Foram as temporadas pé na areia, hospedado em casa de pescador, que levaram o gaúcho Guilherme Wentz, 33 anos, a deixar a faculdade de administração e migrar para o design. Não porque quisesse trabalhar com mobiliário, mas porque buscava um estilo de vida mais alternativo do que a carreira corporativa prometia. Acabou se tornando um dos destaques da sua geração, com prêmios no Brasil e fora, lançamentos na Semana de Design de Nova York e marca própria com loja em São Paulo e pontos de venda nos Estados Unidos.
São mais de 800 quilômetros de distância entre o bairro paulistano dos Jardins, onde Guilherme vive e mantém sua loja, e a Praia do Gravatá, em Laguna (SC), onde ele passava parte dos fins de semana cercado por mata atlântica e mar. Mas a experiência dos 20 e poucos anos aparece nas formas orgânicas dos móveis, luminárias e objetos que ele cria na Wentz.
Listado entre os “seis estúdios de design em ascensão das Américas Central e do Sul” pela T Magazine, revista do “The New York Times”, em 2018, Guilherme já declarou que cada um dos seus produtos tenta conectar o “estilo de vida tropical do Brasil ao luxo e ao minimalismo”. Mas é uma tropicalidade não óbvia. Assim como para ele a ideia de simplicidade não é a mesma dos tempos de faculdade, quando estava fissurado no livro “A Vida nos Bosques”, em que Henry D. Thoreau relata a busca por uma existência autossuficiente em uma cabana na floresta. “Com 20 anos, obviamente eu tinha um pensamento mais revolucionário. Hoje tento combinar isso com a facilidade e o conforto da vida urbana”, diz o designer. “O resquício é mais ideológico. Aparece em pequenas escolhas de com quem me relacionar, o que consumir — consumir pouco e fazer opções melhores — e o que desenhar. E agora penso que há mais valor nessas pequenas escolhas do que na revolução de ‘não vou usar mais calçado e vou viver na beira da praia’.” Um exemplo de escolha: “Eu tenho 20 peças de roupa no máximo: 80% são pretas; 20% são brancas, para dias muito quentes”.
Hoje Guilherme vive entre São Paulo e Caxias do Sul (RS), onde nasceu e mantém a fábrica da Wentz. A casa de pescador, ele abandonou; mas o surfe ele retomou recentemente, no último verão.
Forbes: Você estudava administração de empresas, depois passou para o design. Como foi esse caminho?
Guilherme Wentz: Tive esse momento — que já virou um clichê, porque muita gente da minha geração passou por isso — de ter um surto de valores: realmente quero trabalhar numa grande corporação? Era uma época em que eu estava indo muito para o litoral com os amigos, tinha começado a surfar, passava os fins de semana na casa que alugava de um pescador. E comecei a mudar meus paradigmas e valores. Decidi pelo design nem sei bem por quê, tinha essa opção numa faculdade de Caxias e achei que era um caminho meio independente. No início eu tinha até preconceito com mobiliário, porque minhas referências eram muito locais e tradicionais. Foi ao longo do curso que entendi que móvel pode ser ou uma plataforma de comportamento ou uma expressão artística.
F: Como conseguiu projeção internacional?
GW: Tive um trabalho da faculdade que chegou à final de um prêmio e depois foi lançado pela Decameron em São Paulo (a escrivaninha Officer recebeu o IDEA Brasil em 2012). Também fiz uma coleção de centros de mesa para a Riva, onde comecei a trabalhar, em Caxias — a empresa apostou no projeto e o inscreveu no iF Design Awards, um prêmio alemão (ele foi premiado em 2013). Esses produtos me deram uma projeção, então saí para ser um designer independente e desenhar para várias marcas. Me mudei para São Paulo em 2014. Em 2016, comecei a marca, em que a gente faz acessórios, móveis e luminárias. O foco não é um tipo de produto, mas a forma de enxergar o morar e o se relacionar com a casa.
F: E de que forma você enxerga morar e se relacionar com a casa?
