnica rapidamente.
O motivo de sua visita é contar, ao vivo, que o projeto desenvolvido em Várzea Queimada é um dos contemplados na 28ª edição do Prêmio Montblanc de Cultura, realizado anualmente e que premia patronos de arte modernos ao redor do mundo. O trabalho desenvolvido em Várzea Queimada é um dos projetos do Instituto A Gente Transforma, criado por Marcelo em 2016.
A seleção da edição deste ano foi feita a partir de uma lista de 50 nomes que mantêm projetos culturais e escolhida por um time de jurados de peso, entre eles Anne Barlow (diretora da Tate St. Ives) e Jochen Volz (diretor da Pinacoteca do Estado de São Paulo), além da dupla Sam Bardaouil e Till Fellrath, os presidentes da Fundação Montblanc. Com o reconhecimento, cada um dos 13 projetos selecionados será premiado com € 15 mil. Além do brasileiro Rosenbaum, os patronos deste ano são da Alemanha, Colômbia, Coreia, Espanha, Estados Unidos, França, Itália, México, Reino Unido, Rússia e Suíça. Ao receberem a notícia do prêmio pelo representante da marca alemã, a alegria foi imediata – e tudo terminou em um baile de forró em que o francês Cheval teve que assimilar rapidamente os macetes da dança nordestina.
Reportagem publicada na edição 70, lançada em agosto de 2019
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