Foi Casemiro Xavier de Mendonça quem me apresentou a Tomie Ohtake na São Paulo dos anos 80. Casemiro, um talento que faleceu cedo demais, era um amigo em comum e importante crítico de artes visuais da Veja. Assim passei a usufruir do convívio dela e a ser abençoada pelo aprendizado contínuo de sua sabedoria transmitida por uma forte pronúncia de cadência japonesa que ela jamais abandonou. Fizemos até algumas viagens juntas. Na ocasião em que fomos a Cartagena, na Colômbia, estavam lá para a solenidade o presidente José Sarney e seus ministros. A comitiva presidencial demonstrou por ela grande respeito e consideração com incessantes cumprimentos por sua arte. Ela apreciava o reconhecimento por seu trabalho. Afinal, ela, uma das principais representantes da arte abstrata no Brasil, desembarcara no país como imigrante, uma moça de 23 anos, sozinha, em 1936, às vésperas de uma guerra mundial, em um país do outro lado do globo terrestre, sem conhecer vivalma, sem falar a língua! Não fossem sua coragem, vontade férrea e persistência não teria criado a vasta obra que a posicionou no pódio das artes visuais.
Outra lembrança inesquecível, os almoços de domingo em sua casa-ateliê no Campo Belo. Com todos sentados à mesa em torno da comida deliciosa, em geral, mais nordestina que japonesa, Tomie orquestrava esse palco de longas discussões sobre arte e política, os assuntos preferidos da artista e de seus dois filhos. Ricardo, à frente do Instituto Tomie Ohtake (ITO), comemora este ano duas décadas de memoráveis exposições de arte contemporânea no prédio que se destaca na paisagem urbana de São Paulo. O instituto foi projetado por Ruy, o arquiteto, também autor da casa-ateliê, uma laje de concreto aparente, sinuosa, despojada, que remete ao traço da matriarca, onde ela viveu de 1970 a 2015, quando faleceu aos 101 anos. (A residência será aberta ao público como o espaço cultural “Casa da Tomie”, aguardamos ansiosamente).
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Passei a representá-la na minha galeria de Recife, a Artespaço, antes de me estabelecer em São Paulo. Em sua exposição inaugural em meu espaço, em 1983, ela apresentou uma série de gravuras em metal que acabou itinerando norte a sul do país. Vim para São Paulo, rebatizei minha galeria com meu nome e continuamos trabalhando juntas até sua morte. Hoje, além de levar seu legado a feiras internacionais, inserimos suas obras nas coleções permanentes de importantes museus, entre os quais, o Metropolitan Museum of Art, em Nova York; o M + Collection, em Hong Kong; a Tate Modern, em Londres; e, mais recentemente, o Dallas Museum of Art, no Texas.
Por tudo isso ao inaugurar a nova galeria em novembro no Chelsea, em Nova York, resolvemos comemorar a ocasião com uma retrospectiva das cinco décadas de sua atividade com obras icônicas em pintura e escultura. “Tomie Ohtake: Persistência do Visível”, em cartaz até 23 de dezembro de 2021, tem curadoria de Luis Pérez-Oramas. Diz o respeitado expert em arte latino-americana: “Partindo de sua formação japonesa e de sua compreensão da arte visual como experiência topológica, ela seguiu seu trabalho como pintora, diretora de arte para teatro e escultora, culminando em suas estruturas tubulares tardias, assim como pinturas de impecável brancura textural, criadas quando se aproximava dos 102 anos de idade”.
Com colaboração de Cynthia Garcia, historiadora de arte [email protected]
Nara Roesler fundou a Galeria Nara Roesler em 1989. Com a sociedade de seus filhos Alexandre e Daniel, a galeria em São Paulo, uma das mais expressivas do mercado, ampliou a atuação inaugurando no Rio de Janeiro, em 2014, e no ano seguinte em Nova York.
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