Não é preciso olhar muito longe para perceber que os cogumelos estão em todo lugar. Seja em um sérum infusionado de Reishi para acalmar peles secas, algumas gotas de Juba de Leão debaixo da língua para aumentar a imunidade ou café de Chaga para driblar a fadiga da quarentena: os fungos nunca estiveram tão na moda.
O mercado dos cogumelos deve atingir um valor de mais de US$ 50 bilhões em 2025, de acordo com a consultoria Grand View Research, à medida que as pessoas se voltam cada vez mais para a natureza em busca de soluções para suas necessidades. Enquanto alguns ingerem cogumelos para sustentar seus corpos, outros estão usando fungos para sustentar o planeta — literalmente.
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No último dia 15, a Adidas lançou o Stan Smith Mylo, o primeiro calçado do gênero a ser feito com material à base de cogumelos. Seguindo uma filosofia de sustentabilidade, a empresa escolheu seu mais famoso tênis para fazer uma declaração ambiental e usou o inovador material renovável para criar as três listras clássicas, o contraforte (uma sobreposição da aba do calcanhar) e a assinatura da marca pela qual o tênis é conhecido.
Este é o mais recente uso do Mylo, um material à base de cogumelo desenvolvido pela marca de biotecnologia Bolt Threads. Em um laboratório projetado para replicar o solo da floresta, o Mylo é desenvolvido a partir do micélio (as raízes subterrâneas dos cogumelos) para criar um tapete espumoso, que pode ser modificado em vários padrões, cores e texturas, de acordo com Jamie Bainbridge, a vice-presidente de desenvolvimento de produto da Bolt Threads. O resultado é um tecido flexível e respirável que se assemelha consideravelmente ao couro animal.
O bem-sucedido uso do couro de cogumelo nos calçados deve-se em grande parte ao consórcio Mylo, uma parceria estabelecida em outubro de 2020 entre a Bolt Threads e as marcas Adidas, Stella McCartney, Lululemon e Kering (o grupo de luxo francês por trás de Yves Saint Laurent e Gucci). “Tem sido uma experiência muito incomum reunir quatro parceiros e dizer, ‘venha conosco em uma jornada de desenvolvimento’”, conta Bainbridge à Forbes.
“O bom disso é que, se eu precisar entender como esse material vai ser usado na fabricação de calçados, tenho um sócio que faz calçados que posso entrar em contato e conversar sobre as especificações do material”, acrescenta.
Com as marcas a apenas um telefonema de distância, a Bolt Threads conseguiu desenvolver o novo Stan Smith especificamente para as necessidades da clientela da Adidas. “As necessidades de uma bolsa são muito diferentes das necessidades de um sapato”, disse Bainbridge. “Devemos dar 10 mil passos por dia – isso significa que cada um de seus sapatos foi flexionado 10 mil vezes por dia.”
É esse processo colaborativo que permite que o consórcio Mylo transforme a ciência em moda. Eles têm feito isso com a Stella McCartney desde 2017, quando começaram a desenvolver a bolsa Falabella à base de cogumelos, que estreou um ano depois na exposição V&A Fashioned from Nature, em Londres. No mês passado, a marca lançou a primeira peça de vestuário do mundo feita de Mylo: um top preto sensual, mas atlético, e uma calça, com couro de cogumelo colocado sobre nylon reciclado.
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A grife de luxo conhecida por sua abordagem amiga do planeta está preparando o terreno para que outras marcas de moda sigam o exemplo. Recentemente, a Hermès lançou uma bolsa feita de um refinado micélio de reishi, enquanto a Allbirds anunciou planos para desenvolver um novo calçado com ‘couro’ derivado da seiva da seringueira.
Embora tenha havido uma “enxurrada de atividades no campo do couro alternativo”, de acordo com Bainbridge, até recentemente, os couros à base de plantas eram em grande parte limitados ao mundo da alta-costura. Qual é o maior obstáculo para tornar o material do cogumelo popular? Levar o produto à escala. “Cada vez que a escala aumenta, acontecem grandes mudanças de equipamento, e isso muda as proporções da mistura. Muda tudo sobre a dinâmica do material. Basicamente temos que aprender a fazer tudo de novo em cada escala.”
