Quando a Boeing anunciou as negociações para a compra da Embraer, em meados do ano passado, muito se especulou sobre o futuro da fabricante brasileira. Como a Embraer – orgulho nacional e uma das empresas mais intensivas em tecnologia do país – poderia sobreviver sem sua espinha dorsal, a área de jatos regionais? Na época, a divisão de jatos regionais era responsável por 60% das receitas e quase 90% do lucro. As divisões de Defesa e Executiva, que ficaram de fora do acordo com a Boeing, não passavam de 20% do negócio. Cerca de um ano depois, porém, a fotografia é outra.
A Embraer, que em 19 de agosto comemorou 50 anos, apresentou recentemente duas grandes notícias que apontam para um cenário mais otimista para o futuro da “empresa remanescente”. A primeira: venda internacional do cargueiro militar KC-390 para Portugal, um negócio de quase US$ 1 bilhão. O avião, que passou os últimos anos em desenvolvimento, consumindo investimentos, agora entra na fase de gerar receita. A segunda: certificação dos jatos executivos Praetor 500 e 600 – aviões de categorias médio e supermédio que entregam mais performance a um custo mais competitivo que seus concorrentes mais diretos.
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O modelo 600 – de US$ 21 milhões e autonomia para voar de São Paulo a Miami – foi o primeiro a ser certificado e teve a primeira entrega em junho para um cliente europeu. Pelo menos três clientes brasileiros – dois do mercado financeiro e um de startup de tecnologia – já garantiram o seu. “O Praetor 600 já tem uma fila de espera de um ano”, diz Gustavo Teixeira, diretor de vendas da Embraer Aviação Executiva.
Diferentemente dos anos passados, é o segmento de Aviação Executiva – e a família Praetor em particular – que tem puxado o crescimento da carteira de encomendas da Embraer este ano. No fim do primeiro semestre, a carteira de pedidos estava em US$ 13,9 bilhões. A relação entre o volume de encomendas e de entregas, o chamado book to bill, que mede a saúde futura do negócio, está acima de 1x em todos os segmentos, chegando a 1,5x na Executiva.
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No primeiro semestre, a Aviação Executiva foi responsável por 19% do faturamento da Embraer – e a Defesa, por 17%. Enquanto no período a receita cresceu quase 10% (semestre contra semestre), a participação da Aviação Comercial caiu para 41,5%.
A sinergia das divisões Comercial, Executiva e Defesa na pesquisa e desenvolvimento sempre foi um dos grandes diferenciais da Embraer, permitindo à fabricante entregar produtos reconhecidos no mercado como bastante eficientes: alta tecnologia embarcada, excelente desempenho e baixo custo operacional. E, mesmo sem a Comercial (que deve passar para o controle da Boeing até o fim do ano, com a conclusão dos trâmites regulatórios), as áreas de Defesa e Executiva seguirão atuando de forma sinérgica.
Em junho, a Embraer apresentou no Salão Aeronáutico de Le Bourget, em Paris, o P600 AEW. O avião é baseado na plataforma do Praetor 600 e é o primeiro modelo militar desenvolvido após o acordo com a Boeing.
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O P600 AEW é um avião para missões de vigilância e inteligência e será equipado com sistemas desenvolvidos pela Elta Systems, de Israel, como radares de alerta antecipado e sensores de inteligência, de vigilância e de coleta de dados.
A Embraer sai da disputa do mercado de aviação regional – em que hoje é líder, com 60% do mercado – deixando para a Boeing a tarefa de enfrentar um cenário cada vez mais desafiador, com novos players vindo da China, do Japão e da Rússia e, principalmente, com a associação da rival Bombardier com a Airbus. Mas a concorrência na Executiva não é menos acirrada: Bombardier, Dassault, Gulfstream e Textron (Cessna) são grandes concorrentes com portfólios altamente competitivos.
