Em 2018, Jaime Lauriano participou da exposição coletiva, Quem não luta tá morto – arte democracia utopia, no Museu de Arte do Rio (MAR), no Rio de Janeiro, este mês, o artista ganha mostra individual de longa duração no mesmo museu carioca de 29 de abril até 1º de outubro, intitulada, Jaime Lauriano – Aqui é o fim do mundo.
A obra interdisciplinar do jovem paulista surpreende por sua visão social e maturidade política. Talvez seja o fato de Lauriano ter nascido em família modesta no histórico ano de 1985, quando foi decretado o final da ditadura militar brasileira, algoz que cerceou nossa liberdade durante duas longas décadas e nódoa que até hoje mancha a história do País e o coração dos brasileiros. Afinal parte da população ainda crê que “não existe pecado ao sul do Equador”, conforme canta/encanta – e alerta -, desde 1973, a poesia musical de Chico Buarque:
“Não existe pecado do lado de baixo do equador
Vamos fazer um pecado rasgado, suado, a todo vapor
Me deixa ser teu escracho, capacho, teu cacho
Um riacho de amor
Quando é lição de esculacho, olha aí, sai de baixo
Que eu sou professor”
Na época, em pleno Anos de Chumbo (1968-1974), o frevo do grande Chico foi aclamado por quem sabia ler as entrelinhas mas, ainda bem, não pela boçalidade da Censura, na referência clara e irreverente que sua letra faz ao período colonial, com uma Linha do Equador separando o mundo bom do mau, a virtude (os europeus) e o vício (nós, aqui, os mestiços) em um paraíso onde tudo é (ainda) permitido para poucos, e que o olhar atento deste artista, versátil em técnicas e procedimentos, detecta, denuncia e doma em vídeos, instalações, objetos, textos, bordados, placas e serigrafias.
Nessas incursões como artista-historiador, que incluem também temas como violência policial, exploração do trabalho, militarismo, disputas de terra, em linguagem plástica inovadora, muitas vezes, ele utiliza a pemba branca para mapear suas investigações. (A pemba é um giz branco em formato cônico usado para transcrever mensagens dos espíritos e guias em rituais de umbanda e candomblé).
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Filipe Berndt/Cortesia Galeria Nara Roesler Jaime Lauriano, Felicidade guerreira, 2021, pemba branca e lápis dermatográfico sobre algodão preto, 158 x 205 cm.
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Cortesia Galeria Nara Roesler Jaime Lauriano, O império contra-ataca, 2022, impressão jato de tinta, adesivos, estampas, quartinhas de barro e silver tape sobre algodão preto, 206 x 200 x 5 cm.
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Cortesia Galeria Nara Roesler Jaime Lauriano, Ele é dono do meu destino até o fim, 2022, tinta acrílica, adesivos, impressão jato de tinta, miniaturas em chumbo, estampas e silver tape sobre mdf, 86 x 90 x 3,5 cm.
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Filipe Berndt/Cortesia Galeria Nara Roesler Jaime Lauriano, Pedras portuguesas # 12, 2022, pedras portuguesas, caixa de ferro e concreto, 100 x 150 x 10 cm.
Jaime Lauriano, Felicidade guerreira, 2021, pemba branca e lápis dermatográfico sobre algodão preto, 158 x 205 cm.
A investigação do talentoso Lauriano também se debruça nos mitos e símbolos da nossa sociedade, evidenciando estruturas do passado que desde o Brasil colonial cerceiam, principalmente, indivíduos das minorias raciais. Ele explica sua obsessão por esse gigante, indomável, indecifrável que é a terra em que nascemos: “Desde que percebi que gostaria de entender o Brasil como sujeito nação, (…) centrei meus esforços para entender a maneira como esse sujeito Brasil produzia essas imagens. Porém, como era necessário focar ainda mais a minha pesquisa, determinei o período da escravidão, pós-escravidão e da ditadura militar brasileira, como momentos chaves para entender como as imagens produzidas pelo Brasil afetavam a construção da sociedade brasileira.”
Moacir dos Anjos, pesquisador pernambucano e curador da 29ª Bienal de São Paulo (2010), resume o raciocínio de Lauriano: “O artista indica como as marcas do passado racista do Brasil se intrometem na história que se desenrola agora no país.” Esta narrativa é habilmente transmutada em mapeamentos reveladores da construção da alma brasileira antropofágica e de nossa psique tropicalista. Ou como, uma vez, disse a sensibilidade de Caetano: “ilha sempre recém-descoberta e sempre oculta, o Brasil”.
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Lauriano apresentou trabalhos no 37º Panorama da Arte Brasileira, São Paulo (2022) e na 11ª Bienal do Mercosul, Porto Alegre (2018). Entre as coletivas que participou estão Histórias brasileiras, no MASP (2022), que itinerou no exterior sob o título Afro- Atlantic Histories, ao National Gallery of Art, em Washington DC, e ao Museum of Fine Arts (MFAH) (2022), em Houston, museu norte-americano com o maior acervo de arte latino-americana.
O artista possui obras em coleções como: Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj), Recife; Museu de Arte do Rio (MAR), Rio de Janeiro; em São Paulo no MASP e na Pinacoteca do Estado de São Paulo, e na fundação Schoepflin Stiftung, na Alemanha.
Serviço:
Jaime Lauriano – Aqui é o fim do mundo
29 de abril a 1º de outubro de 2023
Museu de Arte do Rio – MAR, Rio de Janeiro
Com colaboração de Cynthia Garcia, historiadora de arte [email protected].
Nara Roesler fundou a Galeria Nara Roesler em 1989. Com a sociedade de seus filhos Alexandre e Daniel, a galeria em São Paulo, uma das mais expressivas do mercado, ampliou a atuação inaugurando no Rio de Janeiro, em 2014, e no ano seguinte em Nova York.
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