A individual “Memento Vivere” da artista plástica Cristina Canale presta uma homenagem ao retrato feminino em sua nova série de pinturas em nossa sede na paulistana Avenida Europa. O título é uma saudação à vida (lembre-se de viver), tão necessário nos caóticos tempos atuais, que muitas vezes nos deixam confusos ou fragilizados, em contraste com seu oposto mais conhecido “memento mori” (lembre-se que é mortal). Ao optar pela palavra memento, que literalmente significa lembrança, recordação, em latim, a poética culta dessa mulher bonita e talentosa reafirma a função soberana do retrato, a de eternizar a figura humana.
Canale, que vive em Berlim e passa anualmente três meses no Rio de Janeiro, sua cidade natal, mudou-se para a Europa aos 32 anos quando a arte brasileira contemporânea era ainda pouco conhecida no exterior. Fixou-se na Alemanha onde vive há mais de vinte anos, firmando-se como pintora no disputado mercado europeu. Seus primeiros passos se deram na Escola de Artes Visuais (EAV) Parque Lage, um dos mais interessantes espaços na Zona Sul do Rio, cravado no sopé do Corcovado, no Jardim Botânico.
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Flávio Freire/Cortesia Galeria Nara Roesler Cristina Canale, Tstst, 2022, 100 x 100 cm
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Flávio Freire/Cortesia Galeria Nara Roesler Cristina Canale, Cachos, 2022, 100 x 100 cm
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Flávio Freire/Cortesia Galeria Nara Roesler Cristina Canale, Paixão, 2023, 110 x 100 cm
Cristina Canale, Tstst, 2022, 100 x 100 cm
Para quem não se lembra, lá foi o palco da revolucionária exposição de 1984, “Como Vai Você, Geração 80?”, que reuniu mais de cem alunos, todos aspirantes a artista, e acabou marcando um verdadeiro antes e depois na arte brasileira, sendo comentada até na mídia internacional que até então esnobava nosso potencial artístico. Do mega happening com curadoria de seu então diretor, o sempre inquieto Marcus Lontra, brotou alguns dos maiores talentos da geração 80 como Beatriz Milhazes, Daniel Senise, Leda Catunda, os já falecidos Leonilson e Angelo Venosa, e nossa Cristina Canale.
Nas últimas três décadas, ela vem percorrendo temáticas que se entrecruzam e se realimentam, formando seu tecido de símbolos e narrativas que se resolvem na tensão entre o abstrato e o figurativo, com enfoque maior nesse último. A artista vem desenvolvendo uma obra pictórica consistente, que se aprofunda em gêneros de pintura consagrados, como o retrato e a paisagem, sempre com seu colorido característico tingindo uma profusão de formas ambíguas de caráter onírico. Em seu processo artístico, tudo pode se tornar motivo de inspiração: algo que sobrou de fases anteriores, uma imagem curiosa na internet, as fotos que faz em seus momentos de lazer, a cena de um filme, o verso de um poema.
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Canale mantém viva a tradição das grandes retratistas que romperam a supremacia masculina na arte, como as pioneiras Lavinia Fontana de Bolonha e a napolitana Artemisia Gentilleschi, ambas do século 16 (1500), e as primeiras a terem seu talento na pintura reconhecido pela sociedade da época. Depois seguiram pintoras admiráveis como Vigée Le Brun, Berthe Morisot, Suzanne Valadon, Tamara de Lempicka, Frida Kahlo, nossa Anita Malfatti, Alice Neel e as contemporâneas Elizabeth Peyton e Marlene Dumas, só para citar algumas. Trazendo essa longa linhagem em seu DNA, uma das características dos retratos de Canale é o fato que neles as personagens estão sempre despidas de suas feições, invadindo, assim, o campo do anti-retrato, no qual os rostos são resumidos à sua aura. Outro importante viés de sua bela pintura é a inserção de componentes lúdicos como balões de diálogo, nuvens, gotas, elementos atmosféricos… Esse conjunto de símbolos além de expandir o limite da figuração dão um passo em direção ao tênue território da quimera.
Cristina Canale tem individuais programadas para 2024 no Instituto Ling, em Porto Alegre, e na Fundação Roberto Marinho, no Rio. Além de estar em importantes coleções na Alemanha e nos Países Baixos, a obra da artista encontra-se no MASP, MAM-Rio, MAC-Niterói, MAC-USP e na Pinacoteca do Estado de São Paulo.
Com colaboração de Cynthia Garcia, historiadora de arte, premiada pela Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA) [email protected]
Nara Roesler fundou a Galeria Nara Roesler em 1989. Com a sociedade de seus filhos Alexandre e Daniel, a galeria em São Paulo, uma das mais expressivas do mercado, ampliou a atuação inaugurando no Rio de Janeiro, em 2014, e no ano seguinte em Nova York.
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