Aos 18 anos, Bárbara Brito deixou o Rio de Janeiro com um destino claro: recomeçar na Irlanda, onde buscava mais do que um diploma. Ela desejava traçar um novo caminho para si mesma, conquistando independência financeira e liberdade para construir o futuro que almejava. Para isso, trabalhou em diversas funções – de babá a atendente de fast-food – enquanto dava os primeiros passos em sua jornada. Anos depois, foi em Portugal que encontrou a oportunidade que a impulsionou para uma carreira internacional.
Após se graduar em Ciências da Comunicação, em Dublin, Bárbara decidiu se estabelecer em Portugal, onde iniciou sua trajetória profissional em um hostel. Começando em cargos modestos, rapidamente conquistou posições de liderança, até se tornar gerente-geral de uma rede hoteleira. A grande virada aconteceu ao ingressar na startup Selina, especializada em hospedagem para jovens. De assistente de direção, passou a liderar operações globais em 116 hotéis ao redor do mundo, alcançando a posição de C-level e tornando-se a primeira executiva preta da empresa, com menos de 30 anos.
Leia também
Além de sua carreira corporativa, Bárbara é investidora e estrategista de negócios. Com empreendimentos como a loja de roupas Diosa e o laboratório de comunicação Mequelab, ela atende grandes nomes como Arezzo e Anitta. Neste ano, Bárbara assumiu a presidência do Jantar Preto, projeto fundado por Kevin David e Levis Novaes, que desde 2023 conecta talentos pretos e redefine o conceito de luxo. Seu objetivo é trazer representatividade para um mercado elitista enquanto promove mudanças estruturais na indústria.
A chegada de Bárbara ao Jantar Preto marcou um ponto de inflexão. “Criar espaço em vez de procurá-los foi um ponto de virada na minha carreira”, reflete. O evento, que começou como encontros intimistas, expandiu-se e passou a incluir edições de grande porte, como a realizada em Salvador, com a presença de nomes como a atriz norte-americana Ângela Bassett (Tina Turner, Pantera Negra e American Horror Story), a professora Ivete Sacramento (Primeira mulher negra a assumir a posição de reitora no Brasil) e o cantor Seu Jorge. Sob o comando de Bárbara, a próxima edição, marcada para o dia 26 de novembro, acontecerá no Baretto, em São Paulo. Na ocasião, a empresária mediará um talk sobre a comunidade negra no mercado de luxo, com base em uma pesquisa inédita realizada em parceria com a L’Oreal Luxe.
Para Bárbara, o Jantar Preto é mais do que uma celebração: é um movimento de transformação social, com workshops de mentoria e a criação de uma linha de produtos exclusivos que fortalecem ainda mais a rede de talentos.
Com o propósito claro de empoderar mulheres pretas, Bárbara acredita que a representatividade no mercado de luxo vai além da simples inclusão. Para ela, é essencial que talentos negros não apenas participem, mas liderem e influenciem decisões estratégicas. “As marcas precisam entender que representatividade não é apenas incluir, mas permitir que talentos negros sejam parte das decisões importantes”, afirma.
Sua trajetória, marcada por desafios em um ambiente predominantemente masculino, ensinou-lhe a reconhecer seu valor e a se posicionar de forma firme. “Transformo as boas e as não tão boas experiências em combustível para abrir portas”, diz. O racismo e o machismo que enfrentou no mercado de trabalho não foram obstáculos, mas lições de resistência, sempre com foco em um futuro mais inclusivo e igualitário.
A empresária multifacetada falou à Forbes sobre sua carreira, planos e, claro, sobre o Jantar Preto. Confira a entrevista completa:
Forbes: Quais foram os principais passos ou decisões que marcaram a construção da sua carreira até aqui? Houve algum ponto de virada?
Bárbara Brito: Acho que o ponto de virada foi quando eu decidi criar espaço ao invés de procurá-los durante a minha trajetória, que foi construída com muita coragem e resistência. Assim, começando por sair do Brasil muito novinha, né? Trabalhei desde posições como babá, faxineira, atendente do Subway, fazendo sanduíches, até alcançar um cargo de destaque mesmo numa rede internacional. Acho que isso me mostrou que a minha identidade é uma potência, né?
Retornando ao Brasil em 2022, fundei algumas empresas, saí de outras, mas sempre procurei buscar empresas que estivessem alinhadas ao meu propósito de transformar o mercado e ampliar a representatividade negra. E foi assim que eu topei entrar no Jantar Preto como presidente e alinhar tudo que precisava ser estruturado para que o mercado de luxo nos veja como referência também.
Qual o melhor conselho pessoal ou profissional que você já ouviu?
Acho que foi: “Seja dona da sua própria narrativa e não se compare, se inspire.” Acho que esses conselhos me ensinaram muito a entender que a minha trajetória, a minha história, é única e poderosa. A partir disso, eu parei de pedir permissão para existir e comecei a construir o meu caminho, sabe? Celebrando cada avanço como um passo importante para mim, para a minha história, para a minha vida.
Qual foi o maior desafio da sua carreira profissional? Algum arrependimento?
Arrependimento, não, mas eu gostaria de ter acreditado mais cedo que poderia ser protagonista e não apenas uma espectadora. Acho que, dos maiores desafios, com certeza foi a expansão da cadeia, onde tive diversos cargos em 7 anos. Mas chegar à liderança foi o maior deles. E eu acho que, no geral, foi enfrentar um ambiente predominantemente masculino. Isso foi, sem dúvida, um dos maiores desafios. Aprender a reconhecer o meu valor e me posicionar nesse espaço exigiu muita força e resistência, eu diria.
Como surgiu a ideia do Jantar Preto e o que ele significa para você?