A Embraer estreou na Aviação Executiva no ano 2000 e hoje detém 13% de participação de mercado, com 1.300 jatos voando em todo o mundo, sendo 190 no Brasil. Seu portfólio vai desde um jato de entrada como o Phenom 100 até o Lineage 1000E, um projeto derivado dos jatos regionais. “Para conseguir sobressair no jato executivo, a Embraer vai precisar entrar no segmento de longo alcance”, avalia Marcos Barbieri Ferreira, coordenador do Laboratório de Estudos das Indústrias Aeroespaciais e de Defesa da Unicamp e um dos maiores críticos, no meio acadêmico, da associação da Embraer com a Boeing.
O segmento conta com jatos como o Global 8000 da Bombardier, com alcance de 7.900 milhas náuticas e preço de lista de US$ 68,7 milhões. Ou o Gulfstream 650ER, de 7.500 mn, que custa US$ 66,5 milhões. A Bombardier estima que o mercado irá demandar 5.250 jatos na categoria de longo e ultralongo alcance, que são equipamentos que variam de US$ 50 milhões a US$ 75 milhões, no período de 20 anos que vai até 2033.
O professor da Unicamp avalia como correta a estratégia da Embraer para a Aviação Executiva até o momento – mas
questiona a capacidade da fabricante de seguir sem as sinergias do segmento de aviação comercial. “A Embraer começou com o Legacy, entrou no segmento de jatos leves com o Phenom, aprendeu a vender, consolidou a marca. Com os Praetor, ela ensaia a entrada num segmento mais sofisticado. Mas será que sem a aviação comercial ela vai ter capacidade financeira e tecnológica para dar um passo além, investindo no segmento de longo alcance, que é onde se ganha dinheiro no mercado de jatos executivos?”
POR DENTRO DOS NOVOS PRAETOR
Os jatos Praetor 500 e Praetor 600 qualificaram a Embraer para brigar a sério no segmento de jatos executivos de
porte médio e supermédio. Os Praetor trazem para essas categorias – cuja faixa de preço vai até US$ 30 milhões – elementos típicos de jatos de grande porte (acima de US$ 50 milhões), como sistema full fly by wire, redução ativa de turbulência e internet de alta velocidade.
Primeiro a ser certificado, o Praetor 600 acomoda de oito a 12 passageiros e tem autonomia para voar de São Paulo a Miami ou Madri a Recife sem escalas. São 7.400 quilômetros de autonomia, marca que supera o Gulfstream G280, até então líder da categoria no quesito. Já o Praetor 500, cujas primeiras entregas devem ocorrer até o fim do ano, será o mais rápido da categoria média, capaz de chegar à Europa partindo da costa oeste dos Estados Unidos com apenas uma parada. Os dois Praetor decolam curto e sobem com muita velocidade, características que permitem operar em pistas menores, como as do aeroporto de Angra dos Reis e Jacarepaguá.
Em agosto, a Forbes acompanhou o voo do Praetor 500 de São José dos Campos até Congonhas, onde ele ficaria estacionado para participar, pela primeira vez, da feira Labace (maior evento de aviação de negócios da América Latina). A viagem começou com uma “decolagem de alta performance” – manobra que os pilotos costumam fazer para impressionar passageiros: uma subida brusca com motores em potência máxima – de fazer você grudar na poltrona. Mas tudo ao mesmo tempo muito suave, com um ruído no interior da cabine surpreendentemente baixo. Ao final, pousamos praticamente junto com o Praetor 600 que vinha diretamente de Fort Lauderdale, na Flórida, também para ser exibido pela primeira vez na Labace.
A cabine dos dois Praetor é bastante confortável, com 2,08 metros de largura e 1,83 metro de altura. O design do interior foi desenvolvido na oficina da Embraer em Sorocaba e inclui soluções como um corrimão superior nas laterais e assentos que se juntam para formar uma cama. Batizado de Bossa Nova, o interior pode ser customizado com inúmeras variações de cores e padrões.
