A crise da Covid-19 criou um movimento bilionário de investimentos longe dos segmentos médicos e de pesquisa científica na busca da cura da pandemia – explodiu a procura por bunkers. Abrigos subterrâneos de milhões de dólares, com piscinas, bibliotecas e cinemas – tudo na segurança de estar isolado no subsolo.
Bunkers em si não são novidade. Muito populares no século passado – durante a Segunda Guerra Mundial e a Guerra Fria que se seguiu –, os refúgios superprotegidos foram construídos nos Estados Unidos e na Europa para oferecer uma opção segura a ataques aéreos e nucleares. Agora, os inimigos são outros – e o mais temido no momento é o invisível coronavírus.
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Em entrevista à Forbes, Robert Vicino, CEO da Vivos – uma das principais construtoras de bunkers do mundo – explicou que, desde que a doença começou a se espalhar, a companhia teve uma alta astronômica nos negócios. “Em comparação a 2019, já tivemos um aumento de 2.000% em pessoas seriamente interessadas e qualificadas para a compra. Nossas vendas aumentaram 400%. O coronavírus é somente uma das ameaças ao ser humano, mas ele fez as pessoas perceberem quão vulnerável é a vida.”
A empresa de Vicino é responsável pelo maior bunker privado do mundo, o Europa One. Enterrado em uma montanha na Alemanha, o bunker foi construído na Guerra Fria como uma fortaleza militar para estoque de munição e equipamento. Transformado completamente para ser a nova casa de muitas pessoas desde 2015, o Europa One oferece sistemas de filtragem de ar, produção de energia independente, material de alta resistência do lado de dentro e de fora, piscinas e salas de cinema.
Um apartamento privativo em um bunker de luxo custa US$ 2,7 milhões. No Europa One, as plantas são fixas. As opções de customização são limitadas. Caso o comprador prefira desenvolver e construir seu apartamento subterrâneo, empresas como a Survival Condo permitem fazer isso a partir de US$ 4,5 milhões.
No Europa One, cada apartamento tem 232 metros quadrados, mas pode ser expandido para 465 – além dos mais de 5 quilômetros de túneis com todas as atrações de um complexo de lazer que funciona como um condomínio de luxo abaixo do solo.
Cada apartamento mobiliado já vem com suprimentos para um ano – e, sim, você pode levar seu cão. O encontro para pegar as chaves do novo lar não ocorre no endereço dos bunkers. “Não faz sentido construir um bunker e ter milhares de pessoas batendo na porta, tentando entrar.” Por isso, para manter o sigilo, os novos moradores chegam à cidade (que não é divulgada pelo CEO) de avião ou de carro, e um helicóptero da Vivos os leva aos bunkers em pequenos grupos.
Os “membros da comunidade”, como são chamados por Vicino, podem entrar e sair quando quiserem. O Europa One tem diversos espaços para socialização. “Nossos bunkers não são abrigos contra bombas ou tornados. Eles são redutos para estadias mais longas para esperar seja lá o que está acontecendo na superfície passar, incluindo anarquia e caos.”
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O Europa One tem um jardim com folhas e vegetais frescos à disposição dos moradores. “Nossos chefs fazem qualquer prato, com qualquer ingrediente, por um ano.” Os chefs ficam nos refeitórios e nos bares (os apartamentos também têm cozinha), mas o bunker também conta com outros tipos de profissionais. Médicos, mecânicos, policiais e até
encanadores vivem lá com suas famílias, prontos para prestarem seus serviços. “Eles protegem e cuidam de todos no abrigo. Criamos uma comunidade”, resumiu Vicino.
UMA VOZ NA CABEÇA
Na época corretor de imóveis, Robert Vicino começou a pensar em construir um bunker na década de 1980. “Uma voz na minha cabeça dizia: ‘Robert, você precisa construir abrigos para milhares de pessoas, salvá-las do que está por vir’. Uma visão? Uma missão? Não sei.” Diziam que era louco, mas, em 2008, ele reuniu engenheiros e outros especialistas para construir seu primeiro bunker. Nascia a Vivos.
