Motos com tapetes enormes enrolados na garupa zanzam por vielas apertadas em uma sucessão quase infinita de pequenas lojas coladas umas às outras. Vende-se de tudo: especiarias coloridas em bacias, luminárias metálicas vazadas, túnicas e babuchas para todas as ocasiões, bolsas de couro de camelo, pinturas de paisagens desérticas e montanhosas, cerâmicas e pratos desenhados, instrumentos musicais árabes (como o oud – alaúde em formato de pera; o qanun – cítara descendente da harpa egípcia; e a tabla – tambor em forma de cálice típico de músicas para a dança do ventre).
Pessoas cruzam em todas as direções. Homens são a maioria, mas mulheres estão à vontade. Burcas dividem a cena com roupas ocidentais. Opa, cuidado, outra moto. No alvoroço, rápidas bandejas equilibram copinhos de chá, feixes de luz escapam por buracos na cobertura das ruas labirínticas. Flashes oníricos entrecortados pelos chamados para as cinco rezas diárias que pontuam a rotina islâmica.
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Esqueça o Google Maps, não perca tempo com o queixo colado ao peito, olhando o celular. Entrar no flow das artérias de um efervescente souq (mercado) em Marrakech é a certeza de se perder – feliz da vida – nos arredores de Jemaa el-Fna, a principal praça da cidade desde a sua fundação, em 1062. Ela está localizada na entrada da medina, a parte mais antiga e murada do coração do Marrocos.
Aqui se concentram os encantadores de serpentes, domadores de macacos, contadores de histórias, tatuadoras de rena, vendedores de sucos de fruta. À noite, barracas de comidas típicas, músicos amadores, jogos de sorte e atividades que lembram uma quermesse junina brasileira. Seja lá qual for a hora, de dia ou à noite, quem domina a paisagem é o minarete de 77 metros da mesquita Koutoubia, do século 12, a maior mesquita de Marrakech – prédios mais altos do que isso são proibidos na cidade.
No topo do minarete, há quatro bolas de cobre com sal mineral do Alto Atlas que evita a oxidação do pináculo – o sal é trocado uma vez por ano, durante o Ramadã, para manter o brilho dourado. Em frente à torre, uma vara de madeira indica a direção de Meca. O nome Koutoubia remete ao século 19, quando dezenas de livreiros se reuniam ao redor da mesquita (kutubiyyin significa livreiros, em árabe). Foi ela que serviu de inspiração para o campanário da Catedral de Sevilha, na Espanha.
O melhor hotel da África: o Royal Mansour Marrakech
A menos de 15 minutos a pé da balbúrdia entre a mesquita Koutoubia e a praça Jemaa el-Fna, um oásis de silêncio. Mas não um silêncio qualquer. Um silêncio real. Ao atravessar o enorme portão do Royal Mansour Marrakech, a impressão que se tem é de adentrar uma outra dimensão – uma vez nos seis hectares da propriedade, é impossível dizer que se está tão próximo ao maior frenesi do país.
Com a chancela de cinco estrelas no Forbes Travel Guide e considerado o melhor hotel do continente africano, o Royal Mansour Marrakech foi inaugurado em 2010 e traduz o sonho do rei Mohammed 6º, no trono desde 1999, uma gestão que ampliou os direitos das mulheres e bem mais liberal que a de seu pai, Hassan 2º, que ficou 38 anos no poder. Mohammed 6º reuniu o melhor da arquitetura marroquina para receber chefes de Estado e visitantes da realeza. Cerca de 1.500 artesãos trabalharam – sem limite de orçamento – durante três anos para entregar um nível de detalhamento e de requinte que arranca interjeições dos hóspedes a todo momento.
A começar pelas suítes – que não são suítes. São riads – 53 residências privativas de três andares (alguns com vista para a Cordilheira do Atlas), todos diferentes entre si, construídos seguindo o padrão das casas tradicionais do centro urbano histórico de Marrakech. Eles são fechados para o exterior, têm um pátio interno decorado com plantas e fonte – absolutamente confortáveis, com mobiliário e iluminação que convidam ao mero desfrute da contemplação de uma parede ornada com mosaicos; do teto esculpido em cedro; dos lustres imponentes ou do terraço com piscina no último piso (lugar excelente inclusive para pedir o café da manhã). O tempo é outro dentro de um riad – há uma desconexão com o resto do Universo.
