Entre os muitos trabalhos de arte que analisam e criticam a sociedade brasileira criados pelo pernambucano multimídia Paulo Bruscky está “O que nos espera” (2020). Sobre uma bandeira nacional de papel recortada, o prolífico e politizado Bruscky colou sobre ela a pergunta contundente. A indagação vem a calhar neste momento em que o setor de artes visuais se encontra na iminência de ser impactado pela reforma tributária em curso, com uma expectativa de aumento de cerca de 83% na atual carga tributária, ameaçando não apenas um setor vital para a economia, mas também os próprios artistas, que desempenham um papel indispensável na conexão e transformação da sociedade.
A arte transcende o mundo das galerias, feiras e museus. É uma força essencial na construção da identidade cultural, na geração de empregos e na promoção do soft power brasileiro no cenário global.
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Os artistas não são apenas criadores de beleza ou objetos de contemplação, são narradores do nosso tempo, críticos sociais e agentes de mudança. Por meio de suas obras, traduzem os anseios e desafios da sociedade, promovem debates necessários e inspiram novas perspectivas. Apesar disso, o setor artístico, em especial as artes visuais, enfrenta o risco de ser excluído do regime especial previsto na reforma para o setor da cultura. Na Emenda Constitucional nº 132 da reforma tributária estão incluídas as produções artísticas e culturais nacionais entre as atividades que mereceram o tratamento diferenciado das alíquotas de CBS e de IBS, reconhecendo a importância de setores como a cultura, saúde e educação para o país.
No entanto, no seu texto atual o Projeto de Lei Complementar 68, que vem regulamentar a reforma, contempla somente parte do setor cultural brasileiro, focando em elementos ligados apenas em serviços, como os setores de eventos e audiovisual, mas exclui o setor de artes visuais do regime diferenciado, pois não inclui operações com bens, ou seja, a compra e venda de obras de arte. É preciso deixar claro que os artistas visuais não prestam serviços e, sim, produzem obras de arte. Nesse sentido, é fundamental que todo o setor cultural tenha isonomia de tratamento na reforma e as operações com bens sejam igualmente contempladas.
A exclusão ocorre em um cenário onde países como Alemanha, França e Reino Unido já reconhecem a importância estratégica da arte, adotando políticas fiscais que fortalecem seus mercados culturais e geram benefícios econômicos. A Alemanha que em 2014, elevou o IVA para 19%, voltou atrás e a taxa foi reduzida para 7%. A França adotou a taxação de 5,5% e constatou o aumento de 2% a 7% da participação de obras francesas no mercado global de artes plásticas. O Reino Unido também apostou na tendência de diminuição do imposto, reduzindo a taxa de 20% para 5%, uma das menores do mundo. Outro país europeu que seguiu a tendência é a Bélgica que antes cobrava uma taxa de 21% e baixou-a para 6%. Os EUA, que detém o invejável quinhão de 42% do mercado mundial das artes visuais, aplicam um imposto de 7%. E em Hong Kong a taxa é zero. Sim, zero.
O Brasil, por outro lado, propõe uma alíquota de cerca de 26% para as artes visuais, o que significa um aumento de cerca de 83% na carga tributária atual, decisão que ameaça inviabilizar a sobrevivência de muitos artistas e galerias, além de comprometer todo o ecossistema cultural. Sem a inclusão no regime diferenciado, o setor pode retroceder décadas, restringindo o acesso à cultura e minando a competitividade internacional do mercado de arte brasileiro.
A economia da cultura e indústria criativa brasileira gera 7 milhões de empregos e movimenta R$ 230 bilhões por ano, que representa 3% do PIB nacional e depende de condições tributárias justas para prosperar e ampliar sua presença global, que hoje representa uma fatia de menos de 1% do mercado internacional de artes visuais.
A arte não é um luxo reservado a poucos, tampouco um mero objeto de especulação financeira. É um elemento transformador, capaz de aproximar pessoas, construir identidades e moldar sociedades mais humanas e conectadas. Preservar e incentivar a produção artística não é apenas uma questão de justiça tributária, mas um investimento estratégico no futuro do Brasil – na sua economia, na sua cultura e no seu lugar no mundo.
Alexandre Roesler
Sócio-diretor da Galeria Nara Roesler e tesoureiro da ABACT (Associação Brasileira de Arte Contemporânea)
Com colaboração de Cynthia Garcia, historiadora de arte, premiada pela Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA) [email protected]
Nara Roesler fundou a Galeria Nara Roesler em 1989. Com a sociedade de seus filhos Alexandre e Daniel, a galeria em São Paulo, uma das mais expressivas do mercado, ampliou a atuação inaugurando no Rio de Janeiro, em 2014, e no ano seguinte em Nova York.
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Instagram: @galerianararoesler
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