Antes de inaugurar a individual de Fabio Miguez, “Construtor de memória”, em dezembro, enviei um email ao artista sobre este novo desdobramento de sua famosa série “Atalhos”. Em exposição em nossa galeria carioca até 17 de fevereiro de 2024, a mostra reúne cerca de trinta telas em tinta a óleo em pequeno formato. Veja o que ele respondeu:
Fabio, qual a diferença entre “Atalhos” parte 1 e “Atalhos” parte 2?
Fabio Miguez: Na verdade, não existe “Atalhos” parte 1, nem parte 2. Existe “Atalhos” que é uma grande série que venho desenvolvendo desde 2010. No início, me interessavam as diferenças entre as unidades da série e a possibilidade de formar conjuntos heterogêneos, mas que tinham a unidade garantida pela minha pintura. Com o passar do tempo alguns destes atalhos viraram matrizes de sub- séries, como é o caso de “Volpi”, “Piero”, “Alvenarias”, “Caixas”, algumas de minhas séries anteriores. A idéia de atalhos permanece porque continua me interessando a passagem entre os trabalhos e, agora, entre as séries. A exposição é basicamente composta de pinturas em pequenos formatos.
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Qual seu fascínio pelo pequeno formato?
FM: Sigo fazendo trabalhos maiores, mas não na mesma quantidade dos meus primeiros anos de trabalho. O pequeno formato é um dos dispositivos da 2 série “Atalhos”. Como muitas vezes trabalho com referências bem próximas, preciso que o trabalho de edição, por assim dizer, se mostre bem claro. Neste caso, fiz uma edição que, entre outros procedimentos, adapta a imagem referente a um formato pré-definido. Além disso, o pequeno formato funciona como “frames” de um filme, garantindo a passagem de um trabalho a outro.
Sua pintura é primorosa, com técnica admirável. Como consegue essa textura delicada, ao mesmo tempo, “rústica”, espatulada?
FM: Bom, isso é mais difícil de explicar. Gosto muito de uma frase do escritor Henry James, que simplificando é assim: “Damos o que temos, fazemos o que podemos, nossa dúvida é nossa paixão e nossa paixão nosso dever. O resto é a loucura da Arte”. Já a citei várias vezes quando não sei bem o que responder. É uma afirmação belíssima e verdadeira.
Atalhos, por Fabio Miguez
Em inglês, a palavra atalho, short cuts, também é o título do cultuado filme de 1993 do diretor norte-americano Robert Altman, e uma das fontes de inspiração para a série em andamento do artista paulista, que teve a primeira parte lançada em nossa galeria em Ipanema em 2016. Altman, um dos maiores cineastas de sua geração, filmou seu “Short Cuts” como uma sequência de cenas, aparentemente desconexas, como parece ser, à primeira vista, o atalho tomado por Miguez.
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Mas como não poderia deixar de ser, há mais por trás dos atalhos do pintor, um dos mais expressivos nomes da arte brasileira de sua geração. Numa sutil apropriação, a série homenageia fragmentos de afrescos de mestres italianos do Renascimento como Giotto, Fra Angelico, Simone Martini e Piero della Francesca, pintores que revolucionaram o fazer artístico e foram fundamentais para a decisão de um jovem Fabio Miguez largar a arquitetura nos anos 80 e abraçar a carreira de artista visual.
Em “Atalhos”, a grande sacada de Miguez vem do fato de ele reproduzir fragmentos da visão humanista e racionalista da arquitetura clássica, com seus arcos, abóbodas, cúpulas e colunas, que apenas serviam de pano de fundo para exaltar as cenas religiosas em primeiro plano nas obras renascentistas. Ao contrário dos colegas renascentistas, Miguez opta por privilegiar a geometria construtiva recriando detalhes desses espaços arquitetônicos com seu silencioso minimalismo e ainda faz uso de outra estratagema, elimina qualquer traço da 3 figura humana original que centralizava as atenções nesses registros feitos há mais de cinco séculos.
Ao utilizar como parâmetro um profundo conhecimento e respeito pela História da Arte, conciliado à estética contemporânea, “Atalhos” de Miguez exemplifica o desafio incessante pela renovação da pintura que move a alma do artista moderno.
A individual “Fabio Miguez: Construtor de Memória” fica em cartaz até 17 de fevereiro de 2024, na Galeria Nara Roesler no Rio de Janeiro.
Com colaboração de Cynthia Garcia, historiadora de arte, premiada pela Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA) [email protected]
Nara Roesler fundou a Galeria Nara Roesler em 1989. Com a sociedade de seus filhos Alexandre e Daniel, a galeria em São Paulo, uma das mais expressivas do mercado, ampliou a atuação inaugurando no Rio de Janeiro, em 2014, e no ano seguinte em Nova York.
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Instagram: @galerianararoesler
http://www.nararoesler.com.br/
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