Os riads do Royal Mansour Marrakech podem ter de um a quatro quartos – o menor (Superior Riad) com 140 metros quadrados; o maior (Grand Riad) com 1.800 metros quadrados. Os quatro da categoria Prestige Riad têm três quartos, com 840 metros quadrados. Para um serviço para lá de… impecável: 600 funcionários circulam por uma rede de túneis subterrâneos que acessam diretamente os riads – incríveis, diga-se, com grandes ampliações de fotos produzidas dos funcionários, desenhos e uma limpeza extrema.
Circular do riad para os quatro restaurantes ou para áreas comuns, como o spa e a piscina descoberta, é garantia de passear entre os aromas e as cores dos jardins de árvores frutíferas, que ganharam uma grande expansão em 2021, quando dobrou sua área de três para seis hectares. Tal ampliação é assinada pelo estúdio Luis Vallejo Landscape, o mesmo que cuidou do projeto de paisagismo original do hotel. Há espaço para horta orgânica, que abastece de vegetais os cardápios do hotel, bem como de produtos usados em infusões e tratamentos no spa (hortelã, alecrim, sálvia e alfazema).
O jardim se funde de maneira tão natural com a piscina de 30 metros de comprimento por 20 de largura que, de repente, você está em uma espreguiçadeira tomando sol, ou relaxando em uma das cabanas privativas de 45 a 80 metros quadrados. Não há como escapar. Melhor se render logo, deitar e acompanhar os pássaros que rabiscam o céu de um azul denso. Para te acordar do transe, mesmo sem pedir, pode aparecer um garçom te oferecendo uma (deliciosa) porção de churros doces.
Se há um ambiente onde você certamente ficará de queixo caído, esse lugar é o spa. Nos 2.508 metros quadrados distribuídos em três andares, destaque para a padronagem dos desenhos mouros vazados nas paredes de ferro brancas que embelezam o átrio com uma fonte central e chão de mármore – daí a importância de chegar ao menos 15 minutos antes de sua agenda para você ter tempo para admirar o lugar sem pressa. São 10 salas de tratamento e três suítes, além de uma academia com equipamentos de última geração e a opção de um personal trainer. A piscina coberta e aquecida com teto de vidro em meio ao jardim funciona como um arrebatamento final, que acaba te segurando muito mais tempo no local. Prepare-se: é muito difícil conseguir sair do spa.
No meu caso, esqueci a vida em um tratamento no hammam, uma experiência imersiva e tradicional no Marrocos. Deitado sobre um piso quente de pedra (a palavra remete a “espalhar calor”), o corpo vai se desligando enquanto a mente sintoniza no gotejar que parece ecoar na sala úmida de mármore. Esfoliação feita com uma luva especial e sabão preto deixam a pele tinindo, revigorada. Entre outros ingredientes naturais utilizados nos tratamentos, estão a argila purificadora da Cordilheira do Atlas e as rosas do Vale Kalaat M’gouna. A marca marroquina marocMaroc faz companhia para os produtos da Sisley no cardápio do spa. Massagem e jarras de água quente na cabeça fazem a alma flutuar e, ao chegar em uma grande banheira de água fria, você está sorrindo e nem sabe muito bem por quê.
A felicidade segue em alta em qualquer refeição feita nos quatro restaurantes do hotel. E, se na reportagem sobre o Four Seasons Jackson Hole, em Wyoming, pude apontar meu restaurante favorito sem pestanejar, aqui no Royal Mansour Marrakech, confesso, fiquei muito dividido, já que as experiências gastronômicas são bem díspares – e fantásticas. Posso garantir, no entanto, minha preferência – e um completo encantamento, sobretudo pelo teto – entre os quatro bares: Main Bar. Entre os sete coquetéis da casa (sim, bebidas alcoólicas são permitidas no Royal Mansour), voto no Spring Fig (uísque de centeio, infusão de figo, licor de chá preto e vermute).
Antes mesmo de os pratos pousarem à mesa, destaque para as louças, talheres e copos – mais uma vez, a diferença está nos detalhes, tudo surpreendente, impecável e lindo. No topo da lista dos melhores restaurantes marroquinos do continente, palmas para o La Grande Table Marocaine, sob a batuta do chef Yannick Alléno, parisiense com três estrelas Michelin que fez profunda pesquisa em receitas ancestrais do país, como as tradicionais saladas marroquinas e o cuscuz de sete vegetais. O prato Crustacean Chouwaya from Oualidia Lagun mistura lagosta, camarões, lula e mariscos.