O Praetor 600 pode ter até quatro camas – enquanto o 500 acomoda duas camas. Internamente, os dois jatos são muito similares – o que muda é o comprimento da cabine. Os dois modelos têm espaço para bagagens dentro da cabine, cozinha e lavabo privativo (que pode ganhar uma cobertura de assento com cinto de segurança e ainda transportar um passageiro extra).
Com uma internet banda larga com até 16 Mbps, permite realizar videoconferências ou maratonar em séries da Netflix.
Os jatos Praetor foram desenvolvidos ao longo de dois anos de maneira sigilosa – e apresentados ao público pela
primeira vez em 2018. Só dez pessoas sabiam do nome do novo avião durante a fase do desenvolvimento, quando os engenheiros foram desafiados a apresentar um produto capaz de superar a concorrência em performance de voo.
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Os Praetor se baseiam nos Legacy 450 e 500, modelos que tiveram um sucesso de vendas moderado – cerca de 100 unidades – mas que foram bastante inovadores no segmento de médio porte ao introduzir avanços tecnológicos como o já citado full fly by wire – tecnologia que nasceu com a Nasa para a missão Apollo. A tecnologia substitui controles manuais por uma interface eletrônica, reduzindo a quantidade de componentes mecânicos, o que se traduz em menores custos de manutenção. No Praetor, a manutenção é feita a cada 600 horas de voo, enquanto em aviões sem a tecnologia costuma ser de 400. Para o Praetor, a Embraer aperfeiçoou esses avanços tecnológicos e ampliou a performance de voo.
A CONCORRÊNCIA
O Praetor 600 coloca a Embraer na disputa pelo concorrido segmento supermidsize – mercado que deve movimentar US$ 33 bilhões na próxima década. O segmento é dominado pelo Challenger 350 da Bombardier, jato lançado em 2014 e que tem quase 60% de participação. Concorrem também os modelos Gulfstream G280 e o Falcon 2000S da Dassault, projetos mais antigos.
Além de ser o modelo de maior alcance, o novato Praetor é também o mais barato dos quatro: US$ 21 milhões. Na outra ponta da categoria está o Falcon 2000S, com preço de lista de US$ 30 milhões. O título de aeronave mais nova da categoria, no entanto, vai ser perdido em breve, com a chegada do Citation Longitude, o novo supermidsize da Textron. O jato está em fase final de certificação e deve chegar ao mercado custando US$ 27 milhões.
Leonardo Fiuza, CEO da TAM Aviação Executiva, que representa a Textron no Brasil, acredita que deve fechar pelo menos uma venda do Longitude no Brasil até o fim do ano. “Dá para notar uma melhora do mercado. Não é nada comparável ao período pré-crise, mas já está melhor do que nos últimos três anos.”
HELICÓPTEROS
O mercado de helicópteros é dividido entre “SUVs” e “fusquinhas”. De um lado estão os bimotores top de linha: modelos como o Bell 525 Relentless ou o AgustaWestland AW139, que custam em torno de US$ 15 milhões. São o estado da arte, com as mais avançadas tecnologias e interior luxuoso, usados em missões que vão desde o transporte executivo a deslocamento para plataformas de petróleo.
Já os “fusquinhas” custam em torno de US$ 4 milhões e são baseados em projetos antigos, dos anos 60 e 70, com pouca inovação embarcada. Costumam ser usados em missões que vão desde o transporte executivo até resgate aeromédico e operações policiais. É nesse segmento que a fabricante novata Kopter, da Suíça, vem para brigar.
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Mais novo projeto de helicóptero monomotor do mercado, o Kopter SH09 traz para o segmento de entrada tecnologias de topo de linha, como cabine de material composto, rotor de cauda carenado e rotor principal com cinco pás – tecnologias que ajudam a reduzir ruídos e vibrações, além de propiciar mais segurança. O Kopter tem uma cabine ampla (6,5 metros cúbicos) e capacidade para oito passageiros – tamanho mais comum em modelos biturbina. Custa US$ 4,4 milhões.
