A alfaiataria invadiu de vez as passarelas nacionais e internacionais. Das marcas mais luxuosas às mais moderninhas, não teve quem escapasse das calças bem cortadas e dos paletós de toda sorte. A tendência ganhou ainda mais corpo com a febre da série Succession. O tão falado “quiet luxury” da família Roy exalta o primor na construção das peças, a qualidade dos tecidos e o rigor nos acabamentos, e não mais os logotipos escancarados. E é aí que a alfaiataria ganha mais força.
O bom e velho terno de escritório para ambientes formais segue um clássico, mas a dupla calça e paletó, um pouco mais versátil, ganhou outros contextos, formas e combinações. A seguir, estilistas refletem sobre a atualização do costume.
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Ricardo Almeida
Desde quando entrou no mercado em 1991 com uma loja para lá de futurista no shopping Morumbi, Ricardo Almeida já via a alfaiataria de um modo similar ao que ela está sendo compreendida hoje. Provadores com sistema de som poderoso, design de interior inspirado nas naves Enterprise e portas que abriam automaticamente já mostravam que, para ele, o costume estava longe de ser algo careta.
“Na inauguração da minha loja tinha terno cinza, azul turquesa e de linho. Comecei fazendo tudo muito diferente do que existia por aqui”, lembra. O negócio ousado foi um sucesso e virou queridinho de artistas e empresários do universo criativo. Mas com o tempo, apesar do crescimento, ele notou que os donos de empresa mais tradicionais não entravam na loja.
A marca como conhecemos hoje, bem menos intergaláctica, foi moldada para atrair o homem que preza pela qualidade do produto final. Não importa o estilo. “O empresário mais clássico, que não era o bonitão da novela nem o publicitário badalado, só passou a entrar aqui depois que o Duda Mendonça me convidou para vestir o Lula na campanha da primeira eleição. O cara que não era tão alto ou não tinha o corpão do Edson Celulari — que eu vestia na novela — viu que também podia ter um visual impecável e passou a me procurar”, diz.
Ricardo sente que hoje o público masculino tem acesso a um volume muito maior de informação de moda e, por isso, a relação do brasileiro com a alfaiataria está mudando. “Já tenho cliente que entra aqui hoje e pede um costume oversize com calça pantalona, por exemplo. Acabei de fazer esse look para o Enzo Celulari, filho do Edson. Mas ainda não é a maioria. Não quero fantasiar ninguém. Gosto de entender quem é o meu cliente e vesti-lo dele mesmo, da melhor forma possível”, conta.
O estilista notou também que, depois da pandemia, o homem brasileiro está trocando a calça jeans pela alfaiataria — e ela tem atraído um público cada vez mais jovem. Ele já criou até costume em moletom. A aposta é tanta que em setembro Ricardo abriu no Hotel Rosewood, em São Paulo, um espaço de atendimento exclusivo, com hora marcada, que vai vender também uma nova marca, a RA2, criada em parceria com seus filhos de 18 e 19 anos, de roupas mais modernas que vestem corpos masculinos e femininos.
“Hoje, o costume oversize, a calça com pregas e a lapela mais larga são o que há de mais novo no mercado. Mas não é todo mundo que gosta ou se sente bem para usar. A maioria dos homens ainda moderniza o visual cotidiano ao usar uma calça mais curta com mocassim sem meias, por exemplo”, diz.
Para ele, o homem que procura atualizar o costume precisa primeiro refletir sobre o próprio estilo. E a alfaiataria parece ser a ferramenta perfeita para isso. Ele revela que, quando atende uma pessoa que pede algo especial sob medida, o céu é o limite, mas que também adora quando o cliente sai da loja feliz da vida com seu terno superclássico.
“Hoje o bom da moda é que não temos mais regras. É possível fazer misturas de tecidos, de texturas, de estilos variados. O paletó certo é uma peça bem acabada, com bom tecido e que represente quem você é”.
Elegante e atual: Como dar novos ares ao costume
Prada
“Na alfaiataria as roupas são clássicas, mas a mistura as torna excitantes e novas. Há couro contra o corpo, depois algodão por cima — há uma espécie de anti-lógica na combinação, uma estranheza. Uma combinação de crueza e sofisticação nessas roupas também é importante. O contraste entre o classicismo e a espontaneidade confere uma sensibilidade nova, uma emoção.”
Raf Simons, codiretor criativo da Prada
Hugo Boss
“Para atualizar o costume vale trabalhar elementos contrastantes, como cores secas e fluidas; opaco e transparente; passado e presente. A justaposição serve como base de uma nova exploração de estampas, tons e texturas. É importante misturar acessórios, como lenços, cachecóis, colares e gravatas diferenciadas, para elevar a alfaiataria no cotidiano. É uma reflexão para avançarmos com ousadia no futuro”
Marco Falcioni, diretor criativo da Hugo Boss
DOD – Não Tradicional Alfaiataria
“Como uma Não Tradicional Alfaiataria procuramos estabelecer novos olhares sobre o clássico. Traduzimos isso explorando tecidos, texturas e cores sob o recorte da alfaiataria. Isso possibilita novas maneiras de usá-la em ocasiões diferentes durante o dia, sem falar na possibilidade de combinar com peças casuais como malhas, regatas e sneakers, ou até se permitindo um look mais confortável com peças mais oversized, sem nunca perder o cuidado com acabamentos e detalhes na construção das roupas.”
Jubba Sam, diretor criativo da DOD Alfaiataria
Do luxo ao casual
Uma das marcas mais luxuosas do mundo, a Zegna entendeu logo que o universo da alfaiataria estava em transformação e, sob comando do estilista Alessandro Sartori, passou por mudanças também. A equipe criativa conta que a última coleção foi guiada pela versatilidade, pelo conforto e por um estilo sem tanta rigidez.
Do casual, que pode ser visto no uniforme do time de futebol do Real Madrid, ao elegante menos careta, na pele do garoto propaganda Kieran Culkin, que interpreta o bilionário Roman Roy na série Succession. Na première da nova temporada, no começo do ano, ele optou pelo costume preto sob medida com detalhes em cetim, blusa de gola alta em cashmere e tênis da mesma cor em veludo. Requinte atualizado.
Reportagem originalmente publicada na edição 107 da Forbes Brasil