GW: Volto para as experiências que eu tive lá atrás: como juntar esse design de ponta — no sentido de buscar o máximo da qualidade, as novas tecnologias e as matérias-primas mais nobres e duradouras — com aquele estilo de vida pé descalço, na beira da praia, supersimples e tendo a natureza do lado de fora? Por que aquilo tinha que ser só no fim de semana, quando eu viajava, por que não tinha em casa a sensação de simplicidade e conexão com a natureza? Depois fui entrando em outras camadas: como as formas podem nos dar essa sensação, por mais sutil que ela seja.Pequenas escolhas no design podem fazer com que a gente tenha essa vida mais calma.
F: Você pode dar exemplos?
GW: É um exercício. Uma das abordagens é pegar algumas lógicas da natureza. Como na luminária Corda, que tem uma esfera de vidro e um cabo que a enlaça, com a esfera como que pesando sobre ele, mas na verdade é uma estrutura metálica rígida. Na mesa Bowl, o bowl também está pesando sobre o tampo de metal e forma uma curva. A mesa Volta forma como uma espiral na base, algo que vem da botânica, de como as coisas crescem. De forma mais direta, a escolha de materiais e texturas também remete a esses ambientes naturais.
F: Conceitos como tropicalidade e minimalismo costumam ser associados a Wentz. Mas não é algo óbvio, que grite ‘tropical’. Isso é proposital?
GW: A busca é essa. Para mim, o minimalismo hoje tem um significado de viver com menos, é mais sobre comportamento do que um movimento de arte propriamente dito. É buscar simplicidade e escolhas conscientes, junto com essa presença da natureza — e, devido ao local em que a gente está, ela acaba por ser tropical. Mas também é um olhar minimalista para o tropical, tentando fugir dos clichês e pegando aquilo que eu valorizo nele, que é a casualidade, a presença das formas naturais. Quando penso em tropicalidade, me lembra todo esse comportamento humano em torno da paisagem tropical, e não só as referências diretas da palmeira e do mar quente. No jeito de sentar: a gente lançou uma linha de estofados superbaixos, para ficar jogado, não para sentar ergonomicamente.
F: Como é seu processo de criação?
GW: Caótico. Às vezes o briefing parte de uma necessidade, como um móvel que vai atender a uma função específica. Mas na maioria das vezes eu tento enxergar a cenografia de uma certa casa imaginária: a música que toca lá, em que paisagem está inserida, um pouco do comportamento. Se a pessoa vai chegar em casa e tirar o sapato e se jogar na poltrona, como tem que ser essa poltrona?
F: Qual é a trilha sonora das suas criações?
GW: Tem alguns artistas que acabo escutando mais, como o [sueco] José Gonzáles — ele tem uma influência de bossa nova, mas é meio global, você não coloca na caixa de um país. Outro é a Bon Iver, uma banda norte-americana que leva para esse estado de contemplação. Silêncio é uma palavra forte — quando falo sobre minimalismo, é muito sobre simplicidade e silêncio.
F: Como você chegou à Semana de Design de Nova York?
GW: Primeiro tive um convite da Maison&Objet, uma feira francesa que montou um braço em Miami. Criaram um espaço para cinco novos designers e me convidaram. Foi a primeira vez que expus nos Estados Unidos, em 2016. Na sequência, veio um convite da Semana de Design de Nova York para expor também na área de talentos emergentes, em 2017. Depois a gente repetiu em 2018 e 2019, com os produtos da linha própria. Esse cronograma quebrou com a pandemia, mas acabei criando relações lá. Um dos meus sócios investidores é um grupo norte-americano que investe em design, outra sócia é brasileira e mora na Califórnia.
Conheça algumas peças criadas por Guilherme Wentz:
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Guilherme Jordan/Divulgação Cadeira Gravatá: elementos
que remetem à natureza -
Guilherme Jordan/Divulgação -
Guilherme Jordan/Divulgação Mesa Bowl
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Guilherme Jordan/Divulgação Pendente Corda: estrutura rígida com sensação de gravidade
Cadeira Gravatá: elementos
que remetem à natureza
Reportagem publicada na edição 86, lançada em abril de 2021
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