As notícias sobre o novo veleiro de 127 metros de extensão do fundador da Amazon Jeff Bezos são a ponta comentada de uma tendência no setor náutico global – e com repercussão no Brasil. Mesmo durante a pandemia, e em parte por causa dela, tem crescido a busca por iates de grandes proporções, os chamados megaiates ou gigaiates. São embarcações privadas com comprimento de dezenas de metros e valores que giram na casa dos milhões ou até bilhões de reais.
No caso do iate – ou megaiate, ou gigaiate – de Bezos, estima-se que tenha custado cerca de US$ 500 milhões (R$ 2,6 bilhões em cotação do início de agosto). Algo em torno de 17 passagens no voo inaugural do foguete Blue Origin, que o empresário lançou ao espaço em julho. Ou uma fração de 1/377 avos da fortuna dele.
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O valor do barco é uma estimativa porque o projeto era supostamente secreto até ser revelado por Brad Stone na biografia “Amazon Unbound”, que teve um trecho publicado na Bloomberg News. O superveleiro e um barco de apoio com heliponto que o acompanhará pelos mares estariam sendo montados nos últimos anos pelo estaleiro Oceanco, na Holanda. Segundo Bill Springer, colunista da Forbes especializado em barcos, é o mesmo estaleiro que, em 2018, lançou outro superiate: o Black Pearl.
Com 106 metros de comprimento e três mastros, o Black Pearl é um senhor veleiro que a Oceanco descreve em detalhes em seu site: é capaz de atravessar o Atlântico sem gastar nem um litro de combustível graças a um sistema que coleta energia cinética enquanto veleja. Seus 2.877 metros quadrados de velas se ajustam em sete minutos. Abriga piscina, cinema ao ar livre e um atrium com vários níveis alcançados por um elevador de vidro. Mas é menor que o projeto de Bezos, que a Oceanco não divulga. E este, por sua vez, é menor que o Sailing Yacht A do bilionário russo Andrey Melnichenko, com 142 metros de comprimento e design de Philippe Starck. O maior de todos os iates, no entanto, não é um veleiro, e sim um barco a motor: construído pela alemã Lürssen em 2013, o Azzam tem 180,6 metros e pertence ao Sheikh Khalifa bin Zayed Al Nahyan, emir de Abu Dhabi e governante dos Emirados Árabes Unidos.
Paralelamente à comparação de quem faz o maior, navega acelerado o mercado de venda de iates (com ou sem velas) de grandes proporções. “No mundo todo há um trend de aumento de tamanho geral das embarcações”, diz Francesco Caputo, diretor da Azimut Yachts, marca do grupo italiano Azimut|Benetti, que tem fábrica no Brasil desde 2010. “Se há 30 anos um barco considerado grande era um de 50 pés (15,2 metros), hoje em dia não é difícil associar a palavra a um barco de 100 ou 150 pés (30,5 ou 45,7 metros). O que é curioso é que nos últimos anos começou a crescer de forma exponencial – considerando o tamanho da população mundial que pode adquirir embarcações com um valor tão alto – o mercado dos gigaiates. Aqui estamos falando de barcos acima de 100 metros, ou 333 pés (os megaiates vão até 100 metros).”
A própria Azimut entrou nesse nicho de gigantes, investindo na montagem de um galpão na Toscana capaz de construir barcos acima de 100 metros de comprimento. De lá, já saíram três embarcações com essas dimensões. “O último que saiu da casa, com 107 metros, foi na casa dos US$ 500 milhões. Já está navegando. Esteve no Grande Prêmio de Mônaco pouco tempo atrás”, comenta Francesco.
Na faixa dos megaiates, não dos giga, a Azimut Yachts relata um crescimento de cerca de 50% na procura por modelos de grandes dimensões no Brasil — as embarcações em geral também cresceram. O Azimut Grande 27 Metri, como 350 m² de área e cinco suítes, já teve oito unidades encomendadas por clientes brasileiros, ao custo de US$ 10 milhões cada uma. No total, a empresa diz já ter comercializado no país até hoje 30 barcos com mais de 25 metros. Para dar conta, aumentou um dos galpões de sua fábrica instalada em Itajaí (SC). Anteriormente, ele não estava preparado para comportar barcos com esse tamanho ou peso. O Grande 27 Metri, com grande parte da estrutura de fibra de carbono, é considerado leve. “Ainda assim é um brinquedo de 93 toneladas”, diz Francesco.
Boat office
De acordo com o diretor da Azimut, a pandemia acelerou a procura por iates tanto pela possibilidade de isolamento social no mar como por trazer um senso de urgência para a realização de planos que vinham sendo postergados. Ou seja, quem vinha adiando a compra ou a troca de barco teve um impulso para colocar a ideia em prática. A forma de uso também mudou nesses novos tempos. “Se antes a embarcação era utilizada exclusivamente para passar o final de semana, hoje quem pode fica no barco em vez de ficar em casa”, conta Francesco. “Houve sortudos que em vez de home office fizeram boat office.”
Nem tão isolados, mas também luxuosos são os apartamentos da embarcação residencial Somnio, um superiate de 222 metros de comprimento que vem sendo desenvolvido pelos escritórios de arquitetura e design Winch Design, do Reino Unido, e Tillberg Design, da Suécia. Com previsão de inauguração em 2024, o condomínio em alto-mar terá 39 unidades residenciais à venda por valores que começam em US$ 10 milhões. A bordo, os proprietários contarão com serviço de concierge e comodidades como uma adega com capacidade para 10 mil garrafas, restaurantes, bares e um clube com instalações para esportes aquáticos. Sem contar as possibilidades do mundo lá fora. Nas palavras do capitão Erik Bredhe, cofundador do superiate: “Os proprietários irão compartilhar um estilo de vida verdadeiramente ímpar no mar, com uma tripulação escolhida a dedo e um itinerário global sem fim de destinos cuidadosamente selecionados e experiências condizentes com um iate dessa natureza”.
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A história das embarcações de luxo desde cleópatra
“Yachts: The Impossible Collection”, lançado em agosto pela editora Assouline, é uma viagem no tempo e nos mares a bordo de embarcações que vão do Christina O, de Aristóteles Onassis, aos megaiates atuais, passando pelo Britannia, da Rainha Elizabeth II, e pelo America, que deu origem à regata America’s Cup.
Além de apresentar uma seleção cuidadosa de barcos notáveis, o livro conta a história das embarcações de luxo desde os tempos de Cleópatra até os dias de hoje, quando a frota global de grandes iates ultrapassa a marca de 3 mil e as inovações tecnológicas vão além de velocidade, tamanho e conforto e entram no campo da sustentabilidade e da proteção dos oceanos.
Com imagens históricas, fotos de Guillaume Plisson e texto da jornalista Miriam Cain, as 236 páginas da obra são um convite para folhear e navegar – estando a bordo ou desembarcado. Porque, como diria o capitão inglês Sir Francis Drake: “Não é que a vida em terra firme seja desagradável para mim. Mas a vida no mar é melhor”.
Reportagem publicada na edição 89, lançada em agosto de 2021.