Por ser um projeto novo, o Kopter será certificado com critérios mais rígidos de segurança – como um design resistente a queda dura – nem sempre exigida dos projetos antigos, explica o vice-presidente da Kopter, Christian Gras, em entrevista à Forbes Brasil. Ele aposta nas inovações para crescer em um mercado dominado pelos modelos Esquilo H125, Bell 407 e H130 (Airbus/Helibras).
“O mercado de helicópteros biturbina está saturado. A demanda da indústria de óleo e gás levou a uma grande produção, mas, com a queda na demanda no setor, está sobrando helicóptero”, afirma Gras. “Já o segmento monoturbina é carente de inovações.” O Kopter SH09 deve ser certificado até meados do ano que vem e já conta com 70 pedidos firmes e 100 cartas de intenção. “Estamos em negociações avançadas para a venda de dez unidades no Brasil, para clientes particulares e de táxi aéreo”, adianta o executivo.
A Kopter nasceu há dez anos como Marenco Swisshelicopter. O projeto vinha evoluindo devagar até que em 2016 a empresa foi comprada pelo bilionário russo Alexander Mamut, que foi assessor do ex-presidente Boris Yeltsin. Já são mais de 300 engenheiros e técnicos trabalhando na sede, na Suíça. Até a conclusão da campanha de certificação, o programa terá consumido US$ 600 milhões em investimentos.
Os Kopter SH09 serão fabricados não só na Suíça, mas também nos EUA e no Brasil. Christian Gras está em conversas avançadas com potenciais sócios investidores para levantar US$ 50 milhões para montar uma fábrica no país – e também com governos e prefeituras de São Paulo e do Paraná. “Queremos um sócio brasileiro que detenha dois terços do negócio para podermos nos qualificar para concorrer no mercado de Defesa”, continua Gras, que morou no Brasil como representante da Airbus para a América Latina.
O Brasil também deve servir de base para a exportação do SH09 para América Latina e África. A Kopter Brasil será a segunda planta de helicópteros do país – concorrendo diretamente com a Helibras, sociedade da Airbus com o governo de Minas Gerais. Enquanto a fábrica não sai do papel, o modelo será vendido no Brasil pelo representante Gualter Helicópteros.
O plano é iniciar a produção com dez helicópteros no primeiro ano (2021), alcançando a capacidade de 100 unidades em quatro ou cinco anos – considerando todas as plantas. O projeto da Kopter já prevê versões mais avançadas: uma com piloto automático, a ser certificada até 2022, e uma versão híbrida com um motor elétrico (que garante um backup com 15 minutos de autonomia), prevista para 2024.
ESPAÇO DE SOBRA NO ACH145, DA AIRBUS
Sobrevoar São Paulo de helicóptero pode assustar: lá do alto a poluição fica muito mais nítida. A imagem fica menos indigesta quando se está a bordo de um helicóptero extremamente confortável e silencioso: o ACH145, da Airbus. Não há limites para a customização do modelo desenvolvido para o mercado executivo – a sigla ACH significa Airbus Corporate Helicopter.
Trata-se de uma aeronave espaçosa, que pode transportar até oito passageiros, além de piloto e copiloto, equipada com bancos modulares que são facilmente removidos caso não haja audiência para tanto. Um de seus grandes trunfos é o peso (ou a falta dele): a maioria dos helipontos de São Paulo suporta até 4 toneladas, 0,2 tonelada a mais que o peso máximo desta aeronave.
Já voam em céus brasileiros três unidades, número que saltará para sete até 2020 (Neymar é um dos novos proprietários).
Se a versão de US$ 11 milhões encanta, a feita em parceria com a Mercedes-Benz, que conheci já em solo firme durante a Labace, é de saltar aos olhos. Ao entrar no protótipo, a sensação é de estar dentro de um carro da montadora alemã: extremamente bem acabado, com couro tipo pelica em todo o interior. Todo esse estilo tem um preço: cerca de US$ 1 milhão a mais na conta. (Giulianna Iodice)
Reportagem publicada na edição 71, lançada em setembro de 2019
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