Cheguei um pouco adiantado para a entrevista com Ricardo Almeida em seu novo e impressionante endereço no complexo Cidade Matarazzo, em São Paulo (770 metros quadrados, R$ 15 milhões de investimento, acústica perfeita e visual cinematográfico de ambos os lados das paredes de vidro). Mas já tinha uma ideia de lide na cabeça (lide, ou lead, é a abertura de um texto jornalístico). “Vou fazer o Ricardo dizer que, assim como um editor de textos, ele reconhece qualidade e estilo – ou a falta disso – logo na primeira linha que vê”, arquitetei, mentalmente.
Depois de um café, um saboroso pão de queijo e alguns minutos de conversa, lancei a provocação. “Você não sente prazer ou aflição logo no primeiro olhar da roupa que quem está na sua frente está usando?” “Zero.” “Hein?” “Eu não enxergo a roupa de quem está diante de mim”, ele respondeu. “Como assim? Nem se estiver torta, mal ajambrada?”, insisti. Nem. Ele explicou que passa quase 100% do tempo imerso em seu processo mental de criação, não importa o estímulo que venha de fora. O hiperfoco, concluí, foi um dos fatores que fizeram dele o grande nome da moda masculina no Brasil. Concluí também que genialidade e previsibilidade não andam juntas.
Assim sendo, vou começar este texto dizendo que Ricardo Luiz Pereira de Almeida nasceu em São Paulo em abril de 1955, segundo dos cinco filhos de Beatriz e Oswaldo Almeida, ela dona de casa e ele dono da Casa Almeida, uma conhecida loja de cama, mesa e banho na capital paulista na qual Ricardo começou a trabalhar, aos 11 anos.
Enquanto pegava gosto pelo negócio da família, apaixonava-se mais ainda por motos, então um símbolo de liberdade e rebeldia (o clássico da contracultura Easy Rider, por exemplo, é de 1969). “Aos 16 anos, comprei uma motocicleta com o dinheiro do meu trabalho”, lembra. “Seus pais não ficaram preocupados?” “Não, meu pai me deu apoio, ele também corria de carro quando era mais novo.” Foram as motos que aceleraram sua entrada no ramo de confecções, enquanto buscava patrocínio para suas corridas em Interlagos. “Eu corria de 350 [cilindradas] junto com as de 500, e teve um campeonato brasileiro que eu terminei em segundo ou terceiro (não lembro direito agora).”
Ricardo também não tem muito claro na memória o estrago em seu corpo provocado por um tombo na pista molhada do autódromo (ele não tinha pneus de chuva). “Fui parar no hospital. Mas o problema maior foi que perdi o patrocínio que eu teria até o ano seguinte. Era um amigo da família, que foi pressionado por meus pais a não me apoiar mais.” Desta vez, seu Oswaldo e dona Beatriz ficaram assustados com o hobby do filho.
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No entanto, lá foi ele procurar outro patrocinador. Enquanto caçava um mecenas entre as marcas de roupas que conhecia, acabou sendo convidado a trabalhar para uma delas como representante de vendas. Desde então (o ano era 1974), não saiu mais do metiê. Poucos anos depois, foi contratado por uma camisaria e passou a se interessar por tecidos e modelagem. Foi quando características como seu hiperfoco e seu perfeccionismo conspiraram na formação do futuro “Giorgio Armani” brasileiro (o estilista italiano é definido pelo próprio Ricardo como “o cara” da moda masculina na época em que ele ainda engatinhava nessa indústria).
Completaram a fórmula livros, revistas, viagens ao exterior e engenharia reversa – ele desmontava roupas importadas para descobrir como tinham sido moldadas e montadas. No início dos anos 1980, já com um razoável conhecimento e uma equipe de quatro pessoas, começou a construir sua própria marca dentro de casa (o nascimento oficial foi em 1983). Não demorou para montar uma pequena fábrica, multiplicar o quadro de colaboradores por 10 e fabricar roupas para outras marcas.
O negócio foi se consolidando, até que, com a abertura das importações no início da década de 1990, Ricardo decidiu trazer os melhores tecidos da Europa, aumentando o preço de seus produtos. Vários lojistas não aceitaram os novos valores – e ele decidiu abrir sua primeira loja própria, no Morumbi Shopping. Era um espaço estiloso, com miniturbinas de avião na parede, provador com porta automática e manequins suspensos.
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Arquivo pessoal Milton Nascimento no terceiro Morumbi Fashion (1997)
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Arquivo pessoal Gisele Bündchen, na 14a SPFW (2003)
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Milton Nascimento no terceiro Morumbi Fashion (1997)
Foi então convidado pela Rede Globo para vestir o ator Raul Cortez na minissérie O Sorriso do Lagarto e logo depois o galã Edson Celular, protagonista de Explode Coração, que na novela vestia um terno de três botões – uma ousadia que virou moda e transformou o estilista em referência entre artistas, publicitários e executivos. Desde então, várias estrelas dessas e de outras áreas tiveram o privilégio de elevar sua elegância ao ponto máximo vestindo criações de Ricardo Almeida.
“Aqui é um estúdio de consultoria de imagem, não é uma loja”, diz ele, orgulhoso do imenso e belo espaço recém-aberto com seus telões que exibem desfiles icônicos, espelhos fixos e móveis, uma mesa de sinuca centenária e uma moderníssima mesa de som, uma réplica do carro de Ayrton Senna… “O importante é saber o que cada pessoa precisa. Eu atendi muitas vezes o Supla e o pai dele, o Eduardo Suplicy. Um é um perfil, o outro é outro perfil, mas consigo atender os dois”, exemplifica. Para aqueles clientes que querem parecer o que não são, ele ensina: “Você pode deixar uma pessoa madura mais jovem, por exemplo, mas tem que saber fazer isso sem fantasiar, sem deixá-la fora da realidade”.
E quem faz as roupas que Ricardo Almeida usa? “Eu mesmo. A única coisa que eu compro bastante, lá fora, em lojas que poucas pessoas têm acesso, é casaco de couro.” Apesar do joelho já dolorido pela quilometragem, ele ainda anda de moto. Só de moto, aliás, apesar de ter na garagem antiguidades de quatro rodas como um Subaru 2009 – que não consegue vender. “Não é que eu sou apegado, mas não gosto de vender minhas coisas.”
O começo é agora
Com essa frase, Ricardo Almeida afirma que os 40 anos de sua marca foram uma preparação para o que está por vir. E esse futuro promissor inclui a RA2, marca que envolve seus dois filhos mais novos, Ricardo e Arthur (ele tem outros três), além de Gabriel Pascolato, sobrinho de Costanza Pascolato. “Vai ser um laboratório de ideias com a qualidade Ricardo Almeida, mas com pessoas novas”, define.
Entusiasmado, ele diz que agora conseguiu reunir condições “incríveis em tudo” para dar um novo salto: de cabeça, de estrutura fabril, de aprendizado…
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Daí vem a senha para o que ele chama de verdadeiro recomeço: o rejuvenescimento da marca e de seu público, além do aumento no foco no público feminino. “A gente já atende muitos filhos de clientes nossos, de 15, 14 anos. Mas o forte de nossas vendas é para um público na faixa dos 40 anos, em média. Por falar em aprendizado, o estilista diz que absorve muito de seus amigos – que têm de 18 a 80 anos. “Gosto de ouvir os amigos mais velhos. Mas também saio com os filhos deles.” E conclui: “Nestes primeiros 40 anos, nós aprendemos a fazer. Agora é que vamos começar de verdade”.
Entrevista publicada na edição 114 da revista, disponível nos aplicativos na App Store e na Play Store e também no site da Forbes.