Confesso: nunca tinha ouvido falar em Ras al-Khaimah, um dos sete Emirados Árabes Unidos, antes de ser escalado para esta reportagem no Golfo Pérsico. Não só eu, diga-se – conversei com habitués de Dubai, de Abu Dhabi e até de Doha, no vizinho Catar, e todos franziram a testa, respondendo em uníssono: onde? Mergulho no atlas antigo que me acompanha há décadas e aprendo que RAK (apelido de Ras al-Khaimah) fica à direita de Dubai, no norte dos Emirados, quase fronteira com Omã. O próximo passo é descobrir que o diferencial de RAK em relação aos seus vizinhos badalados se resume em uma palavra: natureza.
Ras al-Khaimah não tem torres espelhadas gigantescas, não tem neon, nem shoppings efervescentes – os principais postais aqui mostram cadeias de montanhas pintadas por tons de ocre, oásis verdes que escondem fazendas de pérolas, fortes seculares com visuais panorâmicos maravilhosos, praias de areia fina e mar turquesa, além de dunas que funcionam como pano de fundo ideal para grupos de órix árabe que desfilam ao entardecer. E, assim que bato o olho na principal experiência disponível neste Emirado, meu coração já começa a galopar e uma dúvida imediata se instala: será que vou conseguir me jogar, deitado, de cabeça para a frente como um foguete, na maior tirolesa do mundo, com 2,83 quilômetros, que despenca de uma altura de 1.680 metros e cruza um vale desértico a mais de 150 km/h em cerca de dois minutos de voo?
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Em vão, procuro tirar tal pensamento da mente. Mesmo com outras atrações especiais nos dias que antecedem o momento de encarar o vazio, o frio na barriga ao recordar da tirolesa quase sem-fim é sempre inevitável. No dia reservado para a aventura extrema, impossível controlar a respiração acelerada conforme as curvas se sucedem morro acima em Jebel Jais, na cordilheira de Hajar, a maior cadeia de montanhas a leste da Península Arábica, endereço do pico culminante da região, a 1.934 metros. No caminho, pausa para o visual à beira da estrada e dar uma espiada no Bear Grylls Camp, acampamento para treinamento de sobrevivência do britânico Edward Michael Grylls, conhecido como Bear Grylls, aventureiro protagonista dos programas À Prova de Tudo e No Pior dos Casos, da Discovery.
Vai ou não vai?
Bom, até que chega a hora de responder no balcão de atendimento da Jebel Jais Flight: vai ou não vai? Sim, vou! A partir daí, nos equipamos em uma sala onde são passadas orientações de segurança. Uma van leva à plataforma de lançamento. A inspiração profunda pelo nariz e a expiração pela boca não deixam dúvida do meu estado de nervos nos minutos que antecedem o voo. Finalmente posicionado de decúbito ventral, pendurado no cabo, ouço a contagem regressiva e – surpresa! – o medo vai para o espaço assim que a diversão começa. Dá para curtir muitíssimo o visual – e a velocidade! – sem se sentir inseguro.
Que espetáculo cruzar o vale em um canto tão remoto do planeta, com o zunido da tirolesa misturado a berros de entusiasmo. O tranco prometido para o final é bem mais suave do que o esperado. De pé na plataforma de chegada, outra surpresa: ainda não estamos em terra firme, mas, sim, em estrutura suspensa por cabos. É necessário pegar outra tirolesa (desta vez, sentado e por um trecho curtinho) para alcançar a montanha. O sorriso não sai do rosto; “muito legal” vira uma frase repetida à exaustão até que percebo que, sim, adoraria ir de novo.
Acha que acabou a diversão na montanha? Que nada! Depois da tirolesa, almoço no 1484 By Puro, o restaurante mais alto dos Emirados, com uma vista impressionante. Mal dá tempo para a adrenalina baixar e vamos para o Jais Sledder, um trenó (para uma ou duas pessoas) que desce 1.840 metros de trilhos, podendo alcançar 40 km/h, com um controle manual de freio. Após a experiência na tirolesa, pensei que fosse algo “tranquilinho”, mas, olha, não é não, viu? Me peguei mais puxando o freio do que deixando o trenó ganhar velocidade – e foi ótimo.
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O dia inesquecível nas montanhas teve um fim de tarde à altura: trekking no pôr-do-sol a partir do Camp 1770, base de diversas caminhadas (para experts ou não no esporte), coladas à fronteira com Omã. “Começamos a desenvolver as trilhas em 2018 – em quatro meses, fizemos 16 quilômetros. Hoje, são 80 quilômetros, em quatro diferentes zonas das montanhas, e temos planos de chegar a 100”, conta o libanês Fadi Hachicho, que trabalhava com eventos e marketing, mas decidiu seguir outro caminho após fazer a escalada do Monte Kilimanjaro (cume do continente africano, com 5.895 metros, na Tanzânia), em 2018. “Dois meses após escalar o Kili, decidi que precisava de uma vida outdoor, saí do meu trabalho e usei minhas economias para pegar o primeiro voo para o Alasca e ir atrás de uma certificação de guia de montanha.”
