A fábrica de papel dos pais nunca saltou aos olhos de Fernanda Marques. O que segurava a atenção da menina e a desconectava do mundo era um papel branco e lápis coloridos correndo soltos na folha. A paulistana sempre foi muito observadora. Começou a se interessar cedo por arte e, mesmo sem ter outros arquitetos na família, encaminhou-se para essa profissão após se formar na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo de São Paulo (FAU-USP).
A veia empreendedora dos pais se manifestou ao perceber que desejava a própria marca, que hoje não se limita à arquitetura, atuando também com interiores e design de produto. Na arquitetura, além de casas e apartamentos, assina o showroom de grifes como Ermenegildo Zegna e L’Occitane.
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Aos 56 anos, ela está há 33 à frente do escritório que leva seu nome – há 17 em uma cobertura da Vila Olímpia –, liderando uma equipe de mais de 40 colaboradores. A longa carreira (com negócios de norte a sul no Brasil e no exterior) é pontuada pelo reconhecimento de diversos prêmios internacionais – no ano passado, foi eleita uma das cem maiores por profissionais da América Latina pela revista Architectural Digest. A dedicação ao trabalho, no entanto, não a impediu de viver a maternidade (com intensidade, diga-se): é mãe de trigêmeos, de 29 anos.
A seguir, trechos da entrevista com arquiteta Fernanda Marques.
Forbes Brasil – Por que decidiu estudar arquitetura?
Fernanda Marques – Não há arquitetos na família, foi uma escolha bem em acordo com meus interesses. Durante o segundo grau, a escolha foi tomando forma, muito por base nas minhas vivências. Fui a primeira arquiteta da família, mas não a última:, uma de minhas filhas, Isabella, seguiu os mesmos passos [os outros filhos são Rafael, administrador que trabalha com energias renováveis; e Victoria, advogada].
Quais foram as suas principais lições na FAU-USP?
Fundamentalmente, uma visão multidisciplinar à arquitetura, que aborda do urbanismo ao desenho do objeto, e o compromisso do arquiteto com a sociedade. Mas, mais do ponto de vista subjetivo, acredito que veio dos anos da FAU a consciência de que nós, arquitetos, podemos acrescentar um gradiente estético a mais na vida das pessoas. Transposto para os dias atuais, porém, vejo esse compromisso ligado à minha preocupação permanente com a sustentabilidade em todos os níveis. Do pessoal ao profissional. Da minha casa ao escritório, onde procuro trabalhar dentro de parâmetros ideais de menor impacto ambiental.
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Quando ganhou seu primeiro prêmio internacional?
O meu primeiro prêmio internacional foi o A’ Design Award [categoria Interior Space], em 2012, com o projeto residencial Malibu. Esse prêmio é um dos maiores e mais prestigiados concursos do mundo e, sem dúvidas, foi um ponto muito importante em minha carreira, além de um start muito forte para todos os outros prêmios que vieram a seguir. Naquele mesmo ano, recebemos o mesmo prêmio pelos projetos Banco Geomorph, Banco Infinito e pela mostra Boa Mesa [conjunto de cozinha]. Tive a honra de receber quatro troféus em minha primeira premiação internacional, que representa um indicador de qualidade.
Quais são os prêmios recentes mais emblemáticos?
Diria que os últimos recebidos são os mais emblemáticos: IF Design Award 2023 [venceu com dois projetos: Casa Jabuticaba e Vista Residence] e o Interior Design Magazine [entregue em Nova York no ano passado pelo projeto Brazilian Financial Center, em duas categorias: Large Commercial Lobby e Amenity Space Category].
Quem são seus ídolos estrangeiros e brasileiros na arquitetura?
São muitos e variam de acordo com o tempo e suas realizações. Para citar uma do exterior e outro do Brasil: Zaha Hadid [iraquiana, 1950-2016] e Paulo Mendes da Rocha [capixaba, 1928-2021].
Quais são as cidades no exterior onde tem clientes?
Muitos de nossos clientes nacionais evoluíram para que construíssemos no exterior, enquanto temos estrangeiros desde o princípio. As cidades no exterior onde temos projetos: Londres, com o projeto London Penthouse; Lisboa, com o apartamento LX; Panamá, Cascais e St. Tropez são lugares onde estamos construindo belíssimas casas; em Nova York e Miami, fizemos alguns projetos de interiores em apartamentos com localizações muito privilegiadas, e, por fim, Luanda, onde temos um projeto em andamento.
Além de projetos arquitetônicos, quantos produtos hoje levam a sua assinatura?
São diversos os produtos que temos hoje que levam a assinatura Fernanda Marques. Em comércio, são 12 coleções principais. A partir dessas coleções, existem as suas diversidades e variações de adaptação dos produtos, de acordo com a necessidade do cliente. Temos mesas que funcionam como mesa lateral, de apoio, jantar e de centro; vasos e luminárias. Bancos feitos em inox, madeira e até mesmo mármore; uma coleção de joias, revestimentos para paredes e cerâmica sanitária com a nossa cuba Infinity, vencedora do prêmio Red Dot.
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Quando começou a fazer móveis?
Antes mesmo de começar a pensar a desenvolver produtos para comercialização, já gostava de desenvolver produtos exclusivos para meus projetos. Essa vontade foi evoluindo. Criamos alguns mobiliários por conta própria, como o Banco Infinito, até recebermos convites de empresas para o desenvolvimento de produtos para colocá-los à venda no mercado.
O projeto Casa Fazenda Boa Vista fez 10 anos em 2023. Ele é especial para você?
O projeto Fazenda Boa Vista teve início em 2013 e foi finalizado em 2015. Com esse projeto, vencemos dois prêmios importantes: o A’ Design Award e o World Architecture Community Awards. Foi nosso primeiro projeto entregue no condomínio em Porto Feliz [interior de São Paulo]. Esse projeto nos abriu muitas portas para que nossa arquitetura residencial pudesse ser contemplada com outros olhos.
Qual projeto de apartamento você gostaria de destacar?
Vale a pena destacar, por sua ousadia, a Residência Panorama, vencedora do prêmio International Architecture Award 2020. O cliente queria alocar uma piscina no subsolo de seu apartamento. Então, decidi posicioná-la, nada mais, nada menos, em plena sala de estar. Trata-se de um grande colecionador de arte, e a piscina emoldurada na sala fez com que fosse contemplada como mais uma de suas obras.
Como é a sua rotina?
Meu dia a dia é muito intenso. Acordo por volta das 7h. Busco sempre fazer um exercício físico, tomo meu café da manhã junto com a família e preencho as manhãs com atividades gerais, como algum curso, ou mesmo me dar ao luxo de conversar com amigos fora do ambiente de trabalho. Ter tempo de qualidade para mim e minha família hoje é alguns dos principais pilares para que a semana seja completa. Depois, almoço e dou início ao trabalho. Todo início de semana tenho uma reunião longa e completa com todos os coordenadores de equipes. Finalizo o dia lendo um bom livro, assistindo a um documentário, buscando sempre o bom convívio e a harmonia com aqueles que amo.
Tem um lugar para onde sempre viaja no Brasil? E no exterior, qual destino é inspirador para sua arquitetura?
Para Paraty, em nossa casa de praia. Lá, recarrego minhas energias. No exterior, grandes cidades, como Nova York, Londres, Lisboa, Tóquio, Copenhagen e Estocolmo. É onde sinto a vida acontecer com toda a sua intensidade.
Entrevista publicada na edição 110 da revista, disponível nos aplicativos na App Store e na Play Store e também no site da Forbes.