“A lembrança dos 12 dias de navio de Barcelona até Santos é muito boa. Tive meu primeiro upgrade da vida: me colocaram em uma cabine do navio Cabo San Roque que certamente não era para imigrantes como eu. Lembro de muita gente mais velha viajando em pé, fumando, olhando o horizonte, tentando prever o futuro. Meu pai tinha vindo antes e comprou uma tecelagem. Eram tempos difíceis na Espanha, e no Brasil o governo oferecia vantagens econômicas. Cheguei dia 2 de janeiro de 1970. Ia fazer 18 anos.”
Duran afirma que sempre associa fotografia a viagens – não exatamente pelo impacto da experiência descrita acima. “É tudo culpa do fotógrafo Oriol Maspons, que se interessou por uma prima minha. Para se apresentar, ele apareceu em casa usando uma calça xadrez branca e preta – algo impensável na época –, contando histórias fantásticas das viagens que tinha feito. Era aquilo que eu queria da vida”, lembra.
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“Fui um péssimo aluno. Repetia todo ano, ficava de segunda época. A única vez que não fiquei meu pai me pôs pra trabalhar em uma linotipia. Mas comecei a trabalhar de verdade no Brasil. Consegui uma chance como assistente do assistente do fotógrafo catalão Marcel Giró, com quem aprendi boa parte do que sei. Conheci Giró graças à minha mãe. Ela comprou a revista “Bondinho”, viu uma matéria sobre profissionais que fotografavam crianças, entre eles Giró. Levou meus irmãos, de 2 e 5 anos, para um casting, e aproveitou para perguntar se me aceitava como assistente. Demorei seis meses para sair da inércia e ir ao estúdio. Fui numa sexta e comecei na segunda. Morava em Perdizes [bairro paulistano]; o estúdio era na República do Líbano. Ia de manhã para a escola, pegava um circular até o Anhangabaú e depois o Jardim Miriam, ônibus que demorei a entender por que tinha lama no piso.”
Começava, assim, o aprendizado de Josep Ruaix Duran, que se tornaria o autor de, literalmente, nove das dez capas mais vendidas da revista “Playboy” (1975-2017), com intensa produção de retratos e editoriais de moda para “bíblias” como a “Harper’s Bazaar” americana, a “Elle” francesa e a “Vogue” alemã (ele seria também disputado pelo mercado publicitário).
Sob a tutela de Giró, Duran ficou três anos. Engatou mais dois ciclos de três anos como assistente de outros fotógrafos antes de abrir um estúdio no Campo Belo, no início dos anos 1980 – foi ali que decidiu focar um tema escanteado: o ser humano, nu. Um nu descompromissado, como ele já definiu. A atmosfera criada nos ensaios e a luz que virou sua principal commodity remetem a uma viagem que Duran fez ao saber que viria ao Brasil. No auge da juventude, dividiu o verão europeu entre Saint-Tropez e Ibiza. E se divertiu como se não houvesse amanhã. Para o catalão, a luz daquela temporada mágica nunca mais saiu dele – e é a busca dessa luz mediterrânea dos 17 anos de idade, prestes a atravessar o Atlântico, que segue movendo os olhos e a alma de J.R. Duran.
1972
J.R. Duran fotografado por Marcel Giró no Masp, em um sábado de manhã. “Não sou de beber, mas esse dia estava de ressaca.” Duran acompanhava Giró nas expedições do Cine Clube Bandeirante.
1984
“Finalmente, uma foto que faço e não parece com foto de ninguém. A partir daí, ganho confiança na minha intuição. A boa foto é atemporal. Fiz essa para uma matéria de lingerie, em um galpão na Marginal Pinheiros.”
1993
“Fiz essa foto para a Harper’s Bazaar, o francês Fabien Baron era o diretor de arte. Só eu e o Otto Stupakoff (1935-2009) fizemos moda para a Harper’s americana. Um tempo depois me liga o assistente do Fabien. Pensei: ‘Hum, deu problema…’. Mas era só para me perguntar se eu concordava em cortarem 3 cm do branco da foto! Falei que sim, mas a partir daí não deixei mais cortarem minhas fotos.”
1996
“[No fim da década de 1980] eu fazia tudo no Brasil, era muito chamado, ganhava prêmios, virei capa da “Veja”… Decidi dar um tempo e fui morar em Nova York por oito anos – época de muitas viagens: 180 internacionais em dois anos. Fiz essa foto durante um estudo de locação no Pelourinho, em Salvador. Foram poucos cliques, sem produção. Percebi que podia fazer foto de rua.”
2003
“Luana Piovani fotografada em estúdio. Virou capa de meu livro de [140] fotos e a divulgação da exposição que fiz na Faap (Fundação Armando Alvares Penteado) com fotos enormes de gente, lugares, situações e uma luz linda [80 fotos com curadoria de Rubens Fernandes Junior]. Mas eu não gosto de exposição, não vou fazer nunca mais.”
2003
“Base aérea em Angola. Comecei a inventar pautas para fazer uma revista que criei só de fotos [a “Freeze” teve nove números, de 2000 a 2005]. Eu adoro o impresso. Vou montar uma editora na França de livros de fotografia do Brasil. Foi nessa base que comi a melhor lagosta da minha vida. Passei 15 dias em Angola, com dois seguranças armados.”
2010
“De 2005 a 2009, voltei a viajar muito. Quando estou voltando da Etiópia, tenho uma epifania: ‘Por que vou para a Etiópia atrás de tribos e não faço isso na Amazônia?’ Para dar mais espaço ao Brasil, faço a “Revista Nacional” [16 edições de 2010 a 2019]. Queria fazer uma revista por dez anos. Esse retrato de índios Zo’é, em uma aldeia isolada no Pará, estampa a primeira capa. Foi uma experiência fascinante.”
2016
“Passei uma semana com eles [Cisne Branco, navio veleiro da Marinha do Brasil]. Fui do Recife até o Espírito Santo. Um negócio fantástico. No segundo dia, pensei que ia enlouquecer, pois eles só descem e sobem vela, apitam…; no último dia, não queria mais descer. Demora para entender que os marinheiros vivem em outro planeta.”
Reportagem publicada na edição 74, lançada em janeiro de 2020
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