A obra de meu conterrâneo, Paulo Bruscky, nascido em Recife, como eu, está sendo celebrada na coletiva “Atitude Política, Paulo Bruscky” no IAC (Instituto de Arte Contemporânea), fundado e capitaneado por Raquel Arnaud, que agora passa a acolher uma parte do arquivo do artista, e na individual “Paulo Bruscky: Banco de Ideias” na sede da Galeria Roesler na avenida Europa, ambas em São Paulo.
No IAC, a obra deste pioneiro da arte correio ou mail art é o fio condutor da mostra que revela trabalhos de 28 artistas revolucionários, brasileiros e internacionais. A mail art é uma expressão artística de cunho eminentemente político que surgiu nos anos 70, por debaixo do pano, com a intenção explícita de driblar a censura dos regimes autoritários de seus países de origem. Como ferramenta, esses artistas passaram a utilizar correspondências via correio entre eles para lutar por ideias e ideais sócio-políticos mais justos.
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Flavio Freire Vista de instalação de Paulo Bruscky na individual Banco de Ideias
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Flavio Freire Detalhe de obra de Paulo Bruscky para individual Banco de Ideias
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Na fachada da galeria Nara Roesler, em São Paulo, Paulo Bruscky, Dedetizações, 2023
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Vista de instalação de Paulo Bruscky na individual Banco de Ideias
Vista de instalação de Paulo Bruscky na individual Banco de Ideias
Bruscky é um dos pioneiros da mail art, as obras em exposição representam uma fração de seu gigantesco acervo, guardado em Recife, onde vive (e sempre fez questão de morar). Elas foram selecionadas pelo napolitano Jacopo Crivelli Visconti, diretor artístico da última Bienal de São Paulo, que também faz a vez de curador da individual em nossa galeria “Paulo Bruscky: Banco de Ideias”, que tem como foco de seu trabalho colocar em cheque as instituições e o sistema mas também questiona/ironiza nosso dia a dia com poesia e humor.
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Para entender melhor o que leva Bruscky a fazer arte há quase seis décadas, selecionei algumas reflexões desse artista e pensador que consegue ver além, sempre dando sentido brilhante às conexões mais improváveis.
Fazer artístico: “Há várias maneiras de pensar o ‘fazer’ artístico. Eu trabalho com os sólidos, os líquidos e os gasosos, com a esperança, a nacionalidade e a solidão, da primeira à quarta dimensão. O que é a Arte, para que serve?”
Régua e compasso: “Sempre pesquisei e trabalhei muito, além de ser muito bem-informado para não trilhar caminhos já percorridos. Claro, tenho um pouco de tudo que veio antes de mim. Aproveito para citar uma frase do grande Gilberto Gil: ‘A Bahia já me deu régua e compasso, agora, o meu caminho eu mesmo traço’”.
Mail art: “É o único movimento sem nacionalidade. Sua grande façanha é a troca de conceitos/informações. Hoje, a arte é comunicação. Arte em trânsito e em todos os sentidos”.
Fluxus e Grupo Gutai: “Em 1982, morei em New York, com uma bolsa de artes visuais da Guggenheim Foundation, nesse período, além de pesquisar e trabalhar muito, mantive contatos pessoais com integrantes do Grupo Fluxus, a exemplo de Dick Higgins, Alison Knowles, Felipe Ehrenberg e Ken Friedman, com quem realizei a ‘Performance para um Cachorro’, entre outros trabalhos. Desde o início dos anos 70, eu já mantinha contatos, através da mail Art, com artistas do Fluxus e do Grupo Gutai, como Shozo Shimamoto e Saburo Murakami”.
Rede: “No ano 2000, criei o termo e-mail art, devido à mail art incorporar toda tecnologia que surgia, inclusive o fax art, que já era transmissão em tempo real. A primeira experiência de fax art no Brasil, ocorreu em 1980, com troca de obras-conceito entre mim, do Recife, e Roberto Sandoval, de São Paulo. Nós, artistas-correio do mundo todo, já trabalhávamos em rede e com cons/ciência de rede, desde o início dos anos 70. A internet, para nós, foi uma consequência normal”.
Novas tecnologias: “Quando o artista trabalha com novas tecnologias, ele precisa dissecar a máquina, assim como faz o estudante de medicina ao dissecar um cadáver. Dessa maneira, o artista consegue desvirtuar a função da máquina e colocar alma nela. Com isso, a máquina passa a trabalhar em coautoria com o artista, juntamente com o acaso e a ousadia. Agradeço sempre às máquinas pelas parcerias criativas”.
Recife: “Amo o Recife e sempre trabalhei a cidade em si, não só como suporte, mas também como obra, expondo várias atu/ações geo/gráficas, climáticas, apropriações, gastronômicas e sensoriais, entre outras coisas.
Classificados: “Desde os Anos 70, em vários trabalhos no Recife e outras cidades do mundo, utilizo os classificados dos jornais para registrar essas ações/apropriações, assim como fiz recentemente em São Paulo”.
VidArte: “Sou muito retilíneo na minha VidArte, sem ansiedades. Sempre gostei de coisas inúteis, que não servem para nada”.
Arte: “Continua sendo a última esperança”.
Arte do futuro: Telearte, que já venho comentando desde os anos 90. Está tudo no livro “Paulo Bruscky: Arte, Arquivo e Utopia” (Ed. CEPE, 2006), que Cristina Freire escreveu sobre minha obra/trajetória.
Ao jovem artista: “Se informe, pesquise, trabalhe, não seja ansioso e muito menos mentiroso.”
Com colaboração de Cynthia Garcia, historiadora de arte, premiada pela Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA) – [email protected].
Nara Roesler fundou a Galeria Nara Roesler em 1989. Com a sociedade de seus filhos Alexandre e Daniel, a galeria em São Paulo, uma das mais expressivas do mercado, ampliou a atuação, inaugurando no Rio de Janeiro, em 2014, e no ano seguinte em Nova York.
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