O Jantar Preto foi fundado pelo Kevin David e pelo Levis Novaes, hoje meu marido, como uma forma de celebrar conquistas e promover conexões entre talentos pretos. Mas, para mim, ele é mais do que um evento. Hoje, é um manifesto de pertencimento, resistência e orgulho. Acho que representa a oportunidade de redefinir o luxo a partir da nossa perspectiva e criar espaços onde, de fato, conseguimos brilhar.
O Jantar Preto existe há mais de um ano, certo? Como ele foi evoluindo e quais são as suas próximas metas?
Sim, o Jantar Preto começou com encontros íntimos, e depois ele foi se desenvolvendo, né? E, no ano passado, tivemos uma grande edição em Salvador com convidados como Ângela Bassett, Seu Jorge e a Gaía Davis. A Gaía não fez parte do Jantar, mas conseguiu entender o que eu quero com o movimento.
Agora, a nossa meta é muito expandir o impacto do projeto, levando-o para outras cidades, como já estamos fazendo, mas, ao mesmo tempo, fazer com que ele cresça enquanto comunidade e não apenas como uma celebração. Então, queremos oferecer workshops de mentoria, desenvolver uma linha de produtos exclusivos para fortalecer essa rede de talentos e gerar mais networking para dentro dessa comunidade, que é muito específica.
Em breve, teremos muitas boas novidades para compartilhar com vocês.
De que forma você enxerga a representatividade preta no mercado de trabalho, especialmente quando falamos de luxo? Como isso tem evoluído e o que tem sido feito para melhorar?
Eu acho que, no Brasil, mais de 50% da população se declara preta ou parda, mas, quando olhamos para o mercado de trabalho, especialmente em posições de liderança, esse número é drasticamente reduzido, né? Acho que há dados recentes que mostram que menos de 5% da população negra ocupa cargos executivos nas grandes empresas, e no mercado de luxo isso é ainda mais evidente, já que a presença de profissionais negros nesse espaço muitas vezes está limitada a funções operacionais.
A mudança está acontecendo, mas ela é muito tímida e precisa ser acelerada. Para as marcas, elas precisam entender que representatividade não é apenas incluir, mas permitir que talentos negros liderem e sejam partes estratégicas das decisões. Isso exige comprometimento, programas de desenvolvimento voltados para o cuidado racial e a desconstrução de preconceitos que excluem a nossa presença em ambientes sofisticados.
O mercado de luxo tem o potencial de ser uma vitrine transformadora para essa galera, mas precisa entender que a exclusividade não pode ser sinônimo de exclusão.
Como você lida com o racismo e o machismo na vida e no mercado de trabalho?
Hoje, eu transformo essa experiência que tive — as boas e as não tão boas assim — em combustível para abrir portas, não só para mim, mas para outras mulheres pretas, né? Meu sucesso é coletivo, e é isso que eu tento trazer muito para a minha relação enquanto influenciadora também na internet. Eu aprendi a escolher minhas batalhas e a criar uma rede de apoio, sabe, para promover essas mudanças sistêmicas, que beneficiam não só a mim, mas toda uma comunidade.
Qual figura feminina da sua vida, da sua história, que mais te inspira?
Com certeza, minha mãe e minha vó são as minhas maiores inspirações. Elas, as mulheres da minha família, no geral, são mulheres que sempre correram muito atrás de tudo. E não estou romantizando o sacrifício, mas acredito de fato que elas são exemplos de força e resiliência, mesmo enfrentando desafios que talvez eu nunca compreenda totalmente.
Historicamente, acho que elas devem ser referências pela sua intelectualidade e coragem. Elas, com certeza, me ensinaram, seja de perto ou de longe. Mulheres pretas, no geral, me ensinam todos os dias que somos capazes de transformar o mundo.
Como empreender e trabalhar com marcas independentes é importante para você? Como isso preenche sua vida?
Empreender é, hoje, a minha forma de criar o mundo que eu quero ver. Acho que trabalhar com marcas independentes e com empresas independentes me conecta a histórias reais e me permite construir algo alinhado com os meus valores. Não é só trabalho, é uma missão de transformação que me dá energia para continuar inovando. O Jantar Preto é um desses casos, né? Ele tem me dado muito esse gás que eu precisava para transformar narrativas, seja no mercado de luxo, seja no mercado de trabalho, seja enquanto comunidade.
Eu preciso ver mudanças. Sou geminiana, né? Então estou sempre em uma constante de inovação e transformação da minha própria vida.
O que ainda quer alcançar na vida e no trabalho?
Como respondi na pergunta 9, sou uma pessoa muito geminiana de verdade. Apesar de ser muito racional, estrategista e estar sempre com o pé no chão, dificilmente penso a longo prazo. Estou sempre pensando no agora, no que precisa estar muito alinhado com o que estou pensando e sentindo naquele momento.
Hoje, eu quero muito que o desenvolvimento do Jantar Preto seja uma transformação social no Brasil. E, quando digo social, estou falando de algo realmente grande, tanto no mercado de trabalho quanto no mercado de luxo. A nossa intenção é criar uma plataforma global que conecte talentos negros e oportunidades, ampliando nosso impacto em escala.
Pessoalmente, acho que busco experiências que continuem me desafiando, me inspirando e me exigindo, mas também tenho um grande sonho: ser mãe.
Alguma novidade para os próximos meses que pode nos adiantar? O que mais te tem animado?
A gente está planejando a próxima edição do Jantar Preto, que já acontece na próxima semana, mas com um formato ainda mais inovador. Acho que, além de parcerias estratégicas que prometem surpreender de fato, também estamos desenvolvendo um projeto mais robusto, voltado para lideranças pretas, que será expandido no mercado. Então, é um momento bem emocionante, cheio de possibilidades, e eu mal posso esperar para compartilhar mais detalhes com vocês em breve.