Francis Ford Coppola nunca foi um diretor de meias palavras – nem meias histórias. Apesar de polêmicas e dos altos e baixos na carreira, ele é, sem dúvidas, um dos maiores nomes da história do cinema. Coloque na lista a trilogia de O Poderoso Chefão e os filmes Apocalypse Now (1979), Drácula de Bram Stoker (1992), A Conversação (1974), além dos diversos outros títulos para os quais assinou a produção executiva, incluindo a filmografia da filha, Sofia Coppola.
Após trocar um pouco os estúdios por sua vinícola na Califórnia, ele interrompe um hiato de 13 anos e retorna aos cinemas com o ambicioso “Megalópolis“, que estreia nos cinemas nesta quinta (31 de outubro). Sua fábula romana adaptada para os dias atuais apresenta críticas ácidas a respeito da democracia em risco, da problemática da sociedade do espetáculo e de qual futuro estamos deixando para as próximas gerações.
Cinéfilo apaixonado pelo ofício – “Todos os jovens do Brasil deveriam assistir aos filmes de Hector Babenco”, diz, sem pestanejar –, ele trouxe dos clássicos as referências para o roteiro e o visual do novo filme. “Sempre tivemos épicos, desde os tempos do cinema mudo até Spartacus, de [Stanley] Kubrick, mas ninguém nunca fez o que eu acreditava ser possível: mostrar que os Estados Unidos é a Roma moderna. Decidi que queria fazer um épico romano ambientado na América contemporânea para abordar os problemas sociais de hoje”, conta.
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Na trama, Adam Driver é o arquiteto visionário Cesar Catilina, que, além de ter o poder de parar o tempo, acredita que o futuro da cidade de Nova Roma (uma referência a Nova York) está na construção de uma organização urbana experimental a partir de um material chamado Megalon. Porém, toda ideia disruptiva precisa ser digerida com calma por aqueles ainda apegados aos sistemas antigos, caso do prefeito Franklyn Cicero (Giancarlo Esposito).
Nessa disputa entre passado e futuro, ainda se somam ao elenco Jon Voight, Nathalie Emmanuel, Shia LaBeouf, Aubrey Plaza e Laurence Fishburne. “Megalópolis lança luz sobre o fato de que temos uma escolha: se queremos abraçar uma sociedade livre, excitante e criativa, ou se queremos voltar a viver na Idade das Trevas mais uma vez. Minha sensação é que, por coincidência, a história de Roma está sendo vivida agora nos Estados Unidos, diante de nossos olhos, justamente quando este filme está sendo lançado.”
Forbes Life Fashion: Você tinha esse projeto há 40 anos e, apesar de mostrar que as coisas são cíclicas na sociedade, o filme também traz questões bastante atuais. O quanto você modificou a história para também deixá-la atual?
Francis Ford Coppola: Eu fiquei esse tempo todo tomando nota sobre um possível projeto, sem saber exatamente como ele seria. Estar vivo no mundo hoje é perceber também as inúmeras dificuldades que parecem inevitáveis, então eu o modifiquei para tentar abordar o que senti serem as causas dessa disfunção. É um verdadeiro enigma para mim não fazermos um mundo melhor para nós mesmos sendo uma espécie tão talentosa, com inteligência e criatividade.
O tempo é um tema central na história de Megalópolis. Hoje, aos 85 anos, você consegue pensar nas lições que o cinema te trouxe a respeito do tempo?
Sinto que manipulamos o tempo muito facilmente, voltamos nele, avançamos também. Se podemos controlá-lo tão bem na arte, por que não podemos fazer o mesmo também em nossas vidas? É uma pergunta que me faço.
Mesmo que a história da humanidade seja cíclica, que alguns Cíceros e Césars ainda existam, seu filme me parece mais otimista do que pessimista em relação ao futuro da humanidade.
Foi o que eu também descobri ao longo do processo. Não é preciso ser um gênio para perceber que as pessoas da Terra, em grande número, estão insatisfeitas, sem realização. E quando você pergunta por quê, percebe que mais de 3 trilhões de dólares por ano são gastos em publicidade, que tenta vender um pouco de felicidade para elas. Comecei a entender que talvez as pessoas estejam sendo mantidas infelizes de propósito. Nosso sistema depende disso – esse é o problema. Mas a felicidade está ao nosso alcance, por isso sou otimista e esperançoso.
Bom saber. E existe uma áurea sobre o exagero, sobre quem é mais poderoso. Mesmo que as ferramentas de hoje sejam diferentes das da Roma Antiga, vivemos cada vez mais nessa lógica do espetáculo. É algo que o aflige?
O espetáculo é feito para que as pessoas se sintam indignas, o que as torna bons clientes, porque se a publicidade se baseia em vender um pouco de felicidade. Ela não funciona se as pessoas já estiverem felizes, certo? Porém, na verdade, elas podem estar, porque somos criativos, cheios de dons. E todas as crianças que hoje estão morrendo no Sudão ou na Palestina são nossas crianças, e são valiosas. Acho que essa é a grande mensagem do filme.
Megalópolis também apresenta um visual bastante marcante, da direção de arte, figurino e fotografia. Como foi trabalhar essa estética ao lado das equipes?
Os filmes não são feitos por uma pessoa; eles são resultado de uma colaboração entre atores, diretores de fotografia, designers de produção e toda a equipe. Dito isso, sinto que o cinema pode ter uma estética incomum, mas nunca entediante, porque a audiência consegue criar uma outra relação com a história, de querer ver mais uma vez, e outra, e outra… na busca por entender melhor a narrativa. Há mais a ser descoberto cada vez que se assiste Megalópolis; é um pouco como Apocalipse Now nesse sentido.
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No final, fica claro que deixamos um legado para as gerações futuras. Como diretor, você criou alguns dos filmes mais importantes da história do cinema. Você já refletiu sobre seus feitos?
A melhor notícia que eu poderia receber enquanto diretor é saber que algum jovem viu os meus filmes e decidiu fazer cinema por causa deles. Isso cria uma continuidade [artística]. Estamos todos sobre os ombros daqueles que vieram antes de nós.
Você fica nostálgico ao assistir a filmes antigos?
Eles me inspiram a continuar vivo.
E quanto ao cinema contemporâneo, quais são os seus desejos para a indústria?
Eu sinto que, agora, estamos vendo duas grandes instituições morrerem diante de nossos olhos: o jornalismo e o cinema de estúdio, como Hollywood e sua potência internacional. E eu penso que o cinema não é estar em casa ou assistir qualquer coisa pelo celular. O cinema está nas salas, com 500 outras pessoas vendo a mesma coisa que você, ao mesmo tempo. Esse é o futuro – o que é irônico, porque se parece com o passado (risos).
Entrevista publicada na edição 7 da ForbesLife Fashion, disponível nos aplicativos na App Store e na Play Store e também no site da Forbes.