No La Grande Brasserie, quem dá as cartas é a chef Hélène Darroze, em um cardápio francês que convida ao compartilhamento de pratos: três entradas, três principais e três sobremesas (para citar apenas uma entrada: confit de foie gras com frutas vermelhas, chutney de laranja e cebola roxa). Ao ar livre, cercado por árvores e plantas, o Le Jardin Restaurant mescla influências asiática e mediterrânea.
Inaugurado em dezembro de 2019, o Sesamo, do chef Massimiliano Alajmo, utiliza ingredientes do Marrocos com a base da cozinha italiana, e arranca suspiros dos comensais em pratos como risoto com sorbet de melão.
City tour de sidecar
Surpresa também na hora de realizar o city tour por Marrakech. Na expectativa de surgir uma van pelo imponente portão do Royal Mansour, aparecem sidecars. Que demais. Você pode escolher entre ir na garupa do piloto ou no assento ao lado da moto, lugar que proporciona uma perspectiva única da cidade. A empresa Insiders disponibiliza capacete e um lenço colorido para quem quiser cobrir parte do rosto.
O passeio de meio dia percorre bairros de diferentes classes sociais e desenha um panorama da cidade que tours mais convencionais passam longe. Duas paradas no caminho servem para os pilotos contarem histórias sobre a cultura e a sociedade marroquina (um parêntese rápido para sublinhar o quão prazerosas e informativas foram tais conversas – os simpáticos pilotos falam de boca cheia sobre o país e não escondem o orgulho por ele).
A segunda parada acontece em frente a uma casa que você não dá nada por ela. Não há placa nem algum sinal de que aquele lugar seja especial ou uma atração turística. Um senhor abre o portão ordinário para as motos estacionarem. Ao entrarmos na casa, em uma sala ampla e vazia, apenas uma mesa. Pedem para deixarmos os celulares e máquinas fotográficas ali. A partir daquele momento, não é mais permitido nenhum registro.
Então, começa o espetáculo: uma sucessão de aposentos com tetos, chão e paredes com o fino da arte decorativa marroquina, um trabalho ininterrupto de centenas de artesãos especializados – e em progresso – iniciado em 1974, quando o perfumista francês Serge Lutens comprou essa casa próxima à madrassa Ben Youssef. Lutens conheceu Marrakech em 1968 – e se apaixonou de imediato pela cidade. Nessa época, ele trabalhava para a Dior criando linhas de maquiagem – só mais tarde, seria reconhecido internacionalmente como criador de perfumes.
A casa de 3 mil metros quadrados funciona como retiro privado de Lutens, bem como sede da fundação que tem o seu nome. Prepare o pescoço para contemplar pequenos tetos de madeira entalhada – um deles demorou quatro anos para ficar pronto. Algumas salas trazem coleções de arte, com obras de Jacques Majorelle, Edy Legrand e Paul Jouve, entre outros pintores viajantes das décadas de 1920 e 1930. O perfumista não permite foto porque considera que o espaço está inacabado. Detalhe: Lutens autoriza a entrada apenas de hóspedes do Royal Mansour Marrakech. Saí mudo desse lugar. Precisei de um tempo para processar tamanha surra de beleza e preciosismo. Nessas horas, nada melhor do que tomar um vento no rosto, no sidecar do Insiders, de volta para o hotel.
Para outras aventuras na cidade e nas redondezas, a equipe de concierge do Royal Mansour Marrakech providencia desde passeios mais curtos (como o Museu Yves Saint Laurent) a programas mais extensos, como andar de camelo (ou voar de balão) no Saara e jantar em tendas beduínas.
Royal Mansour Casablanca
Por uma estrada que mais parece um tapete de tão boa, se faz a viagem de 2h30 entre Marrakech e Casablanca (cerca de 240 quilômetros). É preciso confessar uma coisa: não foi tarefa simples ir embora do Royal Mansour Marrakech. Mesmo acostumado a dar as costas a suítes fenomenais, fechar a porta do meu riad pela última vez doeu no coração. A paisagem ocre desértica da viagem, contornada por morros baixos e monótonos, ajuda a relembrar grandes momentos recém-vividos e já embala suspiros saudosos.
