Tem havido muita atenção da mídia recentemente sobre a influência esportiva do Oriente Médio, particularmente da Arábia Saudita. Recentemente, o fundo soberano PIF (Public Investment Fund) gastou controversamente US$ 2 bilhões para iniciar o seu próprio torneio de golfe (batizado de LIV e rival do norte-americano PGA Tour) e pagou US$ 372 milhões para comprar 80% da equipe britânica de futebol Newcastle United.
Em janeiro, o PIF também anunciou uma parceria tripla com as principais séries de automobilismo elétrico: Fórmula E, Extreme E e E1 Series.
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“É um negócio muito complicado porque é preciso pegar ativos dos três campeonatos para fazer algo que seja equilibrado. Estou muito satisfeito por podermos fazer isso ao longo dos três campeonatos, o que é único. Cada um tem conceitos diferentes, mas são todos elétricos”, resume Alejandro Agag, mentor da Fórmula E ao lado do ex-presidente da Federação Internacional do Automóvel (FIA), Jean Todt, e agora CEO da Electric 360, que abarca as três categorias.
E então surge a questão: por que a Arábia Saudita está tão interessada em corridas de veículos elétricos? “O plano geral da Electric 360 é a diversificação. As pessoas questionam se não é um paradoxo um país petrolífero patrocinar a electricidade. Mas é exatamente o que procuram porque querem diversificar. O plano é ampliar a economia saudita e estar em todas as direções com a energia. É por isso que faz tanto sentido”, continua Agag.
Outro marco importante foi o projeto Vision 2030, anunciado em 2017, que traça um roteiro sobre como mudar a economia e a posição do país no mundo. “Não é saudável para a Arábia Saudita depender apenas do petróleo como principal rendimento. É por isso que nosso primeiro evento internacional na Arábia Saudita foi a Fórmula E, enviando uma mensagem de que estamos pensando no futuro e em energias alternativas”, explica o príncipe Khaled Bin Sultan Al-Abdullah Al-Faisal, presidente da Federação Saudita de Automóveis e Motocicletas e da Saudi Motorsport Company.
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Empresas petrolíferas e nações ricas em combustíveis fósseis são frequentemente acusadas de “greenwashing” – termo em inglês que pode ser traduzido como “lavagem verde” e descreve a prática de ações de sustentabilidade que não passam de discurso –, na tentativa de prolongar a vida útil dos seus negócios, ao mesmo tempo que parecem preocupadas com o ambiente.
Para Agag, o que a Electric 360 faz é exatamente o oposto. “Estamos avançando na inovação do transporte que faz uma diferença real. As pessoas que o acusam de lavagem verde não fazem nada real para fazer a diferença. Eles apenas gritam e reclamam. Deixe-os fazer isso. Eles pensam que estão fazendo algo, mas estão fazendo o oposto.”
A importância do esporte para a Arábia Saudita
Também há acusações de que o interesse pelo automobilismo faz parte de um plano de “lavagem esportiva”, que é usar o esporte para melhorar a imagem global do país. A Arábia Saudita sediou eventos de boxe de alto nível e tentou trazer craques para sua nascente liga de futebol. Há rumores de que a Arábia Saudita tentou comprar a Fórmula 1 por US$ 20 bilhões, embora isto tenha sido posteriormente rejeitado como “pura especulação”.
Mas a Aramco, a gigante do petróleo e do gás do reino árabe, tem um contrato de dez anos e US$ 450 milhões com a categoria, e vários outros países do Oriente Médio investiram dezenas de milhões de dólares para receber corridas e captar patrocínios.
“Mais uma vez, trata-se de diversificação. Uma das coisas que o Príncipe Herdeiro sempre menciona é que ele quer fazer da Arábia Saudita um lugar agradável para os seus cidadãos viverem. Greenwashing e sportswashing são conceitos ocidentais de pessoas que pensam ter superioridade moral. Mas o esporte está chegando à Arábia Saudita para ser oferecido aos cidadãos do país, para que possam assistir ao melhor futebol, boxe e automobilismo. Essas coisas não aconteciam aqui antes e agora estão a acontecer, para uma vida melhor, que também inclui melhor educação, melhores cuidados de saúde, melhores transportes, melhores infra-estruturas e melhor entretenimento. O esporte faz parte disso”, segue Agag.
Tem também a ver com o crescimento do PIB, com o príncipe herdeiro Mohammed bin Saud a esperar um aumento de 2,5% no esporte, parte de uma estratégia integrada para construir a economia da Arábia Saudita e manter a sua população jovem feliz.
“A Arábia Saudita está deixando de depender apenas dos rendimentos do petróleo para investir em esportes e turismo”, afirma o Príncipe Khalid. “As iniciativas verdes são uma grande parte disso. É por isso que vocês veem nossos investimentos em diferentes setores do PIF e do governo da Arábia Saudita. Caso contrário, ficaremos para trás e não poderemos desenvolver o nosso país.”
