A ilha francesa da Córsega tem quase o dobro do tamanho do Distrito Federal, ou cerca de metade da área do País de Gales. Esta ilha de picos de calcário é rodeada por ondas brancas do bem azulado Mar Mediterrâneo, e produz excelentes vinhos.
A parte mais ao norte da ilha tem o formato topográfico de um dedo, que se projeta para cima para além da cidade de Bastia. Dentro desta região está Patrimônio, cidade na encosta e uma denominação de origem de vinho associada. A região vinícola tem 425 hectares e abrange várias comunas próximas (municípios), entre elas Saint Florent, Farinole, Oletta, Poggio d’Oletta e Casta. Cerca de metade da produção de vinho na região é tinto e a outra, branco.
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“Patrimônio foi a primeira denominação de origem na Córsega”, explicou Jean-Laurent De Bernardi, um enólogo biodinâmico cujo pai e avô criaram vinhos antes dele. A certificação – que garante a qualidade das culturas produzidas em uma região geográfica específica – foi criada em 1968 (uma dúzia de anos antes da primeira denominação dos EUA, a Área Vitícola Norte-Americana, ser formada). Como ex-presidente da certificação, Bernardi mergulhou na história dos vinhos da ilha e conta como os gregos introduziram as uvas pela primeira vez e como os romanos promoveram seu cultivo. A produção vinícola e a exportação também foram economicamente importantes durante os cinco séculos em que a Córsega foi governada pelas cidades-estado italianas de Pisa e Gênova.
A Forbes provou um Vermentino branco seco na excelente adega de Clos De Bernardi, seguido por amostras do tanque de 2020 do 100% Nielluccio (Sangiovese) tinto – com aromas frescos e ricos de morangos silvestres e das perfumadas moitas conhecidas como maquis, que revestem a ilha. Em seguida, Bernardi serviu copos de Muscato doce, com um arco-íris de aromas tão diversos quanto os de um vinho doce Klein Constantia da África do Sul.
“Combine este rótulo doce com Roquefort, o queijo Brocciu local ou foie gras”, sugeriu Charlotte de Lassée, uma vendedora de vinhos que passou informações sobre Patrimônio quando nos encontramos na parte continental da França no ano passado.
De acordo com os requisitos da denominação de origem de Patrimônio, os vinhos brancos devem incluir 100% de uva Vermentino (também conhecida como Rolle ou Malvasia), enquanto os tintos devem incluir 90% Nielluccio. Os 10% restantes podem incluir individualmente ou uma combinação das variedades de uvas Sciacarello, Grenache e Malvasia. Doces brancos da mesma região têm sua própria denominação: Muscat du Cap Corse.
Depois de deixar a vinícola na encosta e passar por caminhos em ziguezague, entrei em uma lanchonete aleatória na cidade costeira de Saint Florent. Enquanto pedia um panini de presunto e queijo, casualmente mencionei a necessidade desse almoço tardio antes de saborear uma taça de vinho na praia.
Ao ouvir a palavra vinho, o dono desta sanduicheria me levou até a varanda e apresentou outro cliente – um médico chamado Tony De Bernardi – que era irmão do enólogo Jean-Laurent. (Os franceses referem-se a esses felizes encontros como ocorrendo ‘por perigo’, o que significa acaso ou coincidência.)
O encontro destacou a prevalência de vínculos na ilha, bem como a importância da família. É o próprio filho de Tony, Pierre-François – sobrinho de Jean-Laurent – que comanda a Clos De Bernardi como enólogo de quarta geração.
Durante qualquer visita a Patrimônio, é imprescindível percorrer as estradas costeiras. E você deve dirigir, porque (como me explicaram mochileiros parisienses) a região mais ao norte não tem transporte público.
As estradas costeiras sinuosas e frequentemente arborizadas da península incluem amplas e deslumbrantes vistas marinhas. Ver o Golfo de Saint Florent do norte rivaliza com a qualidade de qualquer vista da costa da ilha grega de Santorini. Indo para o norte de Saint Florent, curvas apertadas levam ao vilarejo de Sonza – onde casas de pedra cobertas por ladrilhos de ardósia antigos parecem ser coladas em penhascos. Diminua o volume das estações de rádio italianas, abaixe o vidro do carro e cheire a fragrância do maquis. Desfrute do ar fresco e limpo ao longo desta costa escarpada com seus planaltos de calcário, agências de mergulho, famílias saudáveis que andam de bicicleta em íngremes estradas de montanha e vilarejos com restaurantes familiares à beira da estrada.