Por essas coincidências da vida, Fadi encontrou o sheik Saud bin Saqr al Qasimi em uma trilha e conseguiu o apoio do mandatário de Ras al-Khaimah para ampliar sua atuação no ecoturismo da região. “Graças ao apoio de sua alteza, nós conseguimos desenvolver a mais longa trilha dos Emirados Árabes Unidos, sendo possível sediar a prova Highlander Adventure, um desafio de 55 quilômetros em três dias.”
Com o cair da tarde no Camp 1770, nos foi servido um jantar típico do Emirado, preparado por famílias que vivem na região. Mandi Chicken: frango e arroz cozidos com especiarias, acompanhados de iogurte e molho de tomate; Lugaimat: uma espécie de massa frita coberta com calda de tâmaras e gergelim; Karak Chai: folhas de chá embebidas com chá de leite doce e especiarias como cardamomo, gengibre e açafrão. Chega a ser empolgante o desfrute do poente em um lugar no qual o turismo ainda engatinha e está se preparando para receber um fluxo maior de turistas. Silêncio e contemplação diante de uma paisagem espetacular, ainda pouco admirada.
Três milhões de visitantes em Ras al-Khaimah em 2030
Os planos de expansão da atividade turística são ousados para o Emirado que tem uma população de 450 mil pessoas e que recebeu 1,13 milhão de visitantes no ano passado (número recorde, superando níveis pré-pandêmicos), em uma estrutura hoteleira de 8.092 chaves de quarto (48% em hotéis cinco estrelas). “Nosso objetivo é receber três milhões de visitantes por ano até 2030”, conta Raki Phillips, CEO da Ras al-Khaimah Tourism Development Authority. “Esse crescimento se deve à promoção que estamos fazendo de RAK como um destino de classe mundial, atraindo o investimento de grandes marcas de hotel. Um exemplo é o Wynn Resorts, que será inaugurado em 2027 e é o maior investimento estrangeiro direto desse tipo em Ras al-Khaimah: US$ 3,9 bilhões até o momento.” O plano é dobrar o número de chaves de quarto em poucos anos, com a chegada de bandeiras hoteleiras como Marriott, Anantara, Sofitel, Le Méridien e Nobu. “O turismo é – e sempre será – um dos pilares do desenvolvimento de RAK. Até 2030, queremos que o impacto do setor na economia do Emirado aumente para quase um terço”, diz Raki.
Outra novidade que facilita o fluxo de turistas de outros países foi a inauguração, em novembro, de um voo da Qatar Airways para o aeroporto de RAK – atualmente, o aeroporto usado como porta de entrada é o de Dubai, a 45 minutos, servido principalmente por voos da Emirates. “Estamos investindo também no negócio de cruzeiros e esperamos receber 20 escalas de cruzeiros de luxo até 2026, com o objetivo final de 50 escalas até 2030”, completa Raki. O executivo sublinha que a chave para garantir o crescimento do turismo é posicionar RAK como destino do futuro, guiado por sustentabilidade, acessibilidade e diversificação. “Há dois anos, dedicamos US$ 135 milhões para o desenvolvimento de mais de 20 projetos de turismo com propósitos de melhoria no meio ambiente.”
Com uma rica história que remete à Idade do Bronze (7 mil anos), RAK conserva atrações que são raridade nos Emirados Árabes Unidos, como o Dhayah, o único forte de colina remanescente no país e que está na lista provisória do Patrimônio Mundial da Unesco (outros três sítios históricos deste Emirado estão nessa condição: Julfar, Shimal e Al Jazirah Al Hamra). O calor superior a 40 º C não impede a subida dos 239 degraus em ziguezague até o topo do forte. De lá, não há pressa para se observar vilarejos, as montanhas de Jebel Jais e um mar de tamareiras. 360 graus de vista e é difícil escolher qual o lado mais lindo. A fortaleza de tijolos de barro a 70 metros de altura ganhou corpo no século 19 e passou por restauração no fim da década de 1990. Em 1819, foi palco de batalha entre tropas britânicas e tribos locais.
O passeio ao sítio histórico pode ser combinado à visita ao Museu Nacional, com uma coleção de artefatos arqueológicos e etnológicos – preciosidades que remetem a civilizações de 5000 a.C. RAK era estratégica no comércio da Mesopotâmia entre 5500 e 3800 a.C. O museu, de 1987, é montado na propriedade que pertenceu à família Quwasim até 1964 – originalmente, tratava-se de um forte, com uma grande torre e três torres redondas menores, construído de pedras e blocos de corais, o qual foi destruído duas vezes: em 1621, pelos portugueses; e em 1820, pelos britânicos.
