Por que “Treta”, da Netflix, é uma das melhores séries dos últimos tempos

Quando The Walking Dead matou o personagem de Steven Yeun, Glenn, no início da 7ª temporada, fiquei – como muitos fãs de TWD – muito chateado. Glenn era um dos meus personagens favoritos, e a maneira como ele morreu foi tão horripilante e terrível que me irritou com a série – especialmente depois da falsa morte de Glenn no meio da 6ª temporada.

Em retrospecto, fico feliz por sua morte ter sido naquele momento. The Walking Dead já estava mostrando sinais de fraqueza na 6ª temporada, mas rapidamente entrou em espiral na 7ª temporada e toda a guerra dos salvadores praticamente matou a série. As críticas despencaram junto com os valores de produção e a escrita.

Desde que Negan atingiu a cabeça de Glenn com seu bastão, Yeun passou a fazer coisas maiores e melhores. A atuação do ator em “Beef” (ou “Treta”, em português), a nova série da Netflix, é um lembrete de que seu talento teria sido desperdiçado em um programa tão medíocre quanto The Walking Dead.

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Sobre o que é “Treta”?

“Treta” é a história de duas pessoas que entram em um incidente de raiva no trânsito, em uma tarde aparentemente tranquila e ensolarada, o que os leva a um caminho sombrio de reciprocidade e vingança.

Danny (Yeun) e Amy (Ali Wong) não são pessoas felizes. Danny é um fracasso em quase tudo o que tenta e se ressente de seu irmão mais novo, Paul (Young Mazino), de seus pais e do mundo em geral. Os negócios bem-sucedidos e a relativa riqueza de Amy levaram a uma estabilidade material, mas não emocional. Ela se incomoda com seu marido, George (Joseph Lee), que fica em casa e se irrita com quase todas as interações humanas. Essas duas pessoas vivem em um estado perpétuo de indignação. A vida deu-lhes limões e eles não fizeram limonada.

Portanto, não surpreende que eles rapidamente fiquem obcecados um pelo outro. Cada um se torna, de várias maneiras, o bode expiatório de todos os seus problemas. As coisas se intensificam rapidamente e vão de mal a pior em uma série de confrontos e enganos – muitas vezes hilários, muitas vezes bastante estressantes.

Não quero dar spoiler de nada além da premissa da nova série da Netflix, porque uma das diversões dela é ser surpreendido. Basta dizer que a produção segue em direções que nunca previ até o final, em um dos finais de série mais profundos, surpreendentes e brilhantes que já vi. Steven Yeun me fez chorar em uma cena imprevisível e emocionante. Sinceramente, não fazia ideia do ator incrível que ele era até assistir a “Treta”.

Ali Wong merece muitos elogios por interpretar o equivalente humano de uma bomba-relógio, sempre prestes a explodir. Todo o elenco da série está excelente. O criminoso carismático de David Choe, Isaac, rouba a cena. O jovem Mazino como o irmão mais novo de Danny trouxe profundidade e humanidade ao papel de Paul. A lista continua.

Escrita sólida, personagens profundamente humanos e imperfeitos, uma trilha sonora brilhante e alguns dos melhores títulos de episódios – todos os aspectos conspiram para tornar esta a única série deste ano que tem uma chance contra “Succession” na temporada de premiações. Se você gosta de filmes da produtora A24 – como “Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo”, “Moonlight” e “Hereditário” –, definitivamente não deve perder “Treta”.

Os nomes dos episódios de “Treta”

Falando em títulos de episódios, cada um deles me levou a um novo caminho de descoberta. O episódio 1 é intitulado “Os pássaros não cantam, eles gritam de dor”, tirado de uma citação do cineasta Werner Herzog do documentário “O Peso dos Sonhos“, sobre a desafiadora produção do filme “Fitzcarraldo”. Herzog, descrevendo a selva, diz:

“As árvores aqui estão na miséria e os pássaros estão na miséria. Eu não acho que eles cantam. Eles apenas gritam de dor.”

Um episódio posterior é intitulado “I Am Inhabited By A Cry” (sou habitada por um grito, na versão em português), uma linha tirada do lindo poema Elm, de Sylvia Plath. A estrofe em questão diz:

“Sou habitada por um grito.
Quando é noite ele se agita
Procurando, com suas garras, por algo para amar”

Cada episódio também começa com uma obra de arte intrigante e bizarra que, ao que parece, foi toda criada por David Choe. É muito notável.

De qualquer forma, “Treta” é uma série ótima, com um final perfeito e que não precisa de uma segunda temporada. É possível vê-la como uma série antológica semelhante a “The White Lotus”, com novos personagens e histórias de treta, mas eu realmente espero que deixemos a história de Danny e Amy onde termina.