Depois de retornar a Saint Florent, desfrute de um drinque ao pôr do sol ao longo de uma fileira de bares e restaurantes ao lado do porto. Esta cidade costeira é um paraíso para barcos, com iates chamados Astrid, Imagine ou Fawn, que atraem visitantes deslumbrados que anseiam embarcar ao entardecer no Mediterrâneo. A vibe geral é uma mistura da cidade californiana de Santa Mônica (em câmera lenta) com o condado de Cornualha, no Reino Unido, e a ilha francesa de Cannes – onde os iates são costumeiro, a saúde e a aparência são valorizadas e as famílias francesas parecem genuinamente felizes. As opções gastronômicas são excelentes – não deixe de experimentar os vinhos locais com merlu ou dourado fresco.
A moda na região oscila entre o hippie parisiense e o iate rico e discreto. As mulheres em vestidos de gaze de algodão usam sandálias e bolsas tricotadas à mão com frases como “Salve as abelhas”, generosos brincos de argola de prata e chapéus de palha com cordões de linha colorida. Bartenders com looks semi desalinhados cuidadosamente penteados servem copos de aperol spritz, enquanto motocicletas de grife cruzam a orla e superiates recém-ancorados ejetam suas pranchas elétricas. O clima é descontraído e casual – e tanto os visitantes quanto os locais parecem mais saudáveis do que arrogantes.
Seguindo o conselho de Jean-Laurent, comi no restaurante La Gaffe, à beira-mar. Aqui, o chef Yann Le Scavarec e sua esposa Séverine servem apenas alimentos sazonais e de origem local. A pesca do dia era atum vermelho com creme de arroz e maionese Nobu, harmonizado com uma taça de Yves Leccia Biancu Marinu Branco 2020. Esta mistura 60% de Muscat Petit Grains e 40% de Vermentino não é um vinho tímido – com sabor de tangerinas, limão e groselha. Em seguida, ombro de vitela assado lentamente, junto de alcachofra, foie gras e azeitonas pretas de guarnição e um vinho tinto não filtrado de 2017 de Domaine Giudicelli (de aroma com notas de amoreira, seguido por sabores suaves que incluem maquis e ar salgado – uma onda de selvageria tão característica dos vinhos de Patrimônio).
Por fim, uma sobremesa chamada “Pebbles from Nonza”, com chocolate Tulakalum, avelãs, pinhões, caramelo salgado e sorvete de chocolate.
Depois do jantar, Tony e eu nos encontramos conforme combinado, dois estabelecimentos abaixo – onde tocava música ao vivo no La Vista. Ele me apresentou a uma sommelier parisiense chamada Emily Seguy, que passa dois meses de todo verão na ilha, trabalhando com vinhos Patrimônio. Se capacitando como enóloga no Château Cheval Blanc em Bordeaux, sua especialidade geral são os vinhos da Córsega. Nós três dividimos uma garrafa enquanto Emily explicava a singularidade da viticultura Patrimônio.
“Córsega é a região vinícola mais ‘bio’ da França. Um dos motivos é o clima – temos menos mofo do que Bordeaux, por exemplo. Patrimônio também é a única denominação de vinho na ilha onde o herbicida Roundup é proibido. E a cidade tem uma nova geração de vignerons [produtores de vinho] jovens e ativos que são amigos íntimos e trabalham juntos”, explicou ela, destacando a solidariedade local. Nós brindamos.
Os vinhos da Córsega que não pertencem a nenhuma das nove denominações AOC (Denominação de Origem Controlada, em português) da ilha são produzidos sob a denominação IGP (Indicação Geográfica Protegida) mais geral. Esta certificação tem seu próprio nome: Île de Beauté, que significa (apropriadamente ) Ilha da Beleza – que é uma verdade.
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