Baseada na Califórnia, a empresa conta com o trabalho de “membros da comunidade” na manutenção e construção de novos abrigos. “Preferimos contratar nossos membros, pois pensamos parecido. Temos um comprador que é empreiteiro. Agora ele cuida do interior de todo o complexo de seu bunker.”
Empresas como a Survival Condo e a Vivos exigem uma boa parte do valor do bunker antes mesmo da sua construção. De acordo com o fundador da Vivos, a maioria de seus clientes estudou a ideia de investir em um bunker por, em média, dez anos antes da compra. Mas o mercado se tornou competitivo, principalmente este ano, com o aumento da demanda de pessoas procurando o distanciamento social. As empresas se diferenciam entre si construindo bunkers individuais nas propriedades de cada cliente, optando por grandes complexos ou aproveitando um reduto remanescente de guerras passadas.
Vicino diz que o diferencial de sua empresa está tanto nos detalhes como em questões estruturais maiores. “Usamos energia a diesel – painéis solares ou turbinas eólicas podem ser destruídas com desastres naturais. E pensamos na cor das paredes, que não pode ser cinza. Precisamos de cores que tragam conforto, tons terrosos. Buscamos o ambiente aconchegante do Starbucks”, compara.
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Nenhuma das duas empresas de bunkers de luxo mencionadas chegou ao Brasil, mas o CEO da Vivos afirma que está aberto a parcerias. E brincou: “Embaixo do Corcovado seria perfeito, alguém bem acima na superfície cuidando de você.”
BUNKERS QUE VIRARAM MUSEUS
The Greenbrier (Estados Unidos)
O resort The Greenbrier, em West Virginia, pode parecer comum por fora, mas seu subsolo é único. Em 1958, o governo norte-americano escolheu o local para construir um bunker com capacidade de abrigar em segredo todo o Congresso do país caso fosse necessário na Guerra Fria contra os soviéticos. Em 1992, o esconderijo foi exposto na mídia e perdeu seu propósito. Turistas e hóspedes do hotel podem visitar os aposentos do bunker, que incluem até uma estação de produção de televisão e rádio.
Ark D-0 (Bósnia)
O nome Ark vem do iugoslavo “Atomska Ratna Komanda”, que significa “bunker de comando nuclear”. O abrigo começou a ser construído em 1953 e foi concluído 26 anos depois sem nunca servir ao propósito original de abrigar mais de 350 pessoas no caso de um ataque nuclear. Hoje, o bunker foi transformado em um museu de arte que tem sua própria bienal de arte contemporânea. Curado e preservado pelos artistas Edo e Sandra Hozić, a visita ao museu só é permitida com um guia ou durante a bienal.
Bunker-42 (Rússia)
Construído para ser um centro de comunicação soviético no caso de um possível ataque nuclear na Guerra Fria, o Bunker-42 fica a mais de 60 metros abaixo do chão. A área de 75 mil metros quadrados não chegou a ser usada para seu propósito original, embora tenha sido projetada para abrigar até 3 mil pessoas por 90 dias. Em 2006, o bunker foi vendido a uma empresa russa por mais de US$ 2 milhões e transformado em um museu sobre a Guerra Fria em Moscou.
Sasso San Gottardo (Suíça)
Em meio aos Alpes suíços, na cidade de Airolo, fica Gottardo, o mais longo túnel de trem do mundo. É por ele que turistas podem acessar o Sasso San Gottardo, um bunker construído entre 1941 e 1945 que agora funciona como um museu com artefatos da Segunda Guerra Mundial. O bunker feito para abrigar até 420 pessoas conta com refeitório, quartos, salas de munição e até um centro de controle de incêndios, tudo aberto ao público. Funcionando desde 2012, já recebeu mais de 100 mil turistas.
Reportagem publicada na edição 77, lançada em maio de 2020
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