
No coração da Praia dos Coqueiros, no histórico Ponto dos Pescadores, o restaurante Almar nasce como um encontro entre tradição e inovação, resgatando as raízes culturais de Trancoso com um forte olhar sustentável. Sua essência está diretamente ligada à trajetória de Marcel Leite, cujo legado vem de seus pais, Nando Leite e Sandra Marques, fundadores do icônico Capim Santo. O casal chegou a Trancoso nos anos 80 e fez parte do grupo de jovens que redescobriu o vilarejo, transformando a cena gastronômica local. Seu pai, então estudante de economia na FGV, deixou tudo para viajar o mundo, enquanto sua mãe, arquiteta, trouxe para a culinária influências da agricultura biodinâmica e das tradições libanesa e caiçara de sua família.
Foi nesse contexto de liberdade e conexão com os ingredientes locais que nasceu a filosofia do Almar, um restaurante que une sofisticação e consciência socioambiental. Conversei com Marcel e Fernanda Andrade, casal por trás do beach club, para entender melhor essa proposta e os desafios de manter um restaurante comprometido com suas origens e com a sustentabilidade.
Confira entrevista com Marcel Leite a seguir.
Marcel, são 40 anos de Capim Santo. Qual é a sua função dentro dessa história toda?
Me sinto um guardião das raízes do Capim Santo, de tudo que aprendemos com nossos pais durante todo o desenvolvimento do restaurante. Aprendi como empreender conectado ao bioma e à essência local.
Como surgiu a ideia de abrir o Almar dentro desse contexto todo?
Tem muita história antes disso. A trajetória do Capim Santo vem de uma vida inteira, literalmente. O Almar surge da vontade de fazer parte da transformação positiva de Trancoso e do desafio de empreender de forma responsável, dando continuidade a esse legado.
Conta um pouco mais sobre esse início.
Meus pais vieram para Trancoso no início dos anos 80. Na época, isso aqui era um lugar completamente diferente. O Quadrado era um espaço de encontro de pescadores e agricultores de subsistência, onde aconteciam festividades tradicionais e o escambo de alimentos. Existia um sincretismo muito forte entre as tradições religiosas e culturais, com influências principalmente indígenas e portuguesas através dos jesuítas. Nessa época, os nativos chamavam o pessoal de fora de biribandos.
De onde surgiu o termo “biribandos” e o que ele representava para os nativos?
Esse é o nome dado a uma geração de alternativos e hippies que chegaram aqui a partir da década de 1970. Os primeiros foram um casal, o Joel e a Leila. Os nativos, no começo, achavam que eles eram ciganos. Tanto que tem um livro muito legal chamado Nativos e Biribandos, que conta essa transição e como os moradores reagiram à nova presença.
E os seus pais entram nessa história como?
Meu pai era estudante de economia na FGV, largou tudo para viajar o mundo como mochileiro, fez artesanato e praticava macrobiótica. Minha mãe era arquiteta. Eles vieram para Trancoso depois do nascimento da minha irmã, a chef Morena Leite, por volta de 1981, trazendo esse espírito livre e naturalista. Eles chegaram ao Quadrado com um Gurgel e foram acolhidos pela minha madrinha, Dora, e pelo Aart, um holandês que estava envolvido com projetos de agricultura social para comunidades.
E assim surgiu o Capim Santo?
Exato. No início, meus pais foram sócios do Bar São João, o primeiro restaurante de Trancoso. Mas depois minha mãe começou a cozinhar em casa, com ingredientes plantados pelo meu pai no quintal, dentro dos princípios da agricultura biodinâmica e com influência das culinárias libanesa e caiçara da família dela. Assim nasceu o Capim Santo.
E você, quando entrou nesse universo da gastronomia?
Desde sempre. Cresci no pé da minha mãe na cozinha e junto com meu pai nas obras da pousada. Mas claro que fiz minhas próprias buscas, explorei outros caminhos. Me formei em design gráfico na Austrália, onde tive a oportunidade de vivenciar diversas práticas sustentáveis. Quando retornei, assumi a gestão do Capim Trancoso. Da vontade de contribuir para o desenvolvimento positivo da região, nasceu o Almar.
O Almar tem uma proposta muito alinhada à sustentabilidade. Como isso se reflete no dia a dia do restaurante?
Trabalhamos com ingredientes sazonais, valorizamos os produtores locais e reduzimos desperdícios ao máximo. Nossa equipe está sempre atenta a práticas que minimizem o impacto ambiental, desde a escolha de fornecedores até a compostagem de resíduos orgânicos. A ideia é criar um ciclo virtuoso envolvendo toda uma rede do bem, desde cadeias produtivas até o trade de gastronomia e hospitalidade, conectados a uma jornada de conhecimento sobre impactos durante o consumo e nossas escolhas.
O que inspirou essa abordagem mais sustentável?
Com o acelerado desenvolvimento de Trancoso, percebemos os efeitos colaterais do turismo. O abastecimento de alimentos da cidade é baseado em hortifruti de monoculturas cheias de agrotóxicos e pescados congelados de polos pesqueiros distantes. O Almar nasceu para resgatar a essência de Trancoso, oferecendo uma experiência deliciosa sem comprometer o futuro do planeta.
O público tem respondido bem a essa proposta?
Sim! Muitos clientes querem saber de onde vem o que estão consumindo e como isso impacta o meio ambiente. Esse engajamento nos motiva a continuar aprimorando nossa proposta.
Quais são os planos futuros do Almar?
Queremos expandir nosso impacto com parcerias e novas experiências gastronômicas que reforcem essa conexão entre sabor e consciência ambiental.