José Patrício é mais um artista de Recife (como eu), por quem nutro enorme admiração. Sua individual “Infinitos Outros”, com texto curatorial de Ariana Nuala, atualmente em exibição em nossa galeria carioca na charmosa rua Redentor, em Ipanema, atesta sua narrativa que joga com a precisão matemática e o lúdico da ilusão de ótica.
Relendo observações de alguns críticos de arte sobre exposições passadas deste artista, que entrou no circuito comercial no final dos anos 80, me deparei com as reflexões de Eder Chiodetto por ocasião da individual do artista intitulada “Explosão Fixa”, em agosto de 2017, no Instituto Ling, admirável empreendimento cultural fundado pela família Ling em Porto Alegre. Descrevendo com clareza o conceito que rege a obra do artista, Chiodetto diz: “O dom de iludir a percepção visual até que a faculdade do olhar imante e reordene poeticamente a lógica e o sentido das coisas está na raiz da construção meticulosa de cada obra de José Patrício. Nesse processo, Patrício sequestra dos objetos industriais feitos em série, como botões, pregos, dados e peças de quebra-cabeça, suas funcionalidades no mundo para, então, inseri-los numa ordenação lúdica que visa exaurir e transpassar a objetividade matemática que eles obedecem ao serem assentados no plano”.
Veja obras de José Patrício
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Rafael Salim/Cortesia Galeria Nara Roesler José Patricio, detalhe de obra com selos, Conexões cromáticas A-8, 2016
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Flavio Freire/Cortesia Galeria Nara Roesler José Patrício, Afinidades cromáticas, XXXIII 2017, botões sobre tela sobre madeira, 155 x 160 cm
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Flavio Freire/Cortesia Galeria Nara Roesler José Patrício, Conexões cromáticas A-11, 2016, selos postais, 61 x 70 cm
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Flavio Freire/Cortesia Galeria Nara Roesler José Patrício, Espirais cinéticas III 2022, botões sobre tela sobre madeira, 114 x 224 cm
José Patricio, detalhe de obra com selos, Conexões cromáticas A-8, 2016
Entre os materiais “sequestrados” por Patrício estão principalmente as peças do jogo de dominó, que vão marcar sua obra a partir de 1999. Na atual mostra em nossa galeria, os “sequestros”, em questão, se concentram em botões de vários tamanhos e em um conjunto de selos com a famosa efígie da finada rainha Elizabeth II da Inglaterra. Agrupados com absoluta precisão, botões e selos se metamorfoseiam em painéis cromaticamente organizados que flertam com a op arte, o construtivismo e o consumo.
No texto crítico da jovem historiadora, ela, também pernambucana, escreve: “As variações estéticas dos botões podem nos remeter aos grandes mercados públicos, feiras-livres ou vuco-vuco, como chamamos no Recife, cidade onde reside o artista”. Bem lembrado, os vuco-vucos do Recife são especialíssimos! São verdadeiros celeiros de ideias e da cultura nordestina em que se exercita o importante ato da troca, motor da civilização.
Pela teatralidade esfuziante do vuco-vuco passam as mais diversas mercadorias, de materiais de construção a alimentos a brinquedos. A energia própria desses mercados informais propicia um vaivém de objetos e pessoas, e dela o artista extrai e elabora suas obras. No processo – e aqui vem o “pulo do gato” para a arte conceitual -, Patrício se vale de procedimentos recorrentes da arte contemporânea, como o acúmulo e a retirada dos objetos de suas funções cotidianas, introduzindo outras ideias.
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Ou seja, o artista desenvolve novas narrativas a partir da retirada do objeto de seu circuito usual – comercial, urbano ou produtivo – para inseri-lo no campo artístico através de ideias díspares baseadas em noções matemáticas e recursos geométricos. Produzida com o prosaico, a poética e a precisão, a série de painéis de José Patrício conversa com a milenar arte do mosaico através de um jogo de admirável efeito ótico que brinca com a imaginação.
Além de ter participado na 22ª Bienal de São Paulo e na 3ª Bienal do Mercosul, em Porto Alegre, e de possuir obras em importantes coleções, José Patrício já expôs nos principais museus nacionais e em várias instituições internacionais, entre elas, a Fondation Cartier pour l’art contemporain em Paris.
Com colaboração de Cynthia Garcia, historiadora de arte, premiada pela Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA) – [email protected].
Nara Roesler fundou a Galeria Nara Roesler em 1989. Com a sociedade de seus filhos Alexandre e Daniel, a galeria em São Paulo, uma das mais expressivas do mercado, ampliou a atuação, inaugurando no Rio de Janeiro, em 2014, e no ano seguinte em Nova York.
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