A Extreme E se tornará Extreme H em 2025, e com o interesse da indústria petrolífera no hidrogénio tem havido preocupações de que a mudança das baterias para o H2 seja puramente financeira e um beco sem saída para o desenvolvimento de transportes descarbonizados.
“Somos uma empresa”, diz Agag. “Também temos parcerias comerciais com a Suíça. Ninguém poderá correr de graça.” Embora o hidrogénio possa ter pouco papel a desempenhar no transporte dos países desenvolvidos, a Extreme E tem demonstrado há alguns anos que o H2 tem potencial para geração de energia fora da rede. Uma categoria ideal como banco de testes é aquela baseada em corridas off-road de SUVs em locais remotos.
Além do “pico petrolífero”
A mensagem principal é que a Arábia Saudita quer manter o que acredita ser sua posição como um dos maiores países fornecedores de energia, seja ela solar, elétrica, a hidrogênio ou qualquer outra.
Em 2023, cerca de 60% das receitas da Arábia Saudita vieram da sua indústria de petróleo e gás. São muitas coisas que terão de ser substituídas quando o mundo tiver o “pico petrolífero” e a indústria dos combustíveis fósseis estiver prestes a entrar em declínio.
“Esta é a razão geral da diversificação do país. Quando o petróleo não tiver mais papel, a Arábia Saudita terá outras coisas. O Xeque Yamani, o Ministro do Petróleo durante a primeira grande crise petrolífera em 1973, disse-o muito bem. A Idade do Petróleo não terminará quando ficarmos sem petróleo, tal como a Idade da Pedra não terminou porque ficamos sem pedra. Haverá algumas tecnologias que serão melhores do que a utilização do petróleo e é aí que a Era do Petróleo terminará. Quando alguma coisa for mais barata e melhor, sem usar petróleo, nós usaremos isso. Mas o combustível é apenas um dos usos do petróleo. Tem tantos outros, como plásticos e estradas. Estamos focados mundialmente na transformação da mobilidade, mas nesses outros aspectos não estamos tão avançados”, reflete Agag.
A Arábia Saudita terá mais de 15 GW de produção de energia renovável em 2024. Quase tudo isto é energia solar, com apenas o projecto Dumat al-Jandal a fornecer cerca de 1,6 GW a partir da energia eólica. Mas todos os anos, o reino árabe anuncia intenções mais ousadas para as energias renováveis. Atualmente, o objetivo de acordo com o plano Vision 2030 é instalar 20 GW de energias renováveis todos os anos até 2030, num total de 130 GW.
Colocando isto em perspectiva, o pico diário de procura de electricidade no Reino Unido raramente ultrapassa os 40 GW, e a Arábia Saudita tem apenas pouco mais de metade da população do Reino Unido (37 milhões contra 67,7 milhões em 2023). A maior demanda de todos os tempos nos EUA foi inferior a 743 GW, com dez vezes a população.
Espera-se que a Arábia Saudita tenha uma população entre 50 e 60 milhões de pessoas em 2030. Em outras palavras, se o país atingir a sua meta de 130 GW até essa altura, provavelmente terá mais do dobro da produção de energia renovável de que necessita, se não três vezes mais. Pretende utilizar o excedente considerável de energias renováveis para exportar, quer diretamente, quer através da produção de hidrogénio e de amoníaco, que é derivado do hidrogénio. “A longo prazo, a Arábia Saudita quer continuar a ser uma superpotência energética, mesmo depois de um período em que o petróleo não seja necessário”, afirma Agag.
“O automobilismo elétrico enquadra-se nesta visão, porque se olharmos para a indústria global, a maior parte dela está agora a migrar para carros elétricos e os regulamentos na Europa e noutros países significarão uma proibição de veículos de combustão até uma determinada data”, pondera o príncipe Khaled. “Depois de 2030 sabemos que a eletricidade será a escolha e todos os grandes fabricantes investiram muito na eletrificação. Será assim nos próximos 20 ou 30 anos a menos que o hidrogénio ou outra tecnologia se mostre mais viável e sustentável.”
Assim, a Electric 360 parece uma adição considerável aos planos da Arábia Saudita para o Vision 2030, mas também não será tão ruim para o resto do mundo. Se o automobilismo tiver influência na direção de importantes questões globais, obter contribuições financeiras significativas para as corridas elétricas poderá ajudar a influenciar todos os transportes numa direção mais sustentável.
“Se você perguntar a alguém sobre a Arábia Saudita, eles lhe dirão duas coisas: petróleo e camelos”, conclui o príncipe Khaled. “Agora seremos vistos para muitas outras coisas.”
*É editor do site independente de veículos elétricos WhichEV, com 30 anos de experiência como jornalista de tecnologia. Foi um dos primeiros a experimentar o Nissan Leaf, em 2011. Também é diretor do Mestrado em Jornalismo Interativo da City, a Universidade de Londres, e tem doutorado em filosofia da comunicação.
(Traduzido por Rodrigo Mora).