Hoje (9), a edição do Roesler Curatorial Project dá o start de 2023 em nossa sede em São Paulo com a coletiva “Meu corpo: território de disputa”, apresentando obras de 29 artistas mulheres, sob projeto curatorial de Galciani Neves.
Gravitando entre o simbólico e o substantivo, as obras analisam assuntos densos enfrentados pela mulher brasileira, independentemente de idade, classe social e raça. Os trabalhos desafiam o sistema patriarcal e o cânone machista ainda vigentes em nossa complexa sociedade.
Reconhecê-los é uma das maneiras que temos para combater, denunciar e desestimular esses códigos de conduta arcaicos e, assim, promover mudanças urgentes para vivermos em um Brasil mais equânime, mais justo. Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, ainda hoje, uma mulher é vítima de feminicídio a cada 7 horas.
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Tendo como pilares o desejo, a espiritualidade e a ancestralidade, as obras transformam o corpo feminino em um território de luta, resistência, força e gozo. A paranaense Berna Reale, perita criminal de profissão e um dos nomes de ponta da performance contemporânea mundial, analisa a objetificação da mulher na fotografia “Quando todos calam” #2 (2009). A imagem é impactante, revela a artista com vísceras de animais sobre seu corpo nu “servido” sobre uma mesa na rua para os passantes.
Outro olhar contundente encontra-se nos trabalhos de Anna Bella Geiger, uma das pioneiras da videoarte e da arte conceitual na América Latina. Da artista carioca, hoje com 89 anos, estão duas obras tamisadas por backlight que discutem o feminino na História da Arte. A paulistana Nazareth Pacheco expõe uma peça de sua série icônica, “Vestido”. Produzida em 2010, a obra em exposição denuncia a busca por um ideal de beleza a todo preço em uma escultura de parede que representa um vestido tramado apenas por lâminas de gillete “tricotadas”, uma a uma, por fios de miçangas de cristal. Certamente, o falecido Paco Rabanne aplaudiria o conceito, a sacada e a realização impecável da forte obra de Nazareth.
Transitando entre o vídeo, a performance, a instalação, o desenho e a escultura, a artista conceitual Brígida Baltar (que se foi em 2022 vítima de leucemia) reflete sobre a 2 banalização do feminino em dois trabalhos. A instalação “Corpo-casa (Mamás)” (2020) é uma vitrine na qual estão expostos 19 tijolos de barro esculpidos no formato do seio feminino. Na mesma proposta, “As conchas-vagina (mostruário)” (2017) apresenta uma caixa de madeira com pequenas cerâmicas esmaltadas em formato de conchas que se assemelham a genitália feminina.
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Erika Mayumi/Cortesia Galeria Nara Roesler Brígida Baltar, Corpo-casa (Mamás), 2020, detalhe, 19 tijolos esculpidos e vitrine de ferro e madeira. Edição única.
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Erika Mayumi/Cortesia Galeria Nara Roesler Virginia de Medeiros, Carmen Silva Ferreira, Guerrilheiras, da série Alma de Bronze, 2017. Impressão jato de tinta em Hahnemühle. Ed 3/5 + 2 PA.
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Cortesia Galeria Nara Roesler Vânia Medeiros, Circuito, 2022, tinta acrílica e tinta óleo em bastão sobre lona
Brígida Baltar, Corpo-casa (Mamás), 2020, detalhe, 19 tijolos esculpidos e vitrine de ferro e madeira. Edição única.
Dentre elas também se destaca Djanira da Motta e Silva (1914-1979), conhecida como Djanira. Expoente do figurativismo moderno, a pintora, desenhista, ilustradora, cartazista, cenógrafa e gravadora retrata o cotidiano, os costumes e os rituais do nosso povo. Para a coletiva foram selecionados o guache “Candomblé” (1952) e uma tela sem título, sem data, da coleção Irapoan Cavalcanti. Trata-se de uma reunião de mulheres das etnias que compõem nosso caldeirão cultural e que faz a força do ser feminino brasileiro.
As outras artistas participantes são Daiara Tukano, Eneida Sanches, Fernanda Gassen, Flávia Vieira, Hariel Revignet, Isabella Beneduci, Josi, Laura Berbet, Letícia Parente, Lívia Aquino, Maré de Matos, Monica Ventura, Renata Felinto, Regina Parra, Rubiane Maia, Sallisa Rosa, Sumé Vasconcellos, Tadaskia, Vania Medeiros e o coletivo Terroristas del Amor.
Quando reflito sobre esta turma de mulheres corajosas, artistas admiráveis, com obras fora da curva, meu pensamento vai lá atrás na História da Arte. Imagino a batalha enfrentada pelo maior nome feminino da pintura renascentista, a romana Artemisia Gentilleschi (1593-1653), contemporânea de Caravaggio, reconhecida só agora após quatro séculos!
Continuamos na luta, cara Artemisia. Venceremos os obstáculos, um a um. Ainda há muito pela frente. Não vamos esmorecer.
Serviço:
“Meu corpo: território de disputa”
De 11 fevereiro a 18 de março de 2023
Galeria Nara Roesler / São Paulo
Curadoria de Galciani Neves
https://nararoesler.art/
Com colaboração de Cynthia Garcia, historiadora de arte [email protected].
Nara Roesler fundou a Galeria Nara Roesler em 1989. Com a sociedade de seus filhos Alexandre e Daniel, a galeria em São Paulo, uma das mais expressivas do mercado, ampliou a atuação inaugurando no Rio de Janeiro, em 2014, e no ano seguinte em Nova York.
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Instagram galerianararoesler
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