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Suwaidi: fazenda de pérolas
Antes do protagonismo econômico baseado na extração de petróleo, a fama mundial dos Emirados Árabes Unidos estava ligada a outra atividade: à pesca de pérolas, tradição com sete milênios de história. Hoje, é possível fazer um passeio para lá de agradável ao vilarejo de pescadores Al Rams (cerca de uma hora do centro de RAK) e ter contato com esse traço cultural preservado pela Suwaidi Pearls Farm. O primeiro nome é da última família ligada ao arriscadíssimo (muitas vezes fatal) costume da pesca artesanal da ostra – só 1% delas podia ser “premiada” com uma pérola. Os mergulhadores submergiam com o nariz fechado por um clipe de tartaruga e os ouvidos entupidos por cera. Comiam tâmaras, bebiam café e se despediam da família como se fosse a última vez antes de irem ao mar. A vida deles ficava por um fio, ou melhor, por uma corda, manuseada pelo parceiro no barco.
Em 2004, Abdulla Al Suwaidi inaugurou a fazenda de pérolas – a primeira do mundo árabe – para homenagear o avô Mohammed, considerado o último mergulhador a colocar a vida em risco por uma pérola. Em 2017, virou atração turística. O passeio começa com uma travessia de barco de cerca de 20 minutos até o local da fazenda marítima. A navegação lenta enaltece aquela palavrinha que diferencia RAK. A natureza se mostra exuberante em um panorama que mescla, em primeiro plano, um mangue verdejante com o paredão desértico ocre das montanhas de Jebel Jais ao fundo – visual entre os mais lindos da viagem. Nosso grupo é ciceroneado por Bilal Al Khaled, que, em voz baixa e pausada, conta a história da pérola nos Emirados, curiosidades da pesca, embarcações usadas, como funciona hoje a produção da fazenda, além de mostrar os objetos antigos usados por marinheiros e mergulhadores.
No grand finale, Bilal mostra montinhos de pérolas cada vez maiores até encerrar com uma masbaha (espécie de terço islâmico usado para orações) de 35 pérolas (33 no colar para três ciclos de reza). Como se estivesse hipnotizado, o grupo de seis pessoas fica calado, admirando a peça. Zunido apenas de uma brisa mansa, suficiente para fazer tremular a bandeira preta, branca, verde e vermelha dos Emirados Árabes Unidos logo atrás de Bilal.
Curtição no deserto
Gosta de acelerar quadriciclos ou UTVs no deserto, procurando locações de cinema para o pôr-do-sol no topo de dunas? Se sim, vai se esbaldar nos passeios oferecidos em Bassata Village, uma réplica de aldeia beduína que também funciona como ponto de partida para passeios de veículos 4X4 fechados dirigidos por motoristas locais. Quando estrelas (e uma lua quase cheia, no meu caso) ganham o firmamento, hora de jantar a céu aberto acompanhado de danças típicas.
Na mesma região, a reserva natural Al Wadi, de 500 hectares, é lar de mais de 50 espécies de aves, além de camelos, gazelas e órix árabe – quase extintos há 50 anos com seus belos e anelados chifres. The Ritz-Carlton Ras al-Khaimah, Al Wadi Desert é uma excelente base (com villlas equipadas com piscinas privativas) para quem não se importa em ficar hospedado longe do mar.
Agora, se você não abre mão de um mergulho assim que acorda (ou a qualquer hora do dia, afinal, calor e beleza é o que não falta), seu lugar é o Intercontinental Ras al-Khaimah Mina Al Arab Resort & Spa, inaugurado em fevereiro do ano passado com 351 quartos (destaque para as 37 villas), praia privativa e ótimos restaurantes (destaque para o Levant & Nar: cardápio contemporâneo de cozinha turca e libanesa; carnes excelentes, sem falar da vista para o mar e um pôr- do- sol espetacular).
Outro cinco estrelas localizado em ilha – ainda mais empoleirado sobre o golfo turquesa –, é o Mövenpick Resort Al Marjan Island, com 300 metros de praia de areia fina e clarinha (destaque para a arquitetura e para as obras de arte espalhadas pelo hotel). Em comum, as ilhas mais exclusivas de RAK têm enormes empreendimentos (das principais redes hoteleiras internacionais) subindo, ganhando forma. Trata-se de um destino em construção – e, ao mesmo tempo, pronto.
Uma vez dentro do mar (e olha que sou dessas pessoas que adora entrar no mar) lembra-se o quão perto se está das montanhas, o quão especial é a geografia – e a história – dessa esquina da Península Arábica. E, uma vez nas montanhas, não se vê a hora de voltar para o mar de uma cor de água de difícil descrição tamanha a transparência. Amarrando essas duas paisagens, ótimas estradas, mangues, oásis e deserto. É a natureza que rege os pensamentos e os dias em Ras al-Khaimah. Confesso: jamais esquecerei.
Matéria publicada na edição 109 da revista, disponível nos aplicativos na App Store e na Play Store e também no site da Forbes.