Ter parceiros comprometidos parece ser um ingrediente chave para levar o couro de cogumelo para as massas. “Agora que temos uma unidade de fabricação, estamos chegando ao ponto em que teremos uma produção em grande escala muito em breve”, diz Bainbridge. A executiva está otimista de que o lançamento da Adidas marca o início dessa expansão: “Este produto que estamos divulgando ao público vai preparar o terreno para transformá-lo em algo comercial, a Adidas não vai mostrar um produto que eles não têm pretensão para fabricar em um futuro próximo.”
Mas mesmo que os grandes varejistas possam criar tecidos feitos de fungos, os consumidores irão comprá-los? “Passei uma carreira desenvolvendo materiais e nunca vi um material com tanta força. Nunca vi nada parecido”, diz Bainbridge. Em meio a uma indústria da moda cada vez mais preocupada com sua pegada ambiental, não é surpresa que o couro de cogumelo atraia interesse.
Comparado ao produto animal, que consome uma quantidade significativa de recursos naturais durante o processo de um ano para produção, o Mylo é produzido em duas semanas. E embora existam muitas alternativas de couro não animal disponíveis, a maioria é feita de plástico — já os têxteis à base de micélio envolvem métodos de cultivo regenerativos e contêm menos produtos petroquímicos do que seus equivalentes sintéticos.
“O planeta não pode continuar do jeito que está”, afirmou Bainbridge à Forbes. “Vemos isso em todos os assuntos relacionados à sustentabilidade, seja mudança climática ou pegada de carbono: o público está entendendo que precisa mudar seus hábitos”. Se existisse um momento certo para o couro de cogumelo decolar, seria agora, à medida que os consumidores se tornam cada vez mais conscientes de seu impacto. “Há uma compreensão que o mundo adquiriu no último ano, por estarmos presos, de que talvez não possamos continuar os negócios como eram”, analisa a vice-presidente.
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Mas os cogumelos não estão apenas despertando interesse como uma fonte de material, mas também aparecendo em designs. De brincos Chanel em forma de cogumelo a abajures em formato de fungo e a bolsa de couro de Bella Hadid com um cogumelo esculpido, os fungos se tornaram o tema preferido em 2020. “Eles estão em alta, há uma cultura popular em torno disso”, diz Bainbridge.
Depois de um ano dentro de casa, faz sentido que as pessoas estejam migrando para este símbolo da natureza. “Estamos em um momento de profunda crise climática e muito separados de nossa relação com a natureza”, diz Francesca Gavin, curadora da exposição “Mushrooms: The Art, Design and Future of Fungi”, na Somerset House, em Londres, no início do ano passado.
Quando questionado se a tendência é explicada por uma romantização da natureza, Bainbridge concorda: “É impressionante observar o que aconteceu com o pensamento das pessoas sobre estar ao ar livre, é uma consciência totalmente nova para muitos”.
Com um sentimento de impotência frente à pandemia, não é surpresa que as pessoas estejam adotando um dos organismos mais resistentes e autossustentáveis da natureza, aquele que simboliza a imortalidade. Segundo Francesca, “sem fungos, todos os ecossistemas morreriam”. “Eles são um belo exemplo da fascinante importância da natureza para o florescimento da vida humana”, acrescenta.
Mas talvez o frenesi dos fungos seja mais do que conexão com a natureza e represente um desejo maior de encontrar conforto em nossa humanidade compartilhada. “Quer seja tentando sobreviver à pandemia juntos ou vendo a natureza por uma nova lente, acho que estamos todos um pouco mais conectados hoje em dia”, diz Bainbridge. Francesca ecoa esta afirmação: “Os cogumelos simbolizam uma metáfora contemporânea para novas formas de pensar e viver de forma mais positiva com o meio ambiente. Eles mostram que viver em simbiose com o mundo que nos rodeia é o único caminho para a sobrevivência”.
Para designers de moda e produtores têxteis sustentáveis, essa conexão significa abraçar a presença da concorrência. Além da Bolt Threads, a Ecovative e a MycoWorks também estão produzindo couros à base de micélio. Mas Bainbridge vê seus colegas fabricantes de materiais de cogumelos unidos na busca por um planeta mais verde: “Estamos felizes em ver outros atuando no mercado também. Há espaço para muitas pessoas e isso torna cada um de nós mais forte”.
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