O Brasil tem hoje 330 Rolls-Royce registrados, a maior parte deles bem escondidos nas garagens de colecionadores. Não é o caso do Rolls-Royce Silver Shadow I LWB 1973, eternizado após aparição no filme “007 Contra o Foguete da Morte”, em 1979, e que aguarda os últimos retoques para reviver os tempos de glória. Com auxílio do historiador Alexandre Galindo e do proprietário e colecionador José Eduardo Alvares, reunimos documentos e fotos para contar sua história, que vai muito além da aparição no filme de James Bond.
Alma brasileira
No Brasil há 46 anos, o automóvel morou em diversas cidades. Desembarcou zero-quilômetro no Rio de Janeiro, vindo dos EUA. De lá, passou um ano em uma casa em Salvador. Retornou à cena carioca para os anos mais agitados da sua vida – e que justificam sua fama até hoje. Na sequência, São Paulo e Porto Alegre (onde José Eduardo Alvares, o Dudu, atual dono, mora). No momento, a máquina está em uma oficina de Curitiba, sendo restaurada por Rafael de Castilho (80% do serviço concluído).
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Com Abdala Gaid, o excêntrico modesto
Em 1974, o milionário baiano importou o carro de motor V8 6,8 litros de alumínio (o “máximo” para a época), estofamento de couro Connolly vermelho, o mesmo utilizado nos aposentos da família real inglesa, e assoalho forrado com tapetes de lã Wilton, de carneiro. Pagou Cr$ 850 mil, o que equivale hoje a R$ 309 mil. “Ele era um colecionador de obras de arte, um dos maiores de Salvador. Um homem excêntrico, gastava muito com relógios, carros, obras de arte e bens luxuosos, mas sempre se vestiu de forma modesta e não tinha empregados em casa”, diz Galindo. Aos cuidados de Gaid, o veículo sentiu a brisa soteropolitana por apenas um ano.
Com Saad, sob a direção de Silva
Em 1975, o carro retornou ao Rio de Janeiro e passou a morar no Edifício Chopin, vizinho do Copacabana Palace. Seu então proprietário, Alfredo Saad, possuía mais três Rolls-Royce, todos emplacados com o prefixo 003. Ele zanzava pelo Rio de Janeiro com o motorista, Edson da Silva. “No filme do James Bond, quem aparece dirigindo o carro na cena é justamente Silva. Saad emprestou o carro para a gravação”, conta Galindo. Além de Roger Moore, outro ilustre que se refestelou no veículo foi Pelé.
Trocado por três terrenos
“As coisas caem na minha mão acidentalmente, e foi o caso desse Rolls-Royce. Junto com um Alfa Romeo, eu o troquei por três terrenos em Balneário Camboriú”, diz o empresário José Eduardo Alvares, 73 anos, colecionador de carros desde os 17. “Aos 4 anos, sabia todas as marcas de carros antigos. Já nasci meio velho.” Dudu foi proprietário de 250 carros antigos, dos quais se desfez sem grandes apegos. Atualmente, são seis na garagem, usados no dia a dia e em viagens. “O Silver Shadow chegou com alguns problemas de mecânica, eu arrumei ele para andar, mas após alguns anos conheci o Galindo, um anjo na minha vida, que me convenceu a levar o carro para um restauro total”, comenta o colecionador.
Já se vão dois anos de restauração. As peças, em sua maioria importadas, demoram a chegar ao país. Antes mesmo de ficar pronto, o carro já atiçou um colecionador indiano, mas Dudu optou por continuar com o bólido. O historiador ressalta que o maior valor do carro é estar entre os poucos usados nas gravações de 007 que ainda não foram leiloados – no site IMCDb, a meca de informações sobre carros utilizados em longas-metragens, chegaram até a questionar o seu chassi. Antes que esse carro desapareça em outra missão (quase) impossível, temos um encontro marcado em São Paulo, que será devidamente registrado para uma edição futura da Forbes.
Longos anos em São Paulo
Em 1983, Gabriel Szafir comprou o carro. Foi quem mais ficou com ele: até 2002. Durante as andanças nesse período, participou de um ensaio fotográfico, na garagem da mansão de Chiquinho Scarpa (amigo de Szafir). Depois foi vendido para José Eduardo de Carvalho, com quem permaneceu entre 2002 e 2005. Na sequência, passou para o penúltimo proprietário, Dante Forestieri.
Reportagem publicada na edição 77, lançada em maio de 2020
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