Mas não demoro a voltar a sorrir: bastou chegar ao lobby do Royal Mansour Casablanca (inaugurado no dia 15 de abril) para entender o rigor com o elevadíssimo padrão estabelecido pelo primeiro hotel do rei Mohammed 6º. Logo de cara, também fica evidente que o novo hotel respeita as características do prédio art déco e o bairro central onde está inserido – em nada lembrando os traços da hospedagem em riad. Pode se esperar o mesmo raciocínio para o terceiro Royal Mansour que vem por aí (o primeiro resort), sem data de inauguração confirmada (talvez início de 2025), em Tamuda Bay, norte do Marrocos, na costa Mediterrânea.
O lobby é dominado por um grande painel do artista libanês Charles Kalpakian: um mapa estilizado de Casablanca feito com uma série de materiais sobrepostos. A obra dá o tom das outras 600 espalhadas pelo hotel. Logo atrás do lobby, um enorme aquário combinado com plantas na parte de cima cria um ambiente onde impera a tranquilidade e o bom gosto de um mobiliário escolhido a dedo. Até mesmo o prosaico ato de esperar o elevador não é tempo perdido: hora de reparar no contador de andares de design vintage – redondo e com ponteiro.
Havia uma expectativa muito grande pela inauguração do Royal Mansour Casablanca: ele substituiu um lendário hotel cinco estrelas de 1953, originalmente de nove andares. Após oito anos de obras, o prédio renasceu em 23 andares, com 30 mil metros quadrados de 70 diferentes tipos de mármore – no rooftop, o restaurante La Grande Table Marocaine e uma vista espetacular da Mesquita Hassan 2º com o Atlântico ao fundo.
Tal rooftop mal inaugurou e já se transformou em um must da cidade. De novo, é complicado escolher um restaurante favorito entre os três disponíveis. Além do La Grande Table Marocaine (no mesmo patamar do de Marrakech), há o japonês Le Shushi Bar (de Keiji Matoba) e o francês La Brasserie (de Eric Frechon).
Os 149 quartos têm de 45 a 130 metros quadrados. Já os quatro private apartments vão de 150 a 220 metros quadrados e são temáticos: moda, literatura, cinema e música – este último com aparelho de som para tocar vinil e dezenas de discos à disposição do hóspede.
Em 850 metros quadrados, a Suite Princière ocupa três andares (do 21º ao 24º) e possui elevador e jardim próprios. Agora, se precisa de um pouco mais de espaço, fique com a Suite Royale, que tem 1.200 metros quadrados, quatro quartos, sala de cinema, academia, spa com hammam e elevador particular.
No 20º andar, o Le Salon Barbier é o primeiro salão que Sarah Hamizi abre fora da França. Desde os 8 anos, Sarah observou seu avô trabalhar como barbeiro e se apaixonou pela profissão. O fato de ser mulher, no entanto, dificultou seu desenvolvimento, mas não impediu que ela abrisse o primeiro salão em 2000, em Paris – e fizesse um tremendo sucesso a partir daí (depois dos salões, lançou linha de produtos masculinos e escreveu livros sobre o ofício).
Experimentei os préstimos do salão – e não dá para dizer simplesmente que “fiz a barba”. Fui atendido pelo marroquino Manaf, com 15 anos de experiência e passagens pelo Líbano e pelos Emirados Árabes Unidos. “Isso não é meu trabalho; é minha paixão”, me contou depois de um serviço de mais de uma hora, com direito a massagem na cabeça.
Onipresente nos visuais panorâmicos do Royal Mansour Casablanca, a Mesquita Hassan 2º, construída sobre o Atlântico, inaugurada em 1993 e com um minarete de 210 metros de altura, está entre as maiores do mundo e é o cartão-postal mais emblemático da cidade.
Tem capacidade para 105 mil fiéis (25 mil dentro) e, no subsolo, possui 41 fontes de mármore para a lavagem de pés e mãos. Dei sorte de pegar o gigantesco teto retrátil (1.100 toneladas) da mesquita aberto.
Bastante impressionante o recorte do céu em uma estrutura tão poderosa e repleta de detalhes arquitetônicos e gráficos – fórmula que remete aos pilares da maravilhosa coleção de hotéis do rei Mohammed 6º. Coisa de cinema. De Marrakech a Casablanca (e, em breve, Tamuda Bay), nós sempre teremos o Royal Mansour.
Reportagem publicada na edição 120 da revista, disponível nos aplicativos na App Store e na Play Store e também no site da Forbes.